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terça-feira

25

junho 2013

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Três momentos dos protestos do dia 20 de junho no Rio #meus20centavos

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Que foto essa do Rodrigo Esper

As coisas não andam fáceis desde que “o gigante acordou” (essa frase dá calafrios, quase tanto quanto gente com a cara pintada, enrolada em bandeira e cantando o hino). Enquanto o asfalto esfria, a chapa esquenta nas favelas.

A sede do Observatório de Favelas, na comunidade Nova Holanda, foi cercada pelo BOPE nessa madrugada após uma incursão pelo Complexo da Maré. E por lá os tiros não eram de borracha não, são de fuzil mesmo.

As conversas começaram. Após o pronunciamento da presidenta Dilma na sexta, ontem teve reunião com governadores e prefeitos hoje em Brasília. Hora de acompanhar com atenção o desenrolar político das manifestações.

As imagens geradas durantes as manifestações ainda servirão de ótimo material bruto para um documentário sobre o que aconteceu nesses dias. Os vídeos abaixo são algumas das melhores registros das manifestações, principalmente da violência e despreparo da polícia militar, no dia 20 de junho, no Rio.

Os três se destacam por terem se mantido neutros (até onde isso é possível uma vez que se decide pegar uma câmera e filmar), do ponto de vista de participantes das ações que se desenrolam.

O antes: Matias Maxx estava em frente a Prefeitura quando o caldo entornou:

O durante: uma vez iniciada, a repressão policial varreu a Av. Presidente Vargas e Rio Branco, encurralando os manifestantes que queriam fugir das bombas e se abrigar:

E o depois: honrando a máxima de que no Rio tudo acaba em funk, no Estácio manifestantes dão uma pausa na construção de barricadas após um vizinho soltar o batidão. Como diz o diretor, “um musical”:

sexta-feira

21

junho 2013

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300 mil no Centro do Rio: o caldo entornou e isso não é bom #meus20centavos

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Passeata é algo desorientador, é muito fácil se deixar levar pelo fluxo, tanto literalmente, quanto intelectualmente. Nesse contexto, o trajeto escolhido já é um posicionamento político.

Cheguei na Av. Presidente Vargas pela Cidade Nova, em frente a prefeitura, e que vi era uma praça de guerra montada aguardando os manifestantes: cavalaria, choque, carros de polícia. Não tinha como dar certo, o confronto estava preparado, apenas aguardando para acontecer. Estava anunciado.

300 mil pessoas nas ruas (eram muito mais?) temperadas com uma boa dose de ingenuidade dão liga pra muita coisa ruim. Andando na contra-mão da passeata, vi jovens com a blusa na cara saindo na porrada com outros jovens com bandeiras, cartazes rasos e gente tomando cerveja curtindo o momento.

A atmosfera era tensa e toda hora pipocava uma correria. Não se via policiais no meio da multidão para ajudar a organizar minimamente (porque de um jeito ou de outro isso continua sendo o trabalho da polícia).

O que mais espantava eram os carros de som e, principalmente, as reações às vozes berrando no microfone. “Fora Dilma!”, “Abaixo a PEC 37!”, “Dudu, vai tomar no cu”, “Tomar no cu, Cabral!” eram comemorados de maneira inconsequente, como se tudo fosse uma grande festa, sem analisar os significados e implicações daquilo. Fossem os gritos “Quem sabe o que é PEC 37?” e a reação poderia ter sido o silêncio.

Essas demandas vazias são muito perigosas porque escondem agendas. Você já deve ter lido por aí sobre ameaças de golpe da direita, da esquerda, dos militares, no momento todas leituras são possíveis. Os quebra-quebras são apenas a parte visível disso. O Chris compilou os piores momentos da ronda policial fascista pelo Centro, Lapa e Laranjeiras após os protestos no Resistro, confira.

É impressionante a velocidade com que esse movimento essa movimentação mudou de figura. Começou contra o aumento das passagens, virou um “quero tudo” e ontem, lamentavelmente, as coisas tomaram um rumo preocupante. Não dá pra ir pra rua e querer resolver os problemas do mundo de uma só vez. Toma tempo.

