Final de ano é época de Novas Frequências, festival mais estranho do calendário musical brasileiro. A primeira leitura qualquer um fica perdido. Primeiro, claro, em função dos artistas mesmo – a maioria completamente desconhecida. E depois pelo formato, bastante amplo, com shows em diversos espaços, o que na minha percepção acaba confundindo um pouco na hora de se programar.
O Novas Frequências pode ser cabeçudo e não é um evento para todos, mesmo que as festas sejam sempre mais descontraídas. Porém, é um festival necessário e saudável para o ecossistema musical brasileiro pra ir de coração e ouvidos abertos (a programação completa da 7ª edição do festival está no final do post).
Com menos atrações em relação ao ano anterior – 18 em vez de 50 – e com vários eventos gratuitos ficou mais fácil assistir a tudo.
Para ajudar na tarefa de se localizar nessa vasta oferta de música avançada, ninguém melhor que o curador, Chico Dub.
Confira as sete dicas que ele separou e apresenta com exclusividade para o URBe:
Igreja da Lapa e William Basinski: A Shadow in Time
Ao visitar festivais fora do país é tão comum assistir shows em igreja que desde que o NF começou em 2011 tentamos fazer algo semelhante. Finalmente conseguimos! Gosto de pensar na ideia de que o empurrãozinho foi dado pelo próprio William Basinski, um artista super acostumado a realizar concertos em igrejas do mundo todo. O reverb natural destes edifícios, sua acústica singular, tornam a experiência de escutar um som como o do Basinski ainda mais sublime. O cara trabalha com o desgaste e a decomposição de fitas de rolo. Sua música, loops de ordem minimalista, acabam ganhando então uma textura onírica, etérea, sombria e majestuosa. Detalhe: uma das obras que será tocadas pelo Basinski é uma peça que ele criou para o David Bowie post mortem.
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Instalação sonora no MAM: Nicolas Field & Pontogor
Outro sonho antigo: ocupar o MAM RJ com uma instalação em seu pilotis – um espaço dos mais nobres da cidade tanto em função da sua arquitetura singular quanto em função da importância história do museu para as artes visuais brasileiras. Realizar uma instalação site specific que dura todo o período do festival é das coisas mais difíceis de se fazer. Há de se levar tudo, todo o tipo de equipamento e infra-estrutura, as conversas são muitas e os planos parecem mudar dia após dia. Mas, sem dúvida alguma, é um desafio que vale muito a pena. No caso, Nicolas e Pontogor irão criar uma instalação multicanal que traz elementos visuais como terra, sisal, desenhos de giz, fumaça São várias caixas de som que criarão diferentes perspectivas sonoras em todos os pontos do espaço.
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Festa em parceria com a O/NDA
Não é de hoje que as festas são o momento mais descontraído e menos, digamos, “difícil” do NF. Seguimos a fórmula este ano com uma dose extra de capricho: o evento está sendo realizado em parceria com a O/NDA, um dos eventos mais legais da cidade nos últimos meses. O local só será anunciado no dia da festa mas é impossível não saber que será demais. Com os internacionais Acid Arab, Aisha Devi, Stellar OM Source e os brasileiros Carrot Green e grassmass, além de sets dos residentes da O/NDA e do anfitrião DeoJorge, essa festola será épica. Anotem minhas palavras!
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Dewi de Vree & Patrizia Ruthensteiner apresentam: Magnetoceptia
Essas artistas, uma da Holanda e outra da Áustria, irão apresentar uma performance em três pontos diferentes da cidade: na mesma igreja onde o Basinski irá se apresentar, no pátio externo do Oi Futuro Flamengo e na Lagoa Rodrigo de Freitas (em local exato a ser divulgado em breve). Em cada uma delas, trajes customizados feitos com antenas captam campos eletromagnéticos e os traduzem em sons eletrônicos. O som é desenvolvido de forma site specific e depende dos campos eletromagnéticos presentes no local; é modulado pelas artistas de acordo com suas posições e movimentos em relação ao espaço e entre si. Ou seja, quem for nas três ouvirá sons bastante diferentes uns dos outros!
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Otomo Yoshihide & Felipe Zenicola & Renato Godoy
Taí uma oportunidade única de conferir um dos maiores nomes da improvisação mundial, o japonês Otomo Yoshihide. Dono de um currículo invejável e capaz de tocar diversos instrumentos, Otomo irá fazer um set duplo no NF. Primeiro ele vai tocar discos tal qual um turntablist de hip-hop mas com um approach diferente. Sai a técnica do scratch e entra a técnica dos discos e vitrolas “preparadas”. Melhor do que explicar, só vendo o vídeo acima. Daí além de um set solo, Otomo também vai tocar guitarra junto com os improvisadores locais Felipe Zenícola e Renato Godoy, respectivamente baixo e bateria do combo de rock-funk-noise Chinese Cookie Poets.
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Phantom Chips
Residências artísticas com objetivos meramente processuais ou de criação de um resultado ou produto final certamente trazem um elemento de risco para um evento. É o famoso “vai que não dá certo?” Mas aí é que está! Exatamente por esse motivo que as residências são tão interessantes; elas abrem inúmeras possibilidades criativas e oferecem ferramentas muitas vezes ainda não utilizadas por artistas – seja em função de uma instalação site specific, seja, sei lá, por conta de uma colaboração com algum artista local, seja pela inspiração trazida por uma temporada em uma cidade ainda não visitada…
Pelos motivos levantados acima estou super curioso para acompanhar o que a artista Phantom Chips irá desenvolver. Em residência por 4 semanas no Rio com o apoio da PRS Foundation e do British Council, a artista, que passeia pela cultura hacker e a cena de noise e power electronics, vai desenvolver um novo “instrumento musical vestível” (sim, isso mesmo!).
