quinta-feira

23

dezembro 2010

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O Globo, Dez/2010

Written by , Posted in Imprensa, Música

Abaixo, a versão sem cortes do texto que escrevi sobre a prisão dos MCs de funk proibidão, publicado no jornal O Globo hoje.

O polêmico proibidão no centro do debate
O diretor Leandro HBL organiza hoje no Estação Botafogo o evento ‘Em defesa do funk’

Acusados de apologia e associação ao tráfico de drogas, os MCs Smith, Frank, Tikão, Max e Dido, todos cantores do estilo conhecido como proibidão, foram presos na semana passada. Hoje, o evento “Em Defesa do Funk”, organizado pelo diretor do documentário “Favela On Blast”, Leandro HBL, a partir das 10h da manhã na sala 2 do cinema Estação Botafogo, com exibição do filme seguida de debate, discute a questão.

Autor do polêmico “Rap Das Armas” e da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), MC Leonardo enxerga a liberdade de expressão, com seus bônus e ônus, como o ponto central do caso.

– A acusação é exagerada. Não concordo com o que eles estão cantando, mas também não concordo com a polícia, estão fazendo um crime maior que o dos MCs. O Bope canta “Homens de preto qual é a sua missão? / Entrar na favela e deixar corpo no chão”, tem funk no YouTube. Como fica isso? Estamos vivendo a era dos games, no GTA não tem bandido e mocinho, apresentador de TV fala em “largar o aço”, pra “fazer um carinho” em bandido, endossando a tortura. Os valores estão invertidos em todo lugar, inclusive no funk, ainda mais por acontecer dentro da favela, onde há uma inversão de valores há muito tempo.

O proibidão é a vertente mais polêmica do funk, causando mais choque até do que as letras e coreografias eróticas. Nele, os MCs cantam o dia-a-dia da favela do ponto de vista dos traficantes, muitas vezes na primeira pessoa, não raro exaltando nominalmente os líderes do tráfico. “O papo é reto, ouça bem o que te digo / Olha bem dentro do blindado vocês ficam protegido / Você leram no jornal e também viram na TV / Os amigos da Penha botando os verme pra correr”, canta MC Smith em “Mega Operação”. As faixas fazem sucesso nos bailes das comunidades, circulando em CDs caseiros e também pela rede. Por isso, a polícia enxergou então esses MCs como parte do “marketing” das facções criminosas.

Participante da mesa do encontro, assim como o MC Leonardo, o DJ e produtor Sany Pitbull acredita que a prisão dos MCs é combater o sintoma, não a causa.

– O que aconteceu com o funk é o que aconteceu com todas as favelas. O funk foi abandonado, cresceu nas favelas sem apoio nenhum de governo. Esses garotos já poderiam ter parado de cantar proibidão. O MC Sapão saiu da Fazendinha, hoje ele canta Caetano, Gil, com roupagem funk, banda no palco. Sempre que encontro com eles eu pergunto se eles não se preocupam com as crianças. Sou contra, não toco proibidão e falo pra todos para não tocar, mas entendo porque eles cantam.

O assunto é espinhoso. Os muitos convites para opinar sobre a questão feito a compositores da música brasileira foram declinados, a maior parte com um educado “não conheço o suficiente o caso, prefiro não falar”. Haveria um véu de silêncio sobre a questão?

O teor das letras é indiscutivelmente de mau gosto e nocivo. Milhares de crianças e jovens são afetados por essas mensagens negativas, contribuindo para degradação social das comunidades. Celebrar os bandidos também ajuda a criar mitos. Porém, até que se comprove uma associação direta entre os MCs e as práticas criminosas, a música não deveria ser esse elo.

Nos EUA, rappers como Snoop Dogg, Ice Cube ou Dr. Dre foram ícones do estilo gangsta rap, de pegada bem similar. Apesar de ter sido detido diversas vezes pela polícia por porte de drogas, armas e acusação de envolvimento em um assassinato, Snoop Dogg nunca foi preso por suas letras.

