Ano passado, na resenha do Primavera Sound 2016 aqui no URBe, publicamos ilustrações do @bwrubin. Esse ano, o instagram @mekaeli está recheado de imagens do shows, inclusive dos brasileiros Elza Soares e Seu Jorge. Confira alguns desenhos abaixo:
Muita gente criticou o silêncio dos artistas durante as manifestações das últimas semanas, como se eles tivessem obrigação de compreender tudo que estava acontecendo instantaneamente – mesmo que ninguém mais estivesse conseguindo.
Outros, fizeram ou requentaram músicas. No espírito das reinvicações, tanto se pediu que alguns atenderam. Se isso foi bom ou ruim, tire você mesmo suas próprias conclusões.
Abaixo, as contribuições musicais de Tom Zé; Seu Jorge, Pretinho da Serrinha e Gabriel Moura; Latino; e Edu Krieger.
Tom Zé, “Povo Novo”:
A minha dor está na rua
Ainda crua
Em ato um tanto beato, mas
Calar a boca, nunca mais!
O povo novo quer muito mais
Do que desfile pela paz
Mas Quero muito mais Quero gritar na Próxima esquina Olha a menina O que gritar ah, o Olha menino, que a direita Já se azeita, Querendo entrar na receita, mas De gororoba, nunca mais
Já me deu azia, me deu gastura Essa politicaradura Dura, Que rapa-dura!
Seu Jorge, Pretinho da Serrinha e Gabriel Moura, “Chega (Não é pelos 20 centavos)”:
Chega! De impunidade
Chega! De desigualdade
Todo mundo tá chegando
Não é pelos 20 centavos que estamos lutando
Chega! De não ter casa pra morar
Chega! De não ter grana pra pagar
O povo não está brincando
Não é só pelos 20 centavos que estamos lutando
Chega! Todo mundo vai pra rua
Chega! Você vai ficar na sua
É uma falta de respeito, canta forte por seus direitos
Brasil! Tá na tua hora
Brasil! Tem que ser agora
Não é só pelos 20 centavos que estamos lutando
Brasil! Pinta a sua cara
Brasil! É uma chance rara
Não é só pelos 20 centavos que estamos lutando
Chega! Todo mundo que saúde
Chega! Vamos mudar de atitude
Chega! Não estamos aguentando
Não é só pelos 20 centavos que estamos lutando
Chega! Diga não a violência
Chega! Diga não ao vandalismo
Chega! Não estamos aprovando
É pela paz no país que estamos marchando
Chega! Precisamos de escola
Chega! Não se vive só de bola
É o povo brasileiro que sustenta o país inteiro
Não é só pelos 20 centavos que estamos lutando
Você está muito enganado se é isso que está pensando
Latino, “O Gigante” (reciclada de 2012):
Esse é meu país,
Esse é meu Brasil!
É hora de vencer,
É hora de jogar
Quem nasce pra vencer
Não pode recuar
Amarra, amarra,
Amarra que é tudo nosso
Cruze os braços lá em cima
Que a sorte está lançada
Quem não sabe brincar
Não desce pro play e volta pra casa
O gigante acordou
Está disposto à lutar
Com fome de vencer
Com sede de querer
Vem nossos (?) enfim se revelar
Salve o hino da vitória
Salve o povo lutador
Verás que o filho teu
Não foge a luta não
Tem gabarito pra ser campeão: Brasil!
Amarra, amarra,
Amarra que é tudo nosso
(Ôôôôôôôôôô…)
Brasil!
É ordem e progresso!
