Joca – Você cria música como ninguém, de onde vem sua inspiração?
Juana Molina – Eu acho que, basicamente, de todas as músicas que meus pais botavam quando eu era criança.
Estes sons rolavam em casa enquanto eu estava brincava com bonecas ou com minha irmã. Isso deve ter me alimentado, como osmose. Absorvi isso sem perceber.
Quando comecei a escrever canções, há muito tempo atrás, eu pensava que era inútil fazer algo que já havia sido escrito. Então, se eu ouvia algo que tinha uma semelhança com uma melodia ou um som já reconhecido eu abandonava a ideia de imediato e olhava para algo que era novo para mim.
Joca – Como foi a transição de sua carreira como atriz de TV/comédia para cantora/compositora?
Juana Molina – Embora eu tenho começado a tocar guitarra quando menina, eu era muito tímida quando se tratava de exposição musical – a menos que estivesse tirando sarro de alguém. Assim, atuar era fácil. Então, quando eu precisava de um emprego para pagar meu aluguel e ter tempo livre para tocar guitarra, eu pensava que um programa de TV era a melhor opção.
Anos mais tarde, depois de ter sucesso como comediante, eu percebi que tinha sido pega na minha própria armadilha: o trabalho que me permitiu fazer o que eu queria tornou-se muito exigente e eu tive que trabalhar longos dias de uma semana para terminar o próximo episódio de meu próprio programa show. Antes que fosse tarde demais, desisti e voltei para o que eu amo: música.
Joca – Quais sons rolavam na sua casa e que te influenciaram?
Juana Molina – A música em casa era muito variada. De João Gilberto (lotes e lotes), Caymmi, Jobim, Chico Buarque, Edu Lobo, Bill Evans, Ella Fitzgerald, Sonny Rollins, Maria Elena Walsh, The Beatles, Ravel, Schubert e muitos outros que me esqueço agora.
Em seguida, quando eu comecei a comprar meus próprios discos, comecei a ouvir King Crimson, Jonny ‘Guitar’ Watson, James Brown, Led Zeppelin, Eduardo Mateo, Santana (!!!), e mais tarde The Police, David Sylvian, Devo.
Joca – Conhece a cena musical carioca?
Juana Molina – Não estou ciente sobre coisas novas, mas eu tive a chance de ir a um show de Kassin + Domenico + Moreno aqui em Buenos Aires e eu adorei. Depois, em outro show, encontrei o grande Pedro Sá com Domenico. Mas para ser honesta, eu não sei de mais nada.
Joca – Como recebeu o convite para tocar no Festival Sonoridades?
Juana Molina – Estou sempre animada para tocar em novas cidades e o Rio é muito especial. O Brasil tem sido uma grande influência na minha experiência musical como um todo. E parece que o Sonoridades é realmente um ótimo festival para tocar. Um dia antes estaremos ensaiando com Jaques Morelenbaum. Eu acho que vai ser divertido!
Tinha tempo que Black Alien não fazia um show inteiro, só dele. Com o lançamento de seu segundo disco chegando, o rapper aceitou o convite do festival Sonoridades e encarou o palco do Oi Futuro, tendo como convidados Edi Rock (Racionais MCs), Flora Matos, Gabriel o Pensador e André Ramiro. Gente que gosta dele, o reverencia e ajudaram a deixar o ambiente mais familiar.
Dadas as circunstâncias um pouco tortas, numa casa sem história com o rap, para um público diferente do qual está acostumado a se apresentar, o retorno teve mais cara de aquecimento. Amplificando essa atmosfera, a maior parte do show foi baseado em músicas lançadas há quase 10 anos, em “Babylon By Gus Vol 1: O Ano do Macaco” e num formato bastante cru, sem banda, com apenas o MC e o DJ Pachu no palco, em clima de ensaio.
momentos do show: paper planes, duas músicas novas e papos com a platéia
O grande interesse do show, portanto, estava mais no que se passaria entre as músicas, nos papos improvisados de Black Alien com a platéia. Ou dele com ele mesmo, em voz alta e rimando, como é típico. Uma edição de vídeo só com essas partes daria um bom retrato do momento atual do rapper, uma ideia de seu momento de vida mais clara até que as novas letras, que ele tem tempo de fazer e refazer. O improviso é direto e é sincero.
“Ela é a Flora. Eu sou a fauna”, disse ao apresentar a convidada brasiliense.
“Não existe final feliz. Se é feliz como é final?”
“Não sem til agora é nao, tio”
Vindo de uma longa internação numa clínica de reabilitação, “agora é now mesmo” para Black Alien e ele quer fazer o melhor. Agitado, pediu diversos rewinds a Pachu para poder recomeçar a rimar quando errou – e a maior parte das vezes que errou foi por conta de loops pulando, por um defeito do controlador, de acordo com o DJ, prejudicado pelas muitas mudanças por segundo impostas pelo rapper.
Ao longo do show, Black Alien fez duas piadas leves sobre maconha e inclusive cantou “Cachimbo da Paz” com Gabriel O Pensador. Depois de tanto falar que não se juntou ao Planet Hemp nesse retorno exatamente por não querer exaltar drogas (“olha o que aconteceu comigo”, tem dito em entrevistas) pode soar contraditório. São mesmo as contradições que fazem a cabeça de Gustavo Black Alien ferver.
Existe um diferencial que faz o Mr. Niterói incontestavelmente o maior rimador do Brasil: Black Alien não rima magistralmente apenas palavras, rima assuntos. Fazendo curvas tão bruscas quanto imperceptíveis, ele junta tópicos improváveis. Modulando o vocal, pula do singjay para raggaman para o rapper em uma frase. Em português e em inglês.
O ouvinte é jogado de um tema para o próximo, variando entre assuntos gerais aos mais pessoais. Nenhuma música é “sobre alguma coisa”. As letras são amplas porquê Black Alien é levado pela palavra, não o contrário. A bem dizer, não são letras ou as reportagens comuns ao rap. São poemas declamados sobre batidas.
No Planet Hemp esse caráter fica ainda mais evidente. Suas entradas são sempre como uma decolagem, entortando o papo, um momento dub e viajante, onde em meio a uma música sobre queimar tudo até a última ponta ele fala sobre a guerra entre Cambódia e Laos.
Mais do que isso, ouvir Black Alien é fazer uma viagem para dentro da cabeça do Gustavo. Um lugar inquieto, com mil pensamentos passando e se cruzando a todo tempo. Gustavo absorve e armazena referências de todas as partes. Quem já esteve com Gustavo sabe bem disso. Ele fala rimando mesmo quando conversa, uma eletricidade que não para e não tem hora pra fluir.
Uma pessoa que pensa tanto está propensa a sentir o cérebro fritar. Não deve ser fácil domar a quantidade de associações, possivelmente inconscientes e involuntárias. Gustavo é um gênio (com tudo de bom e de ruim que isso traz), é tratado e, principalmente, cobrado como tal.
Enquanto muitos fãs perguntam o que aconteceu, não se pode esquecer: saúde mental também é saúde. Próximo dos 42 anos, é difícil não pensar no que poderia ter sido produzido por Black Alien nos últimos 10 anos, dos 32 até aqui, num período normalmente de imensa atividade criativa. A escolha foi esperar pra gravar de novo, porque “não tinha nada pra falar”.
Sem saber o que aconteceu com Black Alien, é difícil dizer qualquer coisa. Refém de sua própria genialidade, seu talento o empurra para os holofotes, mesmo quando talvez não sinta-se pronto ou à vontade. Entre tantas turbulências, sua maior inteligência pode residir em saber respeitar o próprio tempo.
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.