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ensemBle baBel plays Christian Marclay
Christian Marclay é um dos meus artistas favoritos. Mistura artes visuais e som como ninguém em mídias das mais variadas. Além disso, experimenta e compõe com discos de vinil e toca-discos, ressignificando suas funções originais. Daí que no encerramento do NF no Theatro Municipal, mais especificamente na Sala Mário Tavares, o quinteto suiço ensemBle baBel (sax, guitarra, clarinete, contrabaixo e bateria) vai tocar algumas das partituras escritas por esse artista suiço-americano – todas elas gráficas, com formatos bem incomuns (tem até história em quadrinhos!).
Circo Voador Devendra Banhart abertura:Tiê pós-show:Joutro Mundo (Jonas Rocha)
06 de setembro (quarta)
21h R$ 110 (meia-entrada social válida para todos que doarem 1kg de alimento)
Confira como foi a última passagem dele pelo Rio, em 2013:
Com inauguração nessa sexta e abertura no sábado, dia 02 de setembro, no Castelinho do Flamengo, a exposição Disco é Cultura, com curadoria do Chico Dub, analisa a influência do disco de vinil na arte contemporânea nacional, através de esculturas, fotografias, obras interativas, instalações, telas, performances sonoras e discos de nomes como Cildo Meireles, Antonio Dias, Waltercio Caldas, Chelpa Ferro, Chiara Banfi e outros.
Chico Dub liberou o texto exclusivade para o URBe seu texto de curadoria apresentando a mostra.
Disco é Cultura: o disco de vinil na arte contemporânea brasileira
por Chico Dub
A exposição coletiva Disco é Cultura oferece um conjunto significativo da produção artística nacional contemporânea que elege o disco de vinil e o toca discos como ponto de ignição de pesquisa e experimentação. Nos três andares do Castelinho do Flamengo, o visitante encontra um conjunto heterogêneo de obras brasileiras – dentre instalações sonoras, quadros, esculturas, discos conceituais, vídeos, fotografias, obras interativas, manipulações sônicas e objetos-instrumentos – que, de diversas maneiras, ressignificam criativamente as formas e as funções originais dos dispositivos associados ao universo do vinil.
Disco é Cultura reúne obras que investigam o disco como objeto e conceito, considerando-se aí tanto os seus equipamentos de (re)produção quanto os debates em torno dos desenvolvimentos tecnológicos atuais. O trabalho de Chiara Banfi, por exemplo, lança uma perspectiva crítica sobre os novos tempos digitais e aponta para a perda do ritual corpo (audição) e som. Já André Damião abre uma discussão sobre as relações entre hi-fi e lo-fi (ou alta e baixa fidelidade). Outras referências nostálgicas se fazem presente na obra de Felipe Barbosa, onde hits dos anos 80 são mitificados em uma escultura-pódio e no disco de vinil recoberto de tinta acrílica de Bernardo Damasceno, espécie de hino ao silêncio e a contemplação, em contraposição ao ruído e a velocidade extremada de nossa era digital. Existem ainda comentários políticos (nos trabalhos de Pontogor, Romy Pocztaruk e Hugo Frasa); gambiarras tecnológicas (nas vitrolas preparadas da dupla O Grivo); ponderações sobre o silêncio e o vazio (a instalação de Thiago Salas e o disco de Waltercio Caldas); reflexões sobre a morte (a instalação de Gustavo Torres); o orgulho da propriedade e o disco como retrato da individualidade (Felipe Barbosa) etc.
Um recorte significativo da exposição Disco é Cultura reside no chamado “disco de artista”. Potencializado graças aos movimentos intermedia (tais como os conceitualismos, o fluxus, a poesia sonora e o novo realismo), o disco nos anos 60 se torna mais um instrumento de experimentação artística. Nestes trabalhos específicos, o disco – e não a capa – é a própria obra de arte. Cildo Meireles, por exemplo, utiliza osciladores de frequência para esculpir topologias sonoras em forma de fita de moebius e espiral. Ou ainda, para, através de uma espécie de radionovela, discutir as relações da cultura indígena com a cultura branco-portuguesa. Já o disco de Gustavo Torres não apresenta nenhum som externo, apenas os registros de sua própria gravação. E Antonio Dias grava dois sons contínuos e intermitentes: um despertador e a respiração humana.
Famoso por trabalhar com mídias sonoras das mais variadas, o Chelpa Ferro marca presença com um trabalho sonoro em vinil (um múltiplo) e também com uma colagem escultórica de fitas cassete. Outra exceção à regra curatorial também está no trabalho de Barrão – por sinal, um dos três integrantes do Chelpa. Estes pontos fora da curva não são arbitrários. Eles demonstram que a força da palavra “disco” no Brasil é tão potente que o uso deste termo não se esgota no objeto físico, designando qualquer registro sonoro, independente do formato.
Mídia de reprodução sonora dominante. Obsoleto. Decadente. Hipster. O disco de vinil já atravessou inúmeras fases em sua trajetória. Mesmo que volte a entrar em desuso num futuro próximo – ainda que hoje fature mais do que o streaming –, seu lugar no imaginário coletivo como símbolo-mor da fisicalidade sonora e musical, permanecerá para sempre imaculado.
Tido como o equivalente masculino de Sharon Jones, parte da mesma Daptone Records, Lee Fields é um dos grandes nomes do soul, tendo sido sampleado por vários produtores e artistas do hip hop, de J. Dilla a J Cole, de Travi$ Scott a Jeremih.
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.