quinta-feira

7

junho 2012

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Patti Smith: entre os cactos em flor

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foto: Ariette Armella (divulgação)

A Mariana Filgueiras esteve no México em maio, conferiu, por acaso, uma coletiva da Pati Smith falando do novo disco, “Banga” (lançado essa semana), no jardim da Casa de Frida Kahlo. Ela mandou o relato para o URBe:

Os sonhos de Patti Smith

Quando fez 16 anos, a poeta e compositora americana Patti Smith ganhou da mãe o livro “A vida fabulosa de Diego Rivera”, uma biografia do pintor modernista que foi casado com a não menos fabulosa Frida Kahlo. Do livro, a magricela Patti tirou dois sonhos: casar-se com um artista, construindo com ele uma obra em comum, assim como fizeram Frida e Diego; e conhecer as casas dos dois, no bairro de Coyoacán, na Cidade do México (no fim da vida, o casal viveu separadamente).

O primeiro sonho Patti realizou logo assim que saiu do interior de New Jersey para tentar a vida de artista em Nova York, em 1967, aos 20 anos. Lá conheceu o fotógrafo Robert Mapplethorpe (morto em 1989), e com ele teve uma parceria tão intensa quanto o casal mexicano (a história dos dois foi contada por Patti no livro “Só Garotos”, de 2010, premiado com o National Book Award, que ela está adaptando para o cinema).

O segundo sonho Patti só conseguiu realizar no dia 5 de maio, um sábado ensolarado na capital mexicana. Ela não só conheceu as duas casas, hoje transformadas em museus, como fez, à noite, nos jardins da casa de Diego Rivera, seu primeiro show no país. Foi um pedido dela: a imensa área externa do Museu Anahuacalli, nome oficial da casa do pintor, foi inteiramente adaptada para a apresentação, que abriria o 28o. Festival do México, um evento multicultural e tradicional na capital. E a entrevista coletiva, concedida à imprensa local pela manhã, foi feita no jardim da casa de Frida Kahlo.

Naquela manhã de sábado, Patti não escondia a alegria ao percorrer os cômodos ainda intactos da casa de Frida. Trançou os cabelos, para se aproximar da musa e fotografou os detalhes do ateliê da pintora com uma Polaroid velha. Vez ou outra, era atropelada por uma turma de crianças de quatro ou cinco anos que também visitava a casa de Frida com a professora da escola. Patti registrava tudo, e sorria. Só depois de uma hora e meia conversou com os jornalistas que se espremiam no quintal da casa, entre as paredes azuis, as cadeiras amarelas e os cactos em flor. Às vésperas do lançamento do novo álbum, Banga, e acompanhada pelo músico Lenny Kaye, seu parceiro musical há 35 anos, Patti cumprimentou todos com doçura (a raiva da imprensa ficou no passado) e falou sobre a importância das velhas e novas referências em sua vida.

– Eu estou muito feliz hoje. Estou orgulhosa deste disco, tem uma energia fascinante. Será lançado dia 5 de junho, dia do aniversário do poeta García Lorca, outra referencia fundamental na minha obra. Neste álbum, Banga, tem uma canção que fiz para Amy Winehouse, chamada “This is the girl”. Eu não a conhecia, sou apenas uma fã. É uma balada suave, assim (cantarola): “This is the girl, for whom our tears fall… This is the girl who was having a ball…”. Eu admirava muito sua voz. Era uma voz potente, autêntica e sofisticada. É muito triste que ela tenha tido tantos problemas. Devemos nos lembrar dela pela sua arte. Seu estilo de vida não deve ser romantizado.

