
Matéria sobre o relançamento de “Vôo de coração, grande clássico do Ritchie, que escrevi para Rolling Stone.
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Menino veneno
Para comemorar os 25 anos de lançamento de “Vôo de coração”, Ritchie preparou uma edição especial do seu primeiro disco, que inclui o hit “Menina veneno” e que vendeu aproximadamente 1 milhão e meio de cópias (“no ano do lançamento, mais do que Roberto Carlos”, diz Ritchie). Em sua casa, no Rio, o inglês fala sobre os anos 80, parceiros musicais que se tornaram gigantes da música brasileira e sobre vender mais do que Roberto Carlos.
O que esse relançamento tem de especial?
Ritchie – É a versão definitiva, porque conseguimos recuperar um pouco da pressão do LP que estava perdido nas versões anteriores. Não é simplesmente um relançamento de gravadora. Foi um projeto meu, do Lee Martinez e do Carlos Eduardo Andrade (respectivamente, produtor executivo e produtor musical do disco), foi o primeiro trabalho de todos nós. É um presente para os fãs, não estou querendo reviver as vendas. Ficou comprovado que se pode fazer uma edição de luxo, com encarte caprichado e músicas bônus, por um preço popular. Com isso, os fãs talvez pensem duas vezes antes de baixar na internet.
Nomes que viriam a se tornar nomes conhecidos – como Lulu Santos, Lobão e Liminha – tocaram do disco. Sendo estrangeiro, como você conheceu essa turma?
Naquela época éramos todos principiantes, nossa revolução foi trazer o rock para o ouvido dos brasileiros. Lulu e Lobão viram um show meu em 1974, em São Paulo, de uma banda que tive, o chamada Scaladácida, depois formamos o Vímana juntos. Conheci o Liminha e os Mutantes em um estúdio em Londres, em 1972 e acabei vindo ao Brasil para visitá-los. Depois ele foi meu aluno de inglês.
Você foi um dos pioneiros do uso de sintetizadores no rock brasileiro, o que se tornou uma marca da sonoridade dos anos 80.
Eu ouvia muito Depeche Mode, Duran Duran e o (tecladista) Lauro Salazar trouxe essa informação com ele da Alemanha. As guitarras entraram para dar um apoio. Esse é o aspecto mais datado do disco. Hoje em dia minha banda tem duas guitarras e um teclado.
Os anos 80, aliás, voltaram com tudo.
O Edgar Scandurra disse que “os anos 80 são os anos 60 dos anos 2000”. Os anos 80 já refletiam a sonoridade dos anos 60, as canções de três minutos, a fórmula do pop. Naquela época, tanto quem tinha quatro, cinco anos, quanto quem tinha 80, ligavam o Chacrinha e viam a gente. Isso criou um carimbo no inconsciente coletivo muito forte. Se há um motivo da durabilidade dos anos 80, acho que é um pouco por isso. Todas as classes sociais assistiam e isso é uma coisa que foi elitizada quando a música migrou dos programas de auditório para as TVs por assinatura. O gari, o médico, crianças e velhos assistiam um leque de talentos, da música brega ao mais experimental. O pop perdeu uma veia popular que foi uma grande pena. Não sei se foi uma manobra política intencional das gravadoras para redistribuir os gêneros musicais mais ampla, porque o rock, contra tudo e contra todos, estava tomando conta de tudo.
O que você acha de ser chamado de ser visto como artista de um só sucesso?
Só nesse disco cinco músicas foram para o primeiro lugar, então de cinco sucessos, pelo menos! (risos). Mas eu entendendo o que significa isso, porque “Menina veneno” foi maior que tudo isso.
Aproveitando a oportunidade, a pergunta inescapável: o que é o “abajur cor de carne”, da letra de “Menina veneno”?
Sabia! Eu tinha um abajur meio rosado e quando a luz atravessava, parecia umas veias. Diz o Bernardo (Vilhena, letrista da musica) que não era esse, mas um outro abajur. Nós fizemos essa musica dentro do meu quarto, em São Conrado, . Mas não é carne, de bife não, era cor de pele. A idéia era algo sensual, mas tem gente que pensa num bife.
O Caetano já falou que achava que a letra era sobre heroína! O Bob Dylan já falou que quem sabe o significado das letras é o ouvinte. Não gosto muito de definir os significados.
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