quarta-feira

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março 2004

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Entrevista – Mombojó (2004)

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A idade dos integrantes — o mais velho tem 21, o baterista, 17 — rendeu o apelido de “Mombojovens”. No entanto, a pouca idade não quer dizer nada. Ou melhor, acaba sendo mais um fator positivo no som do Mombojó. Dez anos após o manifesto mangue bit, Pernambuco está definitivamente de volta ao mapa musical brasileiro e a geração pós-Chico Sciense convive com naturalidade com isso. Os elementos já foram devidamente digeridos e reprocessados. Sem perder os laços com o passado, a proposta agora é outra, hora de dar mais um passo à frente.

Nem bem lançou o primeiro disco independente, o Mombojó rapidamente passou de aposta para certeza. Depois de resenhas positivas em alguns grandes jornais e revistas, a banda fechou um contrato de distribuição nacional com a revista do Lobão, a OutraCoisa. Além disso, esse ano volta ao Abril Pró Rock (tocaram na edição de 2002) e participam do Curitiba Pop Festival.

Em entrevista ao URBe, por e-mail, quatro integrantes falaram sobre esses e outros assuntos.

Como foi o início do Mombojó? Parece que vocês eram fãs do Sheik Tosado e que estavam em todos os shows.

Chiquinho (teclado, sampler) — A coisa começou quando metade do pessoal que hoje é a Mombojó ainda tinha uma outra banda, a Play Damião. Começamos a sacar o que realmente queríamos fazer e com o fim da Play surgiu a Mombojó Ragajá!. Depois assumimos uma nova formação, com algumas mudanças de integrantes, resultando na atual Mombojó, nome que não quer dizer nada, mas hoje pelo menos já soa bonito no ouvido!

Felipe S (vocal) — A gente conheceu China depois de um show do Sheik Tosado com a Nação Zumbi aqui em Recife. Tínhamos uns 16 anos e China, 19. Mas levou um tempão até a gente se juntar mesmo de alguma forma. A Mombojó começou mesmo num projeto de remanescentes de outras bandas de adolescentes, todos já com experiências frustradas querendo fazer uma história não-rock, mas ao mesmo tempo com peso.

Marcelo Campello (violão, cavaquinho, escaleta) — Todo mundo na banda acompanhava os eventos da cena Recife-Olindense desde muito jovem, escutando aquela carga de informações e se identificando. Eddie, CSNZ, Mundo Livre S/A, o próprio Sheik, de certa forma exalavam uma postura que supria nossa “fome” sonora na época.

Marcelo Machado (guitarra) — A banda começou com a junção de uma galera que tocava desde cedo, uns com apenas 12 anos. Uns já se conheciam há muito tempo, como é meu caso, do Chiquinho, Vicente (o baterista, meu irmão!) e Felipe. Rolou uma coisa que nunca tinha rolado muito nas outras bandas: entrosamento quase total.

O disco tem algumas parcerias com o China. Como surgiu isso?

Marcelo Campello — Um dia o China ligou pra elogiar o nosso EP (2001), foi massa essa atitude dele de entrar em contato. Aí eu e Felipe marcamos de ir na casa dele, assim mesmo, na cara-dura, não tínhamos muita coisa pra falar, mas uma vontade de se conhecer mais e trocar idéias. Já nesse primeiro dia a identificação foi instantânea, China mostrou um esqueleto de “Adelaide”, eu fui botando uns acordes e a música surgiu. Era assim: quem tivesse uma letra ou uma base, botava na roda pra ver no que dava. Foi assim que surgiram as parcerias.

Chiquinho — Eu pessoalmente não sei como surgiu esse contato, quando dei por mim estávamos eu e China, em minha casa, compondo a trilha sonora de um curta metragem que nunca rolou.

Vocês cresceram no legado de Chico Science e alguns de vocês eram praticamente crianças quando ele morreu. Qual a relação de vocês com a figura do Chico e com o movimento mangue bit?

Marcelo Campello — Chico Science foi uma coisa meio iluminada aqui em Pernambuco, pouca gente passou indiferente àquela proposta. Eu tinha uns 12 anos e foi importante ver que as coisas podiam ser feitas aqui, ver as pessoas se agregando por dividir pensamentos em comum. Acho genial a metáfora do mangue como biodiversidade cultural, porque evitou a formatação do som. As bandas daqui seguem uma cultura de procurar um som próprio, criar, isso é do caralho.

Felipe S — Quando Chico era vivo, a Nação fazia uns ensaios no ateliê do meu pai [o artista plástico Maurício Silva], meu contato inicial com a banda foi dessa forma. Da leva de coisas que surgiu nesse tempo por aqui o que mais influenciou diretamente a Mombojó foi o “Samba Esquema Noise” da Mundo Livre S/A, os dois discos da Eddie, “Samba pra Burro” de Otto e os do Nação Zumbi pós-Chico.

Chiquinho — Acho legal ser visto meio que como a nova geração do mangue, isso é massa, é bom ver que estamos dando continuidade àquilo que agente vê desde guri, estar no meio dos ídolos de infância: Eddie, Mundo Livre e a própria Nação Zumbi.

Como o folclore pernambucano influencia o som de vocês?

Marcelo Campello — Na verdade, a gente procura diferenciar bem até onde a valorização da cultura popular é sadia e onde começa a afetação. O simples fato de termos nascido aqui nos faz suficientemente pernambucanos e reflete no som de formas muito mais sutis e complexas, não há mais nada a buscar.

