sexta-feira

5

dezembro 2008

24

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"Santa Marta e o túnel escuro" (web)

Written by , Posted in Urbanidades


URBeTV: o curta-documentário “Santa Marta, o túnel escuro”,
filmado com uma câmera fotográfica digital

doc e fotos: Bruno Natal

A notícia de que o tráfico havia sido expulso da comunidade pela polícia era tão boa que só vendo para crer. Aos pés do Santa Marta, o plano inicial sofreu uma pequena modificação.

A idéia era simplesmente chegar e subir as ladeiras, sem pedir autorização a ninguém, exatamente como se faz transitando entre bairros no asfalto da cidade.


Santa Marta

Dado o tamanho da novidade, não custava nada avaliar a situação falando com os policiais na viatura estacionada na subida da ladeira:

– E aí, é só meter o pé mesmo?

– Pode subir, tá na boa. Acabou de subir um monte de jornalistas com o comandante do 2o Batalhão, pelo bondinho.

– Então não tem bandido na área mesmo?

– Olha, subindo pelo bondinho tá tranquilo. Mas deve ter vagabundo escondido na mata ainda.


As iniciais do Comando Vermelho num muro: cicatrizes recentes

O bondinho é um plano inclinado que funciona como um elevador para os moradores da favela mais íngrime do Rio, onde vários repórteres aguardavam para ser levados ao topo do morro pela secretária de educação e pelo comandante da polícia.

A perspectiva de uma visita guiada oficial era desanimadora. Nada podia estar mais distante do objetivo original de simplesmente visitar a favela como quem vai a qualquer outro bairro da cidade. Sem falar na fila de mais de meia-hora pra subir no bondinho.

A grande revolução que pode ser promovida por uma comunidade sem tráfico é justamente possibilitar o encontro de duas realidades cada vez mais distantes.

O Rio de Janeiro precisa se tornar uma cidade só, sem separações, para se reerguer e reestruturar. O que isso pode trazer de bom é a livre circulação de pessoas e idéias.


Pierre Azevedo e dois de seus alunos de percussão

Decidi subir a pé e logo conheci o Pierre Azevedo, diretor da ONG Atitude Social. Baixista e ex-morador da comunidade, ele dá aulas de percussão para criançada na Casa de Cultura Dedé.

Tendo Pierre como guia (mas não uma escolta, pois realmente o morro estava calmo) para não me perder pelas vielas e chegar até o topo, rapidamente comecei a conversar com alguns moradores.

Por ingenuidade, não esperava o tipo de reação e as resposta que ouvi quando comecei a perguntar sobre as primeiras impressões da ocupação policial e a saída do tráfico.

Não ouvi ninguém reclamar da partida dos traficantes, porém a maior parte das pessoas, além da incredulidade, não acredita muito que isso irá durar. Mais do que isso, estão realmente incomodadas com o choque de regras.


Eletricidade no ar

Durante o passeio, ouvi diversas reclamações: que haverá horários para as coisas funcionarem e regras a serem seguidas, as bebedeiras agora vão ser vigiadas, que estouraram a central clandestina de tv a cabo, de que as novas casas e a urbanização impedem as criações de animais e hortas em chácaras… E de como tudo isso altera o ambiente da comunidade como eles a conhecem.

É natural que seja assim. A experiência dessas pessoas com a presença do Estado é, em grande parte, negativa. Além disso, por mais paradoxal que possa soar, existe uma liberdade proporcionada pela ausência do Estado que é difícil de perder.

A frase de um morador, em resposta ao meu argumento de que as melhorias sociais e urbanísticas certamente viram acompanhadas de responsabilidades e deveres, resume bem a questão: “eu não fui criado assim”.

Esse é o ponto central de qualquer projeto que pretenda integrar as favelas ao resto da cidade. Coisa que parecem lógicas e normais no asfalto, são totalmente alienígenas na favela.

Assim como a noção de comunidade desses lugares dá um banho no resto da sociedade, onde vizinhos de porta num mesmo prédio mal se cumprimentam, o que dirá se ajudarem.


A meninada faz pose

Há, claro, também muita desconfiança em relação as reais intenções de um projeto desses.

Da maneira que são hoje, as favelas são em maior parte ocupações ilegais, sem escrituras. Portanto, mesmo algumas delas (as da Zona Sul) estando situadas em áreas nobres, a área não pode ser negociada.

Numa região sem mais um palmo de área livre pra construir, pode ser que estejam preparando o terreno para especulação imobiliária.

Estrutura-se o local e entrega-se as escrituras de posse, para depois deixar o poder aquisitivo falar mais alto, comprar essas propriedades e transformá-las em grandes (e caros) condomínios.

Não é nem um pouco improvável, o condomínio Selva de Pedra, no Leblon, surgiu de maneira até mais agressiva, através de incêndios.

O trabalho nessas comunidades é muito mais difícil do que parece e levanta discussões complexas. Expulsar o tráfico é só o início.

Como disse José Mário, presidente da Associação de Moradores do Santa Marta, estamos entrando num túnel escuro, sem saber o que está do outro lado. Tomara que seja a luz.

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