Ter foco nas reivindicações é importante para evitar que as manifestações sejam utilizadas politicamente por algum grupo específico (vide o sucesso, ainda que parcial, do Movimento Passe Livre ao ter uma meta bem clara).

Pode ser hora uma boa hora de dar uma freada, as passeatas devem diminuir de volume e isso pode ser positivo. Não para deixar de exigir mudanças, mas para para tentar entender de que maneira essas manifestações estão sendo utilizadas pelos atores políticos e pela imprensa, mudando de opinião e abordagem a todo tempo, e compreendida pela sociedade. Sem alarmismo , apenas uma pausa para reflexão.

Enquanto isso, voltarei com a programação normal por aqui. Continue acompanhando as notícias pela home d’OEsquema.

Cuidado com os discursos simplistas e listas de reivindicações escorregadias espalhadas pela rede. Leia. Respire. Pense. Pesquise. Confirme. Filtre. Pense um pouco mais. Só então publique ou compartilhe algo. Como dizem os coleguinhas, “a paranóia é a melhor amiga do jornalista” (é um ditado da profissão, não um convite para ninguém ficar paranóico).

É sempre bom desconfiar da unanimidade, a cerca de qualquer assunto. Desinformação é uma arma poderosa.

quinta-feira

20

junho 2013

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Os protestos no Rio (nessa quinta tem mais e é crucial) #meus20centavos

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foto: Fabio Motta/Estadão

Caraca, esse texto deu trabalho pra sair. Antes de mais nada, já aviso: não há nenhuma tentativa de explicar nada aqui. É cedo pra entender qualquer coisa com clareza ainda. O que consegui fazer foi reunir pensamentos e questionamentos surgidos nos últimos dias, principalmente durante a passeata no Centro do Rio. E não está finalizado, vou voltar, editar, corrigir, acrescentar.

A cada tentativa de sentar e escrever alguma reviravolta freava tudo. E elas não param de acontecer, a maior delas sendo a revogação do aumento das tarifas de ônibus.

Trata-se de uma bela duma manobra política, visto que o dinheiro continuará saindo do nosso bolso, mais precisamente da área da saúde, não do lucro dos empresários. Continuamos não tendo voz nos caminhos do orçamento da prefeitura. Ainda assim, uma vitória. Nosso políticos foram obrigados a nos ouvir e a agir de alguma forma, ainda que tentem proteger seus interesses. Isso também vai mudar.

Com tanto subsídio e um serviço tão pouco, talvez – prepare-se para a palavra maldita – estatizar o serviço, mesmo que temporariamente, seja uma maneira de desmanchar o cartel das empresas de ônibus. Transporte público não pode ser pautado pelo lucro, não é assim que funciona e para comprovar basta olhar a sua volta e ver o estado do que nos é oferecido. A discussão é muito maior que os R$ 0,20 até mesmo quando se fala especificamente deles.

Nessa quinta tem mais uma manifestação e essa pode ser atee mais importante do que as outras. É um momento muito delicado, de virada. Após a reviravolta no aumento é muito fácil pensar que tivemos uma conclusão, que o mais difícil já passou. Pelo contrário, está apenas começando. Agora que (re)aprendemos que podemos ser ouvidos é que terão início as grandes batalhas. Mesmo que ainda não saibamos exatamente quais são elas.

A ausência de liderança, a falta de uma agenda definida ou interlocutores, que vem sendo criticada por alguns analistas, é a maior força desse movimento, que são vários dentro de um só. Há uma grande dificuldade em compreender essa nova dinâmica, em todo espectro. Estamos aprendendo, todos nós. Não é muito diferente do que acontece na rede, ainda jovem, ainda formando significados, mudando todo dia.

Contrariando meu próprio medo (e o de tantos) de ir a manifestação e me tornar mais uma vítima da violência policial, fui ao Centro do Rio na segunda. Minha preocupação principal é que sou pai, não respondo mais apenas por mim. Mas foi exatamente pelo meu filho que fui.

A saída do metrô na Uruguaina parecia uma cena de “Tempos Modernos”, desembocando imediatamente no meio da passeata. A eletricidade no ar era perceptível, a Presidente Vargas lotada, helicópteros sobrevoando, pessoas e mais pessoas cantando, olhos cheios d’água.