Edu Krieger, “Gol da Vitória”
Vou narrar um tremendo gol de placa
Que marcou a virada da partida
Já cansada de ser tão iludida
Nossa equipe reage e contra-ataca
Decidiu que não sabe ser panaca
E depois de viver decepções
A coragem brotou nos corações
Que não têm mais pudor em ser feliz
Foi o gol da vitória de um país
Com duzentos milhões de campeões
Há quem diga que não vai dar em nada
Pois o jogo é de fato bem difícil
Mas à beira de um grande precipício
Quem é forte começa uma virada
Feito ponta de lança em arrancada
Pelas ruas vieram multidões
Entre gritos de guerra e palavrões
De quem sabe o que faz e o que diz
Foi o gol da vitória de um país
Com duzentos milhões de campeões
Tem bandido que finge ser do time
Faz gol contra e caminha pro abismo
Pois quem joga fazendo vandalismo
É tão vândalo quanto quem reprime
Mas a paz é a tática sublime
Dando fim a conflitos e explosões
Coroando centenas de milhões
Que já estavam vivendo por um triz
Foi o gol da vitória de um país
Com duzentos milhões de campeões
Finalmente depois desse golaço
O gigante acordou mostrando força
Nas esquinas escuras há quem torça
Pra que não se prossiga nesse passo
Mas a gente não deixa que o cansaço
Tome conta das boas intenções
Quero ver despertar nas eleições
Um Brasil bem maior que mil Brasis
Foi o gol da vitória de um país
Com duzentos milhões de campeões
Como estava dizendo outro dia, Seu Jorge está pouco se importando para o que pensam dos seus passos cada vez mais populares e parte para uma trilogia de músicas para churrasco. Livre da preocupação em soar sofisticado, Seu Jorge se aproxima da sonoridade do Farofa Carioca que o consagrou.
Bater pênalti parece mole, mas além de também ser gol, precisa de técnica. Com o projeto de versões Almaz, Seu Jorge dá mostras (mais uma vez) do quanto ele domina o que faz, não apenas nos aspectos artísticos. Sabe identificar os desejos do seu público antes mesmo dele próprio e não tem pudor nenhum em entregar o que a galera quer. O Circo Voador com 3 mil pessoas no sábado comprova.
Ruim seria um resultado impossível. Além da presença do próprio Seu Jorge, ao se fazer acompanhar por Lucio Maia, Dengue, Pupillo e Da Lua – a Nação Zumbi quase inteira, com direito a um salve a Du Peixe pelo empréstimo – até “Atirei O Pau No Gato” soaria sensacional. Ao vivo, a banda dá um banho no disco.
Como um Mark Ronson da Zona Sul carioca, o repertório cuidadosamente escolhido equilibra o cool e o popular, canções manjadas ou alternativas, dependendo a quem se pergunta: Kraftwerk (“The Model”), Tim Maia (“Cristina”), Michael Jackson (“Rock With You”), Roy Ayers (“Everybody Loves The Sunshine”), Jorge Ben (“Errare Humanus Est”), etc.
A grande sacada é justamente oferecer sons que fazem a “massa” se sentir “por dentro” ao reconhecê-las, ao mesmo tempo que são aprovadas pelos “entendidos”. O sucesso da Orquestra Imperial ou do Los Sebosos Postizos passa pelo mesmo caminho. A tal “cultura do DJ” também é isso aí.
A seleção eclética do Almaz é espelho de um artista que fagocita tudo que o interessa – a pose do Fela, a pegada do Gil, o apelo do Michael, o suinge do Ben – e devolve um resultado essencialmente pop. O objetivo é tão claro, desde os tempos do Farofa Carioca, que espanta a patrulha em cima do Seu Jorge.
A constante cobrança para que tome caminhos mais “cabeça” (e tomes aspas hoje, hein) muitas vezes vem de pessoas que reverenciam os mesmos ídolos pop de quem Seu Jorge pega emprestado. Esperar qualquer outra coisa é ignorar a trajetória do artista que promete lançar um disco de “Músicas Para Churrasco Vol. 1” ao mesmo tempo que diz que vai tocar com Roy Ayers no próximo festival Back2Black, ficou conhecido mundialmente no cinema, põe o Akon pra sambar no Jools Holland, o Alexandre Pires para sambalançar ou arrasa, com Ana Carolina, a música de Damien Rice (essa também não era difícil).
As críticas vem mesmo quando Seu Jorge busca o tal cabecismo, a sua maneira, tentando “educar” o “grande público” com um projeto como Almaz. Perto do final do show, após introduzir a banda e antes de emendar em “Mas Que Nada” (Jorge Ben), ele se apresenta: “eu sou Jorge Mario da Silva, de Belford Roxo para todo o planeta, geral!”.
Seu Jorge está pouco se importando com quem o critica. Faz bem ele. Ninguém é obrigado a ouvir o que ele toca.
Bem bonito o curta feito para promover o projeto de versões do Seu Jorge com Lúcio Maia e Pupillo (Nação Zumbi) e Antonio Pinto, o Almaz. Dirigido por Kahlil Joseph, o filme é dividido em duas partes. A segunda ainda não saiu.
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.