A batalha campal do reggae
Written by urbe, Posted in Imprensa, Resenhas
Digitaldubs
fotos: Jaqueline Felicíssimo
* Esse texto foi republicado no Rio Fanzine, do jornal O Globo
Ao contrário do que a maior parte das bandas de reggae iô iô que dominam a cena no Brasil faz parecer, a música jamaicana não é (apenas) paz e amor ou aquele ritmo pra ouvir na queda de uma cachoeira, cercado de amigos numa roda de violão.
Prova disso é que o Bukowski e a Casa da Matriz se tornaram campos de batalha quando as principais equipes de som dedicadas ao gênero no Rio, o Digitaldubs Sound System e o Urcasonica Sound System, se enfrentaram, terça e quarta passadas.
Calma, calma. Não houve pancadaria nem nada parecido, a camaradagem imperou nas duas noites. O que aconteceu foi o primeiro sound clash do Rio – talvez do Brasil – um acontecimento histórico.
Sound clashes são disputas entre equipes de som (os sound systems), uma tradição jamaicana que se espalhou pelo mundo e que só agora desembarca por aqui. Como nas batalhas de MCs, tradição do hip hop em que rappers competem para ver quem rima melhor, as equipes de som ficam frente a frente com um objetivo simples: descobrir quem tem a melhor seleção musical pra sacudir a pista. A decisão, claro, é do público.
O que muda são as armas. Ao invés de palavras, cacetadas de grave. Quer dizer, as palavras também fazem parte da disputa, através de músicas feitas especialmente para a competição, conhecidas como specials. As equipes de som convidam ou contratam um cantor/MC (geralmente um nome conhecido) para gravar faixas exclusivas exaltando a própria equipe ou, no caso dos clashes, atacar os rivais.
Os dois principais clashes atualmente são o World Cup Clash, que acontece anualmente em Nova York, e o UK Cup Clash, em Londres. Desafiando a lógica, as grandes sensações desses eventos não são sound systems jamaicanos, mesmo com o bom desempenho do Black Kat ou do Bass Odissey nessas competições. Quem tem levado tudo são os japoneses do Mighty Crown e o atual campeão mundial, o Sentinel, da Alemanha.
Alinhados com as novas sonoridades de reggae, tanto o Digitaldubs quanto o Urcasônica passam longe de discos manjados de Bob Marley. Claro que clássicos de produtores como Bunny Lee, King Tubby e Lee Perry têm espaço – e muito. Mas Sizzla, Burro Banton e Buju Banton, Capleton e Morgan Heritage e outros destaques do reggae contemporâneo também tem vez.
Felipe DB e Ivan Cozac
O primeiro round foi na casa do Urcasônica, no Bukowski, na terça. Após um aquecimento de 30 minutos, cada equipe teve 15 minutos pra mostrar seu repertório e o Urcasônica levou.
No dia seguinte, o Digitaldubs recebeu o adversário na Casa da Matriz para o segundo round e dessa vez eles ganharam. O 1×1 no placar forçou o desempate, disputado imediatamente.
Lencinho, DJ da equipe Solzales Dub, cumpriu bem o papel de apresentador e juiz, explicando as regras, domando as torcidas organizadas que lotaram a Casa da Matriz e apurando os votos entre muitos gritos e braços levantados. Apesar do ineditismo do evento, o público entrou no clima e participou bastante.
No desempate, cada equipe tinha direito a tocar uma música de até 3 minutos, alternadamente. Ambas equipes foram preparadas para o combate. O Urcasônica mostrou seus specials com a participação do Manu Chao (“Resistência”) e a dobradinha Don Negrone e Mario Z em “Campeão”.
Qual vai ser a próxima?
O Digitaldubs tocou praticamente apenas faixas exclusivas e specials do seu sound system, contando com participações de respeito. Teve BNegão (num remix dubwise de “Prioridades”), Mr. Catra (“Lucro”), M7 (“Pretinho babylon”) Pato Banton (uma versão de “No worries”), Stranjah (“Soundclash part 2”, sobre o riddim “Ali Baba”), Sylvia Tella (versão de “Brothers unite”) e Jeru Banto, exaltando a equipe sobre outro riddim clássico, o “Stalag”.
Na última música, o Urcasônica cometeu um erro fatal. Em dúvida sobre qual seria a melhor música pra encerrar sua apresentação, Ivan Cozac, Bruno LT, Javier Posada e Felipe DB deixaram a pista quase dois minutos em silêncio e passaram mais 30 segundos pedindo barulho, restando apenas outros 30 segundos pra soltar o som.
Não deu. Vitória do Digitaldubs de MPC, Nelson Meirelles e Cristiano Dubmaster, os campeões do primeiro sound clash carioca. Falta agora um evento que reúna outros sound systems, como DubVersão (SP), Bumba Beat (SP) e Echo Sound System (SP), Confronto (Brasília), Solzales (RJ), Calminho (RJ) e Sensorial Sistema de Som (RJ).