Chiquinho — De alguma forma, acaba influenciando. Cresci ouvindo isso, acompanhando minha mãe pelos carnavais da cidade. Porém, dispenso qualquer preocupação em enfatizar essa mistura de ritmos do folclore pernambucano em nosso som, até porque já tem muita gente fazendo isso e muito bem. Por isso é legal tocar as coisas que sabemos fazer sem forçar a barra do “pernambucanismo”. Afinal, pernambuco acaba sendo isso mesmo: diversificado.

O que vocês ouvem e quais são suas referências?

Felipe S — Ultimamente travei meu cérebro escutando só o “Silver Album”, da Astrud Gilberto, a banda que toca com ela nesse disco é fantástica! Os sons mais novos a gente sempre faz circular internamente por todos da banda. O último que teve grande aceitação sem dúvida foi o Stereolab.

Marcelo Campello — A lista é grande: Air, Stereolab, Tortoise, Man or Astroman, The Pops, Tim Maia, Roberto Carlos, Nação Zumbi, Jorge Ben, Garoto, Tom Jobim, João Gilberto, Rogério Duprat, Stooges, Cartola, Skatalites, Snoop Dogg, Horace Andy, Black Uhuru, Lee Perry…

Chiquinho — Tenho o costume de ouvir as coisas que são daqui: Dj Dolores, Comadre Fulozinha, Variant, Tonami Dub e Variant TL, um projeto paralelo da Mundo Livre e de uma banda local chamada Songo, os caras tocam um ska roots do caralho.

A exemplo de banda atuais como Los Hermanos, Acabou la Tequila ou Nervoso, a Jovem Guarda é referência para vocês?

Felipe S — O lance de Roberto Carlos fluiu de forma muito espontânea dentro da Mombojó.

Chiquinho (o tecladista) já tinha alguns vinis e China é vidrado, botava a gente pra escutar coisas o tempo todo. A Jovem Guarda é referência pra todo mundo que morou em subúrbio aqui em Recife, mas eu nunca tive muitas afinidades. Das bandas que você citou, conheço apenas o Los Hermanos, mas as pessoas insistem tanto em dizer que eu me espelho neles que, por nóia, já não escuto faz mais de um ano.

Marcelo Campello — Roberto Carlos, nos idos de 70, refletia bem o tipo de conflito que muitas pessoas da nossa idade vivem – melancolia, estranheza – por isso a identificação.

Chiquinho — Viajo muito nos timbres que os caras tiravam na época, em ir atrás daqueles timbres; inclusive, uso um sintetizador que me faz chegar bem perto daquela vibe.

Marcelo Machado — Eu curto muito o Los Hermanos, é uma banda que se encontrou e faz um som muito na vibe. Em relação a Roberto Carlos, eu acho que ele realmente é o pivô musical e intelectual pra muita gente.

Vocês e o China têm até uma banda cover do Robertão…

Marcelo Campello — Primeiro a gente fez um projeto muito massa, os Monstros. Tocamos umas duas vezes, uma delas numa festinha de prédio. China mostrou uns vinis do The Pops, Roberto Carlos, essa coisa meio jovem-guarda/surf que a gente viaja. Essa era a onda dos Monstros.

Chiquinho — Recentemente, fundamos uma nova banda, a Del rey, tocando as pérolas do rei Roberto dos anos 60 e 70. É o jeito que a gente arrumou pra tirar um nas passagens de China por Recife. O negócio é muito divertido, é do caralho tocar as músicas do rei, tem um sentimento inexplicável… É massa, ainda vai dar o que falar!

Como foi o esquema de gravação de “Nadadenovo”?

Felipe S — O “Nadadenovo” foi realizado da forma mais independente que se possa imaginar, inclusive poucas pessoas escutaram o disco durante o processo de gravação e mixagem, pra evitar aquele clima de “isso tá ruim”, “aquilo poderia ser desse outro jeito”, etc. Todos queríamos fazer um disco exatamente como desse na nossa telha e muita coisa foi se transformando durante as gravações, sempre mexíamos muito.

Marcelo Machado — O Nadadenovo foi gravado graças a um projeto para a Lei de Incentivo à Cultura da Prefeitura do Recife que conseguimos aprovar. A primeira tiragem foi de cerca de 2 mil discos. Por enquanto conseguimos negociar a vendagem com algumas lojas de disco do Recife e nós mesmos vendemos em shows da Mombojó.

Quais são os planos para esse disco, vai ter turnê?

Marcelo Machado — O disco tem sido bem comentado pela imprensa daqui do Recife e do Sul, e por isso estamos organizando algumas viagens para fazer durante o ano. Provavelmente ainda esse semestre estaremos organizando uma mini-turnê pelo sul-sudeste.

Pra finalizar, falem um pouco das músicas, do clima do disco. Enfim, expliquem para quem ainda não conhece.

Felipe S — Na verdade, acho meio chato dar receita sobre as músicas. Mas já que muita gente busca certeza em tudo, vai aqui uma dica: não tem nadadenovo!

Marcelo Campello — O disco tem uma sutileza que eu acho massa, buscamos muito isso, o minimalismo, nada foi jogado, até os momentos caóticos são bem planejados. Uma coisa que caracteriza o disco são as constantes e repentinas mudanças de atmosfera, gostamos muito disso, ainda há muito o que evoluir nesse sentido. Procurar “ver” o som é uma coisa boa.

Marcelo Machado — Uma característica nossa é inserir nas músicas elementos que fazem a gente ficar na vibe, uma espécie de vibração conjunta que une todos da banda em um som harmônico. Gostamos de fazer música que nos deixe felizes e descansados quando ouvimos, música pra fechar o olho e relaxar.

* na página do grupo dá para baixar o disco inteiro.

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