Num vídeo feito na prisão pela equipe do Globo Online, MC Frank fala: “Nós nascemos no Complexo do Alemão, tem pessoas que nasceram na Barra e fala sobre surfe, da praia. Quando nós começamos a cantar foi dentro da comunidade e o que nós víamos lá dentro é a criminalidade”.

O documentário “Grosso Calibre”, de Guilherme Arruda, Ludmila Curi e Thiago Vieira, exibido na ONU e concorrendo ao prémio Shooting Poverty da ONG Oxfam, um dos MCs presos, Smith, aborda a questão da forte presença das armas nas comunidades através do proibidão, acompanhando o MC Smith em seu dia-a-dia nos bailes.

– O que eles cantam é um reflexo do cotidiano em muitas comunidades, e é uma musica que encontra eco entre as pessoas que compartilham do mesmo histórico. Eu conheço o Smith e ele se refere a ele mesmo na terceira pessoa, como se fosse um personagem. No filme ele mesmo fala, “O MC Smith não faz apologia ao crime, o MC Smith não faz apologia ao tráfico, o MC Smith retrata o que acontece na comunidade” – conta Ludmila.

No Twiter, Sany Pitbull citou a música “Charles Anjo 45”, de Jorge Ben Jor, interpretada também por Caetano Veloso, Paralamas do Sucesso e outros, sobre o “Robbin Hood dos morros, rei da malandragem”. O cartunista André Dhamer declarou que não é fã de funk, mas perguntou “acha justo prender o Dr. Silvana por cantar ‘taca a mãe pra ver se quica'”?“.

– Eles tem o direito de falar o que quiserem, na constituição não diz como você pode falar do problema, em primeira ou terceira pessoa. Não é só o José Padilha que pode falar o que acontece dentro da favela, ele não mora lá. Vc pode falar o que quiser, agora é uma música de massa, música você escuta até sem querer, as crianças ouvem , tem que ter responsabilidade – diz Leonardo.

O funk fala do que vive, a favela canta pra favela, diz Sany. Segundo ele, favelado não gosta de polícia porque sempre foi esculachado e por muito tempo os traficantes faziam o que o Estado não fazia.
– Agora que está mudando, a polícia mudando. Tem que dar cultura, não adianta só tirar as armas. Não é trazer a Orquestra de NY, é alimentar o que já está lá com coisas boas. Se nada for feito vão aparecer outros Frank, Tikão, Smith e Max e tantos outros.

O MC Leonardo cobra atitudes e soluções educacionais e preventivas, e acredita que faltou conversa.

– Porque não chamou todo mundo pra conversar, mandar tirar os vídeos do YouTube, fazer um acordo? Eles não tem importância na hierarquia. Quem não é pago pelo tráfico pra cantar em avela que atire a primeira pedra, vai ter que prender todo mundo da música brasileira que cantou em favela. Ocupar quadras de favelas ocupadas e ocupar clubes das redondezas. Tem que desenvolver essa ética com educação e família. Entendo a acusação de apologia, mas associação ao tráfico é forçar de barra.

Para Sany, o governo deveria retomar o funk, como fazem com as favelas, numa espécie de UPP cultural.

– Ficar expondo cinco garotos, fora os que ainda vão ser presos, não resolve nada. E a galera que está aqui fora e não tem apoio pra produzir bailes na favela? Porque o governo nunca fez? A questão não é proibir, a questão é dar para aquele moleque e para aquela música abandonada a condição de crescer de maneira correta.

Na última sexta, o multi-instrumentista Curumin, durante seu show no Teatro Rival, tocou uma versão de “Feira de Acari”, do MC Batata, clássico do funk que detalha o funcionamento do mercado de usados que também foi conhecido como “robauto”, onde eram comercializados produtos roubados. Com mais de 20 anos, a música não causou espanto, tampouco o músico paulistano recebeu voz de prisão.

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  1. Oow

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