O clima era tranquilo, embora todos estivessem visivelmente sensíveis aos menores movimentos, atentos a qualquer coisa que se assemelha-se a um início de confusão. De alguns prédios chovia papel picado, ligando os que estavam nas janelas com os que estavam na rua, convidando todos para descer.

A PM passou a vergonha de dizer num primeiro momento que a manifestação reunia apenas 10 mil pessoas. Uma recontagem oficial cravou em 100 mil. Devia ter muito mais. As imagens correram o mundo.

Como se sabe, as reinvidicações não eram apenas relacionadas aos R$ 0,20. Cansados de tanta coisa, ouvia-se de tudo nos gritos, cantos, nas converas, lia-se de tudo nos cartazes: de temas inócuos como “abaixo a corrupção” (e alguém é a favor, fora os corruptos?) a pedidos por melhorias na rede de saúde, transparência nos gastos da Copa, o fim da brutalidade policial e da própria PM.

A dificuldade de se definir até mesmo uma hashtag que pudesse amarrar as manifestações acontecendo em tantas cidades já sinalizava essa difusão. Muito provavelmente esses dias serão lembrados no futuro pelos 20 centavos, “os manifestos contra o aumento das passagens”, pois foi o início de tudo.

No trajeto da Presidente Vargas à Cinelândia pela Rio Branco a passeata transcorreu em paz, com os poucos policiais apenas observando a distância, sem serem vaiados e sem tentar impedir o avanço. Cabral era xingado repetidas vezes, Paes não foi (ou foi muito pouco) citado. Os gritos se alternavam basicamente entre “Vem pra rua vem”, “Se a passagem não abaixar o Rio vai parar”, “Quem não pula quer aumento”, “Sem violência”, o terror dos estádios “Sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor” e “Não tenho partido”.

A massa de pessoas era tão heterogênea quanto o próprio mural do Facebook onde os detalhes do protesto foram combinados, com todas suas certezas, diferenças, incertezas e equívocos. E entre eles estavam os que promoveram o quebra quebra na Alerj e confrontos com a polícia, respondidos com tiros de fuzil. Enfim, uma cagada fenomenal. Estavam também os que tentavam conter os ânimos e proteger os policiais.

Entre as muitas desconfianças sobre os responsáveis pelos atos de vandalismo estava a de ser obra de pessoas infiltradas na manifestação com o intuito de causar tumultos para atender a outros interesses. Se no dia anterior no entorno do Maracanã a PM desceu a borracha nos manifestantes, na segunda os poucos policiais pouco fizeram para impedir a confusão – propositalmente, segundo alguns, para gerar o pedido e a necessidade de uma intervenção mais forte numa próxima vez.

A maior parte condenou os atos de uma minoria. Ainda assim, para alguns a violência é um preço a se pagar para conseguir atenção. Outros defendem o simbolismo dessas ações. Entretanto, se é fácil entender a relação entre revolta e bancos, é mais difícil compreender a Alerj como alvo. E tem também os que veem a violência como caminho e se referem ao ludismo.

Há uma semana o Facebook tornou-se monotemático e, ao contrário do que acontece quando assuntos como futebol, novela ou BBB dominam o timeline, dessa vez pouquíssima gente reclamou. Porém, se no início havia uma ilusória unidade, bastou alguns dias para que surgissem as dissidências. Pessoas criticando a maneira dos outros se manifestarem, disputas ideológica e até mesmo de que foco isso tudo deveria ser. O debate é saudável, desde que se lembre que a distância para censura de outras idéias é um pulo. Diversidade de pensamento é o fardo e alívio do que estamos assistindo.

A ficha tá caindo, há de se ter paciência. Para o bem e para o mal, a vida longe do teclado não se move na mesma velocidade que as redes digitais. É importante encontrar os próximos passos e para isso é fundamental que não nos percamos em nós mesmos e saibamos respeitar as diferenças. Não podemos ficar olhando manifestantes expulsando repórter de uma passeata (e isso porque era o Caco Barcellos) nem a polícia atirando na imprensa..