Além da balada de Amy Winehouse, Banga (título dado em homenagem a um personagem do livro “Margarita e o mestre”, do russo Mikhail Bulgakóv) terá uma série de músicas com dedicatórias: a faixa “Nine” é um presente de aniversário para Johnny Depp; “Fuji-San” foi escrita para as vítimas do terremoto do Japão, no ano passado; “Tarkovsky”, para o cineasta russo Andrei Tarkovsky, e “Maria” é dedicada à atriz Maria Schneider, amiga de Patti nos anos 70. A gravação tem um encontro especial:

– Meus filhos Jackson e Jesse Paris tocam comigo esta canção. Jackson faz um solo lindo de guitarra. Eles são excelentes músicos, assim como era o pai (o guitarrista do MC5 Fred “Sonic” Smith). Eu dei a vida a eles, e agora ter a chance cantar junto… é maravilhoso. É uma bela maneira de falar com o pai deles, de estarmos juntos, novamente – diz Patti, que entre uma fala e outra aponta sua Polaroid aos jornalistas, clica, aguarda a revelação do papel fotográfico e os assopra, guardando um a um dentro de um livro de poesias do escritor mexicano Octavio Paz que trazia consigo.

A poesia é o cerne deste décimo-primeiro álbum da musa punk , depois de oito anos sem gravar canções autorais. O ultimo lançamento de Patti Smith foi em 2007, o álbum de covers Twelve.

– A poesia é a força da criação. É um chamado do criador, de um ser supremo, pode ser de Deus, pode ser da Natureza. Perguntar “por que poesia nestes tempos?” é o mesmo que dizer: por que comida? Por que água? A poesia expressa os mais profundos sentimentos da condição humana. A poesia é de graça, não custa nada para escrever. Eu estou sempre escrevendo poesias ­– sorri Patti, mostrando uma de suas fotografias recém-tiradas. – Eu tive muita sorte porque tive mentores como Allen Ginsberg, William Borroughs, Gregory Corso. Eu amo poesia. Eu leio muito, e até hoje me sinto inspirada pela poesia que lia naquele tempo. Releio muito também. Muita gente me presenteia com versos nas ruas. Acontece assim: estou andando, e aí vem alguém e me dá um pedaço de papel com alguns versos. É inspirador ver quanta gente escreve. A arte vem da parte mais sincera e amorosa do ser humano.

Outra fonte de inspiração cada vez mais presente nos temas da musa punk é a preservação do meio ambiente. Banga é um presente à “mãe-natureza”, diz Patti.

– Nós demos ao movimento “Occupy” uma música, People have the Power, para ser usada como inspiração. A letra diz que as pessoas devem usar a voz em protesto. E é o que eu faço: eu sou artista, não sou política, o que faço é usar a minha voz em protesto. Hoje em dia minha principal preocupação não é a situação econômica do mundo, mas a situação ambiental do mundo. Nós teremos que fazer muitos sacrifícios para salvar o nosso mundo. Por que vou me preocupar se não há emprego quando não há água limpa? Nem ar puro? E as pessoas estão morrendo de câncer? Os governos minimizam os problemas, não querem que a gente discuta sobre isso, e impõem essa preocupação financeira, com mercado de trabalho. Nada, hoje, é mais importante do que a preservação do meio ambiente. Eu, como mãe, sinto ainda mais, porque eu me sinto um pouco mãe de todos.

Neste momento, Patti Smith levantou-se, deixou a Polaroid sobre a mesa, e, na companhia de Lenny Kaye, cantou duas musicas: “Wing” (assista abaixo) e “People Have the Power”, oferecendo à anfitriã involuntária, Frida Kahlo.

Naquela noite, faria melhor ainda: no quintal de Diego Rivera, Patti emocionou as cerca de 3 mil pessoas que conseguiram comprar os poucos ingressos da apresentação (do lado de fora, uma multidão gritava seu nome). Entre os hits da carreira, como “Gloria” e “Because the night”, chorou ao dedicar a música “Wing” a tres jornalistas mexicanas assassinadas naquela semana na cidade de Vera Cruz. No breve discurso de despedida, recusou-se a associar a imagem do país à violência e lembrou os mexicanos que eles deveriam celebrar a vida, contida na arte do próprio país.

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  1. femme

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