Hypnagogic Pop. Hein?
Written by urbe, Posted in Música
Você acorda, anda até o banheiro, pega a escova de dente e fica olhando para o espelho, aguardando seu corpo iniciar os movimentos, enquanto tenta lembrar o que estava sonhando, organizar mentalmente as tarefas e começar o dia. Esse estado entre o acordado e o desperto, tem sido utilizado para descrever uma parte da produção musical independente recente, principalmente dos EUA.
Marcado pela estética lo-fi, o uso de efeitos, sintetizadores, filtros, saturações, melodias minimalistas, ecos de ambient, new age, embaladas por uma nostalgia oitentista imaginada (visto que muitos dos músicos sequer tenham idade para terem de fato lembranças concretas da década), o som de bandas como Washed Out, Toro Y Moi, Sun Araw tem sido chamado de shoegaze sem guitarra, dance music não dançavel, é música chapada, pra se espreguiçar. Música feita sem recursos, em laptops, baseadas em samples, com climas otimistas e melancólicos, a trilha sonora para crise financeira nos EUA, alguns dizem. Escapista, dizem outros.
Encontrar um termo para resumir o equivalente sonoro das polaroids fake do Instagram virou motivo de piada. O blog Hipster Runoff, debochando do ar misterioso e aparentemente artístico desses projetos, como que para mascarar suas intenções pop, fez uma enorme lista de possíveis nomes para o “estilo”, como shitwave, post-bloghause, wave, freakgaze, no-fi. Um deles acabou pegando, sem querer.
Chill wave tem sido fartamente usado para descrever bandas que não necessariamente tem afinidades musicais. Englobando referências tão diversas, o termo baseado nas características técnicas e estéticas – e não nas geográficas, como se costuma fazer com movimentos (algo que também ocorre com o ghetto tech, culpa da internet e dos blogues de MP3, criando movimentos globais) – foi rechaçado pelos artistas, mesmo que tenha sido bastante utilizado na imprensa.
Além de muitas vezes presunçosos e desnecessariamente cabeçudos (vide o Pitchfork), termos para definir sons são uma muleta, uma desastrada forma de se ensacar juntas bandas bem diferentes entre si. Num caminho inverso, sub-gêneros as vezes aplicáveis apenas a duas ou três bandas, irritam ainda mais.
Com Truise
Buscando um denominador comum para unir esses sons distintos, ainda que reunam características oníricas, empoeiradas e fujam da perfeição digital, em um artigo na revista The Wire, David Keenan cunhou o termo hypnagogic pop. Pegou. Ao longo de 2010 pipocaram artigos sobre o h-pop (como esses do Poptones ou Play Ground Mag, de onde vieram algumas das informações desse texto, enviados pelo Chico Dub).
Fenômenos hipnagógicos são alucinações visuais que ocorrem quando estamos de transição entre o estado desperto e de sono, momentos antes de adormecer ou assim que acordamos. Entre sobressaltos, clarões e caleidoscópios coloridos, diz-se que esse estado mais profundo que a hipnose, é um momento de profunda criatividade. O guarda-chuva hipnagógico é ainda mais amplo, engloba o próprio chill wave, o witch house o nu dub e uma boa parcela das música chapada do século XXI.
Deerhunter
Novidade não é. De Tangerine Dream a discos da virada dos anos 90 do Boards of Canada, Bugskull, Broadcast passearam, sonâmbulos, por esses caminhos. Nos anos 2000, Atlas Sound, Panda Bear, Hail Social e Ariel Pink’s Haunted Graffiti foram alguns dos pioneiros nessa onda retrô. O suposto gênero é tão amplo que pode englobar inclusive os brasileiro mario maria e Dorgas, mesmo que eles não façam ideia do que seja hypnagogic pop.
O sucesso do “estilo” pode também ser seu próprio fim. Com a crescente atenção, os artistas podem ter mais sucesso e passar a ter acesso a equipamentos melhores, interferindo no aspecto caseiro dos sons. Quando isso acontecer, alguém certamente vai bolar um outro nome e começar a ladainha novamente. Enquanto isso, bons músicos fazem boas músicas. Só isso.
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Pra escutar dormindo acordado:
Broadcast
Ariel Pink
Atlas Sound
Deerhunter
Sun Araw
Duck Tails
Emeralds
Pocahaunted
Peaking Lights
Forest Swords
Com Truise
Toro Y Moi
jj
Neon Indian
Washed Out
Memory Tapes
Best Coast
O Simon Reynolds escreveu um artigo juntando o Sul da California ao Hypnagogic pop e mostra como esse tipo de som é uma caracteristica dessa região..
http://www.frieze.com/issue/article/music4/
Ainda tem o Bullion, que acho que tem a ver com o gênero também.
E agora, consequentemente, ficamos no aguardo de um “neo-grunge” (é aniversário do Nevermind, tá na hora de ele voltar), ou o que quer que seja, pra contrabalançar essa tranquilidade toda com barulho e sujeira.
acho que esse foi um dos melhores post que vi recentemente. Escuto grande parte dessas bandas mas tem sido uma audição solitária. O ponto é que nao consigo comentar com um amigo sobre nenhuma dessas bandas sem esbarrar na falta de resposta para a clássica pergunta: que tipo de som eles tocam? Daí vem a questao da importancia dos rótulos tão útil e mal utilizado por alguns jornalistas (vide os lucio-ribeiros da vida que adoram o termo novo-nirvana, novo-strokes, novo-grunge) mas útil também a nós ouvintes, perseguidores de novos sons. Vejo um fenomeno interessante sobre estas bandas que bate com sua opniao no final do post: penso que várias destas bandas fazem um som caseiro, introspectivo e despretencioso que pode dar um novo gás na musica atual, tão orientada a tornar artistas em celebridades. Mais uma vez, mto bom o post.