Nessa batalha de significados, o que não vai faltar é grupos e pessoas tentando se apropriar de discursos ou criar seus próprios para atender sabe-se lá quais interesses. Nessa, mensagens rasas disfarçadas de profundas (ontem caí nessa e voltei atrás) e muitas certezas virão em nossa direção. Não caia nessa. Estamos apenas começando, não esqueça.

O caminho é longo e o processo é lento. Não pense você que o jogo está ganho ou que sua participação não será mais necessária. Haverá ainda muitas passeatas e manifestações. Nessa quinta tem mais uma e, como foi dito, o momento é crítico. Precisamos mostrar que não nos contentamos com migalhas. O recuo do aumento das passagens não pode ser um cala a boca.

Ainda tem muito, muito o que se falar. Não é?

domingo

16

junho 2013

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#meus20centavos: "O que eu sei e o que não sei sobre as manifestações pelo passe livre" (por Luiz Eduardo Soares)

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Não tá fácil.

Hoje os protestos nos arredores do Maracanã, antes do jogo entre Itália x México, foram brutalmente combatidos pela PM.

Sitiaram manifestantes na Quinta da Boa Vista (com direito a negociação coma polícia a saída do parque), a imprensa foi mais uma vez atacada frontalmente pela polícia, a rádio Band foi tirada do ar e jornalistas se auto censurando. Segundo relatos, hoje policiais confiscavam celulares e até as câmeras da CET Rio foram DESLIGADAS para não haver registros da violência.

Enquanto isso, do outro lado da poça, Niterói ferve. Reflexo da saturação do povo com tanta balela, o infeliz comentário do Jabor foi cornetado “por Caetano”, reeditado e corrigido e respondido pelo Anonymous.

Por essas e por outras, nessa segunda-feira seu lugar é na rua, engrossando a manifestação. Antes disso, é indispensável a leitura do texto que Luiz Eduardo Soares publicou em sua página, reproduzido abaixo:

O que eu sei e o que não sei sobre as manifestações pelo passe livre, por Luiz Eduardo Soares

Diante de um fenômeno que rompe a rotina e surpreende a expectativa de estabilidade, as reações individuais são as mais variadas. Entretanto, de um modo geral, o primeiro impulso é defensivo e visa a auto-conservação. Qualquer mudança nos ameaça porque traz consigo a fantasia de que nosso mundo pessoal tão precário e incerto está em risco e pode ruir a qualquer momento. Essa fantasia provém da radical insegurança que nos é constitutiva, seres mortais que somos. Não apenas a vida humana é frágil como aquilo que chamamos “realidade” é débil e movediço. Para sustentar-se, nossa “realidade” precisa dos outros, do olhar alheio, de seu reconhecimento, de sua confiança, da reiteração de manifestações de amor, amizade e respeito. A “realidade” depende das redes sociais que tecem afetos, valores, símbolos e ideias, tudo isso embrulhado em narrativas cotidianas verossímeis para o conjunto dos interlocutores.

Por isso, a ruptura do movimento contínuo e previsível da vida –que só é contínuo e previsível em nossa fabulação amedrontada, insegura e defensiva—suscita em nós respostas que negam ou exorcizam a mudança. Nesse sentido, há um complô conservador em cada um de nós –e entre nós– contra a mudança, ocorra ela em nós, nos outros ou na sociedade –como escrevi em um capítulo conhecido do Cabeça de Porco.

O que significam, nesse contexto, negar e exorcizar? Negar não significa recusar-se a admitir a existência de fatos, mas sua novidade, sua diferença. Exorcizar quer dizer livrar-se do embaraço que assusta e ameaça nossas crenças, nossa estabilidade, interior e exterior. Qual a melhor maneira de fazer ao mesmo tempo as duas coisas, negar e exorcizar? Explicando. Sobretudo, explicando com as categorias já conhecidas, disponíveis em nosso repertório de crenças e teorias. Quando eu explico um fenômeno novo, o teor de novidade deixa de perturbar meus esquemas cognitivos e valorativos, e as ideias que me ligam aos outros e àquilo que considero a realidade. Minha sanidade, a solidez de minhas verdades, principalmente a solidez de mim mesmo como sujeito, tudo isso salva-se com a explicação, quando, insisto, e apenas quando ela não coloca em dúvida seus próprios pressupostos ou métodos, seu próprio estoque de ideias prontas. O evento, em sua novidade, infiltra um excedente em nossa sensibilidade, em nossas ideias, em nossas emoções e percepções. Por outro lado, prestando um serviço a nosso aparato de autodefesa, a explicação domestica a diferença, circunscreve seu potencial subversivo e sua força quationadora. Meu argumento é simples: se um evento coloca um problema para meus esquemas mentais e práticos, deixa de fazê-lo quando estes últimos demonstram a capacidade de descrevê-lo (e integrá-lo) sem que haja resíduos, sem que seja necessária a invenção de novas estratégias descritivas e práticas, novas categorias e procedimentos. Na verdade, em vez de conhecimento, estaria em jogo apenas a confirmação de meu repertório prático, moral, ideológico e cognitivo.