Na amizade
Na comemoração, o Digital soltou um special que dizia que “o Urcasônica já era!”. Será? Literalmente batalhando por seu espaço, o Urcasônica pediu revanche, dessa vez em campo neutro, o Digital aceitou. O bicho vai pegar.
O soundclash serve para mostrar a todos que o Digital Dubs e o Urcasônica estão juntos na batalha de revigoração do reggae carioca. Chega de cachoeira, xiboquinha e estereótipos o que ele mostraram é que esta é uma realidade que tem que ser aceita. As duas casas lotadas (terça e quarta), só gente bonita isto mostra a força do movimento dos sound systens. Espero que em 2006 apareçam novos sounds para tomarmos de vez a cena reggueira do Rio. Parabéns Digital Dubs, Urcasônica pela coragem de mostrar como se faz a pista bombar….. Paz
Erva | Email | 02-01-2006 14:37:01
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parabéns pelo texto, fizemos história na ultima edição do ano!! respect DD e Urcasônica!!!
Joca | 02-01-2006 11:34:59
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o poder do gravão!!
maíra | 30-12-2005 14:19:49
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Isso! RS! Esclarecido pelo grande Nelson, peço desculpas pelo meu engano. Realmente, com regras definidas, divulgação, público interagindo (aqui acho que quem interagiu foi só eu mesmo…) e detalhes relatados brilhantemente pelo Bruno, foi desta vez aí! Aqui teve a brincadeira e empogalção. Como disse anteriormente, reforço, que o clash cresça e apareça! Eu agradeço! Respect total ao Nelson, DigitalDubs e o povo envolvido com a boa música jamaicana no Brasil… Abraço e espero vê-los em 2006. Reggaesoul
Luiz | Email | 30-12-2005 09:44:56
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Primeiramente, obrigado Bruno pela cobertura (exclusiva) do evento. O clash foi uma novidade não só para o público quanto para nós mesmos, já que era a primeira vez que participávamos de um. Mas agora posso afirmar que quem esteve presente nestas duas noites presenciou um momento histórico, o marco zero da cultura soundclash por aqui. Segundamente, queria deixar claro para o Luiz (Reggaesoul?) que o que rolou lá em SP não teve nada a ver com sound clash, como muito bem esclareceu o Yella logo na abertura dos trabalhos. Foi também uma noite sensacional, não uma disputa, mas um bate-bola informal não competitivo e sem regras, ganhadores ou derrotados, sem specials ou dubplates exaltando as qualidades do próprio sound e atacando os pontos fracos do oponente. Até onde eu sei, o confronto que rolou aqui foi sim o primeiro do gênero no país. Ano que vem tem mais!!!!!!! Respec’ NM
NM | Email | Homepage | 30-12-2005 00:45:40
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Fala Luiz! Conta um pouco mais desses clashes paulistanos então, regras, etc. Fiquei curioso! Abs,
Bruno | 29-12-2005 22:07:22
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E aí Bruno! Tudo beleza? Primeiro clash do Rio não sei informar pois estou e sou de Sampa, mas que já fui em Clashs aqui quando o pessoal do Dubversão tocava no Susi a mais de ano, isso eu fui. E até recentemente o pessoal do DD esteve por aqui, no festa Java no Hotel Cambridge, pra uma clash das boas. De verdade, quero dizer que estes detalhes são bobagens, pois eu quero é muito mais, e que a coisa cresça e apareça! Já não era tempo. Eu me sentia um estranho no ninho até surgir as sounds aqui no Brasil, pois é este o verdadeiro espírito da coisa e onde o pessoal gosta é da boa música jamaicana… Um abraço e um ótimo 2006 e demais…
Luiz | Email | 29-12-2005 21:51:04
pra mim o Campeonato ainda tá 1 x 1…
ainda tem q ter um terceiro round de verdade em campo neutro, senão não vale!!!
paz à todos… BLESS!
realmente,
a cena carioca APAVORA a paulista. Ñ, sem ‘flames’. Só constatação.
Mas como não reparar num lance sincero e REAL que rola no RJ enquanto aqui em SP tudo parece mesmo FACHADA… Tudo biznés. Ñ escrevo invejando; escrevo mesmo LAMENTANDO a falta de camaradagem, o jogo de picuínhas e só money-money da cena daqui… dá dó.
Bem, alguns se perguntarão o que EU faço pra mudar tentar mudar isso… bem. Tenho um mini-SS. Mas trabalhando com outros lances também, levoo-o na boa, na míuda, sem ‘residência’ fixa… é pouco mesmo; mas tmb ñ sou mero espectador, e por isso a BRONCA.
Mesmo com um numero razoável de SS, de DJs, de MCs… NUNCA se cogitou em CLASHES aqui… O único Clash que me lembro aqui foi recentemente Dubversão x DigitalDub, ou seja c/ um crew carioca…
PQ isso?
Ñ tenho outra resposta a ñ ser jogo sujo de EGOs… EGOs no lugar de ECOs…
PAREBENS DIGITAL, URCA e TODOS que participam de uma cena sincera… VCs merecem!!
abraços
lucas corpo-santo