Finalizando a lista de bons discos, os internacionais. Interessante notar como muitas capas estão sendo pensadas sem o nome do disco ou do artista.
Como expliquei escrevendo sobre a lista de discos nacionais, aboli o termo “melhores discos” e adotei “bons discos” por acreditar que isso dá uma noção melhor do significado dessa lista. Não tem ordem, vale EP, até single tem vez. As regras são as mesmas utilizadas na lista brasileira.
O que vale são as dicas, portanto deixe suas dicas nos comentários.
Meu texto de sexta passada da coluna “Transcultura”, que publico todas as sextas no jornal O Globo:
Em outras frequências por Bruno Natal
O festival Novas Frequências já acabou e continua ecoando por aqui. Com uma proposta bastante ousada, o evento reuniu alguns dos principais nomes da nova música eletrônica experimental em cinco noites: Com Truise, Sun Araw, Murcof, Andy Stott e os brasileiros Pazes e Psilosamples, uma escalação difícil de se ver até em festivais no exterior, como o próprio Com Truise comentou.
A entortada nos ouvidos foi tamanha que não tem como torcer para o repeteco ano que vem. E metendo o bedelho onde não foi chamado, ficam cinco dicas de nomes que fariam bonito no festival. Bom, isso hoje, né. Até lá aparece muito mais coisa.
Ducktails
Lançado pelo comentado selo Not Not Fun, Ducktails é o projeto solo do guitarrista do Real Estate, Matt Mondanile. Nele, se afasta um pouco do chillwave e envereda por canções assobiáveis, mantendo os aspectos que caracterizam o pop hipnagógico, como sons filtrados, gastos, sugerindo o passado não muito distante das fitas demo.
Peaking Lights
Também afiliado ao selo Not Not Fun, os californianos do Peaking Lights descrevem seu som como “dub pop psicodélico”. Então já sabe o que vem: graves pesados, efeitos e chapação filtrada pelo lo-fi. O disco “936” tem pintado em listas de melhores do ano e a versão com remixes traz reconstruções de nomes como Adrian Sherwood, DaM-FunK, patten e outros.
Washed Out
Uma das grandes estrelas do chillwave, ao lado do Toro Y Moi, Ernest Greene foi surpreendido pelo sucesso das próprias canções, feitas no quarto de casa e disponiblizadas online. “Feel It All Around” é a trilha de abertura do seriado “Portlandia”, aumentando ainda mais o alcance de suas músicas contemplativas, para ouvir esticado na praia ou olhando pras árvores.
Emeralds
Um dos integrantes da banda, o guitarrista Mark McGuire, estava originalmente escalado para o Nova Frequências com o seu projeto solo, mas acabou cancelando sua vinda. O Emeralds não tem planos para lançar um segundo disco, mas se viessem seria uma boa oportunidade para McGuire também se apresentar.
Chet Faker
Só pra manter uma atração com trocadilho no nome, sai Com Truise, entra Chet Faker (já falamos dele aqui na coluna, assim como do Eltron John). O australiano classifica sua música como “future beat, downtempo, post-dusbstep, sex”. Pra entender, tem o atalho dos remixes: ele já produziu versões estranhíssimas de “Nude” (Radiohead) e “No Diggity” (Blackstreet).
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Tchequirau
Enquanto o Spotify, melhor serviço de assinatura de música por streaming, não desembarca por aqui, temos os gratuitos Grooveshark, seguindo forte (com visual melhorado) e a versão brasileira do Rdio.
Você acorda, anda até o banheiro, pega a escova de dente e fica olhando para o espelho, aguardando seu corpo iniciar os movimentos, enquanto tenta lembrar o que estava sonhando, organizar mentalmente as tarefas e começar o dia. Esse estado entre o acordado e o desperto, tem sido utilizado para descrever uma parte da produção musical independente recente, principalmente dos EUA.
Marcado pela estética lo-fi, o uso de efeitos, sintetizadores, filtros, saturações, melodias minimalistas, ecos de ambient, new age, embaladas por uma nostalgia oitentista imaginada (visto que muitos dos músicos sequer tenham idade para terem de fato lembranças concretas da década), o som de bandas como Washed Out, Toro Y Moi, Sun Araw tem sido chamado de shoegaze sem guitarra, dance music não dançavel, é música chapada, pra se espreguiçar. Música feita sem recursos, em laptops, baseadas em samples, com climas otimistas e melancólicos, a trilha sonora para crise financeira nos EUA, alguns dizem. Escapista, dizem outros.
Washed Out
Encontrar um termo para resumir o equivalente sonoro das polaroids fake do Instagram virou motivo de piada. O blog Hipster Runoff, debochando do ar misterioso e aparentemente artístico desses projetos, como que para mascarar suas intenções pop, fez uma enorme lista de possíveis nomes para o “estilo”, como shitwave, post-bloghause, wave, freakgaze, no-fi. Um deles acabou pegando, sem querer.
Chill wave tem sido fartamente usado para descrever bandas que não necessariamente tem afinidades musicais. Englobando referências tão diversas, o termo baseado nas características técnicas e estéticas – e não nas geográficas, como se costuma fazer com movimentos (algo que também ocorre com o ghetto tech, culpa da internet e dos blogues de MP3, criando movimentos globais) – foi rechaçado pelos artistas, mesmo que tenha sido bastante utilizado na imprensa.
Além de muitas vezes presunçosos e desnecessariamente cabeçudos (vide o Pitchfork), termos para definir sons são uma muleta, uma desastrada forma de se ensacar juntas bandas bem diferentes entre si. Num caminho inverso, sub-gêneros as vezes aplicáveis apenas a duas ou três bandas, irritam ainda mais.
Fenômenos hipnagógicos são alucinações visuais que ocorrem quando estamos de transição entre o estado desperto e de sono, momentos antes de adormecer ou assim que acordamos. Entre sobressaltos, clarões e caleidoscópios coloridos, diz-se que esse estado mais profundo que a hipnose, é um momento de profunda criatividade. O guarda-chuva hipnagógico é ainda mais amplo, engloba o próprio chill wave, o witch house o nu dub e uma boa parcela das música chapada do século XXI.
O sucesso do “estilo” pode também ser seu próprio fim. Com a crescente atenção, os artistas podem ter mais sucesso e passar a ter acesso a equipamentos melhores, interferindo no aspecto caseiro dos sons. Quando isso acontecer, alguém certamente vai bolar um outro nome e começar a ladainha novamente. Enquanto isso, bons músicos fazem boas músicas. Só isso.
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.