Estas reflexões não pretendem ser o elogio à ignorância ou a crítica obscurantista ao conhecimento. Pelo contrário, visam distinguir a tarefa do conhecimento do comodismo classificatório reassegurador, que nos impedem de olhar com os olhos de ver, de escutar para ouvir, projetando menos o que já sabemos ou supomos fazer, e nos abrindo à positividade desafiadora do evento em sua contingência: ação, protagonismos reconfigurando arenas e relações. O ponto a destacar é o seguinte: explicações que funcionam como meras consagrações do que já se sabe –ou se supõe saber—não produzem conhecimento. Se o propósito é conhecer, devemos buscar a compreensão autorreflexiva, a desnaturalização das imagens já constituídas e das descrições correntes. Até porque, nesse campo, todo esforço de entendimento, toda interpretação é também intervenção, é também ação social, uma vez que os intérpretes participamos da atribuição de significado aos fatos. Portanto, a atitude amiga do conhecimento deve exercitar os limites do saber e onde há limites, há pelo menos dois espaços, ou seja, para abordar o que ignoro, devo afirmar o que sei, ou julgo saber.

Contemplemos o objeto que nos interroga, tanto quanto o interrogamos: os eventos em que milhares ocupam as ruas de várias cidades brasileiras, protestando contra o aumento de tarifa do transporte coletivo. O que ousaria dizer que sei a seu respeito? O que não sei?, ou melhor, que boas perguntas posso formular para as quais não disponho de respostas?

I. Sobre o universo temático das manifestações:

Sei que o aumento de tarifas afeta a maioria e que atinge o bolso dos trabalhadores em um momento marcado pelo aumento da inflação. Sei que o poder executivo, nas três esferas (municipal, estadual e federal), adotou mecanismos de proteção aos interesses populares, postergando uma medida que dificilmente seria evitável. Esse fato tornou a elevação dessas tarifas um fato raro, especial, destacado, descolando-o da expectativa internalizada relativa à dinâmica geral dos preços de alimentos e serviços. Sei que o valor do transporte é apenas a cabeça de um imenso iceberg, formado por sua qualidade e pelo verdadeiro drama em que se converteu a mobilidade urbana –e não só em São Paulo e no Rio de Janeiro. Sei, portanto, que a cadeia metonímica no imaginário individual e coletivo transporta os significados do preço da tarifa às jornadas desumanas a que os trabalhadores têm sido submetidos, estendendo-se daí a outros aspectos negativos da experiência popular nas cidades: a precariedade do emprego ou do trabalho, as condições desiguais de moradia, saúde, educação, segurança e acesso à Justiça.

Os elos de contiguidade simbólica e política conectam problemas entre si, acentuando sua marca permanente: a desigualdade. E o fazem em um contexto normativo e institucional, o Estado democrático de direito, no qual o princípio cantado em prosa e verso é a equidade. Por isso, os significados negativos se agravam, acentuando a intensidade emocional em que são apreendidos e comunicados: eles se destacam porque remetem à desigualdade, a qual contrasta fortemento com as expectativas geradas pelo pacto constitucional. Afinal, a conversa sobre cidadania é ou não para valer?

