segunda-feira

14

maio 2012

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James Blake & Little Dragon para poucos no Circo Voador

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Já dizia Tony Wilson, mostrado no filme “24 Hour Party People”, em referência estréia nos palcos do Sex Pistols, quanto menos gente num show, maior sua importância histórica. Pois bem. Domingo a noite, as 320 testemunhas da noite de pior venda de ingressos da história do Queremos! assistiram, se não o melhor, certamente um dos três melhores já promovidos pelo projeto.

Some isso a crescente fama desse escriba de não gostar de show nenhum (exigência para uns, chatice e velhice para outros, faça sua escolha) e não pode ser coincidência essa ser, desde já, uma das apresentações do ano. James Blake deixou os presentes que “enfrentaram” a chuva (e bota aspas nisso) de queixo caído com a sutileza, elegância e aparente simplicidade dos arranjos de suas canções. E as porradas dos graves, ah, os graves..

Antes dele, contrariando a lógica do BPM, os suecos do Little Dragon sacudiram a tenda.

ABBA e excessões como Roxette, Cardigans e Ace of Base a parte, já foi o tempo que bandas pop vindas da Suécia estourarem mundo a fora eram uma exceção. A lista hoje em dia é extensa: Miike Snow, Lykke Li, Peter, Bjorn and John, Robyn, Fever Ray, Jens Lekman, The Knife, Radio Dept, The Tallest Man on Earth, Studio, JJ, nomes o suficiente pra inspirar um festival chamado Invasão Sueca em Recife.

O Little Dragon não fica atrás de nenhum de seus pares. Na real, fica a frente, principalmente quando pesa a mão nos graves e deixa de lado as batidinhas dançantes mais manjadas 2×4. A formação colabora, baixo e bateria (com pads) são cortadas pelo teclado, alma da banda, com modulações que adicionam a aspereza que dá personalidade e faz da banda algo mais que um synth pop básico.

E tem a animada vocalista Yukimi Nagano, claro. É daqueles shows que fazem você voltar ao disco e gostar ainda mais – e esse pode ser o grande ponto de contato entre o Little Dragon e o James Blake, o poder das suas apresentações ao vivo.

Listar as influências de James Blake (soul, folk, r&b, gospel, [des]amarrados pela espacialidade do dubstep) não chegam perto de descrever o som. Isso porque, tudo que ele pega dessas referências é reprocessado por alguma outra, de maneira que o resultado final se torna uma sombra da matriz, o que é ótimo. O que ele faz com o dubstep, por exemplo, é paralelo ao que faz Skrillex, láááá na outra ponta: aplicar o conceito, não replicar o som.

O piano clássico é entortado por timbragens pesadas; batidas sincopadas de dubstep ecoam fora do grave; reverbs abertos emulando os ecos de uma catedral são filtrados por vocoder, potencializando o alcance vocal e afastando-os de simplesmente remeter a uma igreja. Você ouve Blake e pensa: o problema é a ferramenta ou quem não sabe usá-la? Pois é.

Acompanhado por guitarra e bateria, os arranjos são tão perfeitos que faz pensar quantas horas de ensaio se levou até chegar aquele formato. Um formato muito original, vale ressaltar. Com a cena inundada de bandas com formações idênticas (guitarra + bateria + baixo + sintetizador), é um alento só ver alguém ousando nesse sentido.

É um trio em que nenhum dos instrumentos faz feijão com arroz, pelo contrário, são esticados, distorcidos, reimaginados. Ousadia que vem desde o formato das composições, sem medo de explodir ou soar barulhentas quando desemboca nessa solução. O que poderia ser tanto um projeto mela cueca (bom, é um pouco), quanto um dubstep erudito (o que também é um pouco), flutua entre as duas coisas, criando um terceiro lugar.

Ouvindo os discos se pode ter uma ideia da proposta, porém ao vivo a coisa muda totalmente de figura. Visualizando as músicas serem executadas a mão inverte, fica mais difícil imaginar o processo solitário de gravação de composição e gravação de Blake.

Não é tarefa fácil transpor um som tão delicado para o palco. Além das dificuldades técnicas, há que se contar com a participação do público, ou melhor a não-participação do mesmo. Não é show pra tomar uma cervejinha, bater um papo ou mesmo cantar junto. É uma experiência de transe coletivo, onde o silêncio mais do que uma necessidade, é um elemento essencial.

Exigência da banda, os sub-woofers extras gigantescos colocados a frente do palco são apenas parte disso. Cada pancada, cada sacolejo das sub-frequências eram a certeza de que sim, você estava ali e, sim, a banda também e que aquela experiência era impossível de ser repetida em casa, com fones de ouvido ou qualquer outro auxílio orgânico.

A pegada steppas de “Limit To Your Love”, da Feist, poderia ter sido o encerramento perfeito. Ou a linda “”Wilhelm Scream”, que fechou a primeira parte de um show normalmente sem bis. Feliz da vida com a apresentação (“a segunda melhor da turnê, atrás de Buenos Aires”, contou ele depois), Blake voltou para o bis, tocando “A Case of You”, da Joni Mitchell (grato pela info, Seiler), parte do EP “Enough Thunder”.

Não precisava, mas se ele quisesse poderia ter tocado o show todo outra vez e ninguém iria embora. Tirando um grupo de tagarelas bêbados perdidos ali (talvez procurando outro James, o Blunt?), a entrega da plateia foi total, podendo se ouvir o tilintar da chuva do lado de fora. Como se fosse uma noite londrina, azul, melancólica. Como se fosse um sonho, de chorar de tão lindo.

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