Há ainda cinco tópicos conectados na teia metonímica: (a) os chamados grandes eventos esportivos, e um religioso, que dominam o calendário oficial e governam as agendas dos governos, sinalizando prosperidade e abundância, uma vez que bilhões são investidos, em descompasso com demandas por equidade e qualidade de vida. (b) O modelo econômico parece ter feito o desenvolvimento refém da indústria automobilística, na contramão do que seria racional para reduzir o caos urbano, que obstrui a mobilidade, afetando os interesses de todos, em especial os que dispõem de menos recursos e alternativas. (c) A reputação dos políticos permanece negativa e o ceticismo popular esvazia a legitimidade do instituto da representação, sem que as lideranças dêem mostras de compreender a magnitude do abismo que se abriu –e aprofunda-se, celeremente– entre a institucionalidade política e a opinião da maioria. As denúncias de corrupção se sucedem, endossando a visão negativa que, injustamente, mas compreensivelmente, generaliza-se. (d) O executivo prestigiado, em contexto de dinamismo econômico, pleno emprego e redução de desigualdades, sob a aura carismática de Lula, freiou o desgaste do Estado, já avançado em sua face parlamentar. Quando o modelo começa a dar sinais de que está claudicando, a corrosão contamina a legitimidade (a credibilidade) de todas as áreas do Estado. (e) Tocqueville nos ensinou que os grupos sociais mais dispostos a agir e reagir não são os mais pobres e impotentes, mas aqueles que têm o que perder. Isso significa que os avanços sociais das últimas duas décadas ampliaram a faixa da população potencialmente disposta a resistir ante o risco de perda. Aqueles que ascenderam não entregarão sem luta suas conquistas.

Outro aspecto que me parece decisivo é o acesso à internet, a participação em redes e a fixação de um modelo globalizado de tomada dos espaços públicos como método de democracia direta ou de ação política não mediada por instituições, partidos e representantes. Evidentemente, o modelo remete à ideia clássica da democracia direta como tipo ideal, sem cumpri-lo inteiramente, uma vez que as mediações nunca deixam de atuar, conectando diferentes procedimentos à energia da massa nas praças. O que conta, neste cenário dramatúrgico, são a memória idealizada e a linguagem comum, como se os eventos se citassem mutuamente, construindo uma constelação virtual de hiperlinks. Nesse contexto, tornam-se possíveis o orgulho, a vaidade, a máscara do heroi cívico, a política vivida em grupo como entretenimento cult antipolítico (mas também risco iminente de morte), a experiência gregária fraterna (ante um inimigo tão abstrato e fantasmático quanto óbvio e imediato, com o rosto policial e o sentido da tragédia), experiência que enche o coração de júbilo, exaltando os sentimentos e os elevando a uma escala quase espiritual, a convicção de que se pode prescindir de propostas e metas, ou da negociação de métodos para inscrever o curso da prática na vida da cidade, não só no chão das ruas.

II. Sobre os manifestantes:

São muitos e diversos, e seus propósitos são múltiplos. São grupos semi-organizados que debatem as opções nas redes sociais, são aqueles atraídos para a praça por solidariedade, a qual se fortalece não porque o tema principal, o preço da tarifa, mobilize intensamente, mas porque a brutalidade policial, isto é, a violência do Estado suscita a coesão dos que a repudiam –e, de novo, nesse repúdio estende-se toda a cadeia metonímica referida. Há, é claro, como é natural e inevitável, militantes políticos que percebem a oportunidade de enfraquecer os adversários que estão no poder, considerando-se a visibilidade do país e dos governos estaduais e municipais, na conjuntura em que transcorrem os grandes eventos esportivos e religioso. Há o cidadão comum, revoltado com a tarifa, a (i)mobilidade urbana, a qualidade dos serviços públicos e o rosários de problemas já elencados. Haverá sempre alguns provocadores, animados pelas mais variadas motivações, em um ambiente caracterizado pela falta de lideranças claramente reconhecidas ou consensuais e pela falta de experiência ou de expertise nessa modalidade de ação coletiva, o que favorece a ação de provocadores ou daqueles dispostos a ações violentas, obviamente minoritários e deslocados. Neste ponto, sublinhe-se a falta que faz o PT na oposição, ou a falta que faz qualquer partido popular não cooptado. Por mais que sejamos críticos da forma partido, é indiscutível sua importância na transmissão de experiências acumuladas e na formação da militância. Até a linguagem das massas nas ruas tem sua gramática. A espontaneidade é a energia, mas a organização a potencializa e canaliza.

III. Sobre o Estado, em suas diversas instâncias, em especial, as polícias:

Sei que as polícias militares agiram, sobretudo em São Paulo, com brutalidade criminosa e, desafortunadamente, como é de praxe, seu comportamento foi defendido pelo governador, reproduzindo a postura que tem promovido a impunidade dos policiais que cometem execuções extra-judiciais. Sei também que a polícia militar organizada como exército está condenada a inviabilizar-se como instrumento a serviço da cidadania e da garantia de direitos. Sei que é injusto acusar os policiais, individualmente, ainda que cada indivíduo deva ser responsabilizado por seus atos. Seus atos exprimem a orientação que recebem e a educação corporativa, o que amplia o espectro da responsabilidade por ações criminosas, incluindo as instituições policiais e os governos.

IV. O que não sei:

Este é o tópico decisivo. Não sei o que há a mais nas manifestações (mas sei que há), além do que pude ver, apoiado no que o meu esquema cognitivo me permite ver. Ou seja, não sei o que esse movimento, em sua heterogeneidade, está inventando e nos está dizendo, e está dizendo a si mesmo, ao constituir-se. Não sei que narrativa nova produzirá, ou melhor, já produziu. E aqui estão as perguntas que me parecem chave: por que, no marasmo gerado pelo ceticismo político, tantos vão às ruas, apaixonando-se pela ação coletiva, correndo risco de ferir-se, ou mesmo morrer, ou de ser preso? Qual o novo sentido de um grupo que se forja nas redes e nas ruas, tecendo sua unidade na diferença, caminhando lado a lado, experimentando uma solidariedade de outro tipo, uma fraternidade sem bandeiras, a despeito da (e por causa da) multiplicidade de desejos provavelmente muito diferentes e objetivos difusos?

A força da multidão foi reencontrada pelos jovens e pelos cidadãos que passam perto e se deixam atrair pelo magnetismo de um pertencimento precário, provisório, sem rosto, mas com alma. Que alma tem o movimento? Sim, intuo, suponho, sinto que ele tem alma, isto é, uma unidade toda sua –não verbalizada– e uma personalidade. Intuo que esta alma não seja aquela que se derivaria – como o negativo ou o avesso – de uma comparação com o que sabemos: não sendo, o movimento, organizado ao modo antigo, deduzir-se-ia que seria inorgânico; não tendo uma plataforma clara e uma visão compartilhada que incorporasse as mediações, deduzir-se-ia que seria irracional, despolitizado, quando não selvagem. As visões negativas correspondem ao preenchimento das lacunas de nossa ignorância com as figuras do que já sabemos. Creio que nos conviria optar pela humildade, em vez de precipitarmo-nos em julgamentos e análises

Não me parece razoável dizer o que o movimento não é tomando as gerações passadas por molde e vendo como irrealização e incompletude aquilo que é simplesmente diferente e ainda não conseguimos compreender. Há no movimento magnetismo, há conexão metonímica com questões centrais para o Brasil e o mundo, há um diálogo tácito, consciente e inconsciente, com a humanidade em escala planetária, com nossa memória social e com a tradição de nossa cultura política. Há coragem de perder o medo e de renunciar à apatia. Há, nesses eventos, no movimento pelo passe livre, ou dê-se a ele o nome que se queira, a disposição de aprender, fazendo. Há coragem para criar e, portanto, para errar.

De nossa parte, os anciãos e os governantes, autorreferidos e inseguros, ameaçados em nossos esquemas cognitivos e práticos, caberia escutar, acompanhar, respeitar, repelir a violência policial (e qualquer outra), admitir nossa ignorância, e considerar a hipótese de que algo novo esteja surgindo e essa novidade talvez seja virtuosa e republicana, quem sabe a reivenção da política democrática. Talvez a melhor forma de escutar seja tentar unir-se ao coro, na rua. Para (re)aprender a falar.

Amanhã tem mais uma manifestação. É uma boa chance para botar isso em prática.

sexta-feira

18

novembro 2011

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