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sexta-feira

20

julho 2012

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Do B ao A: entendendo os lados d’O Rappa

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O público do Rappa é um dos mais heterogêneos do Brasil. Da gatinha de brilhos cheirando lança à de chinelo fumando um; do rapaz de regata vomitando cerveja ao de boné balançando a cabeça; do esquerdista comentando que a banda se vendeu por um baseado (por citar FHC diversas vezes) ao playboy curtindo o “exotismo” das imagens da favela no telão, tem de tudo. Muito disso se deve aos caminhos sonoros que a banda tomou.

Para ouvir uma obra prima vale fazer concessões e a chance de revisitar um disco histórico como “Lado B, Lado A” ao vivo, mesmo com o Rappa tendo seguido outro rumo nos lançamentos seguintes, era atrativo o suficiente para ir ao Circo Voador. A apresentação especial fez parte das comemorações de 30 anos da casa, onde a banda tocou um bocado de vezes. Mostrando o disco do início ao fim, não tinha como dar errado. Afinal, eram os mesmos músicos. Ou quase isso.

O título do disco é representativo da divisão ocorrida no Rappa, cada um de um lado do que quase virou um baile de corredor. Pouco depois do lançamento de “Lado B, Lado A”, em 1999, o baterista e principal compositor do grupo, Marcelo Yuka, paraplégico após ser baleado num assalto em 2000, saiu da banda.

A separação não foi amigável e até hoje os integrantes não se falam. Yuka montou o F.UR.T.O. e participou de outros projetos e o Rappa seguiu um caminho mais comercial, deixando audíveis as diferenças criativas que provavelmente abalaram a relação – e também sublinhando o quanto, em algum momento, essa diferenças foram complementares, já que nenhuma das partes conseguiu ser sombra do que foram juntas em “Lado B, Lado A”.

Portanto, com tanta história e importância, por mais que musicalmente seja uma situação simples de resolver, é estranho assistir a banda apresentar o disco sem a participação do seu principal compositor. Como um Pink Floyd sem Roger Waters (para efeito de comparação), a ausência de Yuka se fez sentir logo na abertura, em “Tribunal de Rua”, música originalmente cantada por ele e entoada por Falcão.

Mesmo Yuka sendo figura central na concepção do “Lado B, Lado A” – das 12 músicas, 6 foram compostas apenas por Yuka, duas em parceria (“Lado B, Lado A” e “Homem Amarelo”) e apenas quatro sem sua participação (“Se Não Avisar o Bicho Pega”, “Favela”, “Nó de Fumaça” e “Todas Comunidades do Engenho Novo”) – ele foi citado apenas uma vez durante todo o show, quando Falcão contou o causo por trás de “Tribunal de Rua”.

É compreensível. Para a banda, fazer menção a Yuka pode ser como pedir licença para tocar o próprio trabalho. Até porque, como o show iria esclarecer, o que seria mostrado não era exatamente o “Lado B, Lado A” de 1999, e sim uma releitura.

Já de largada, solos de guitarra substituíram a dubzeira original da parte final de “Tribunal de Rua”. O Rappa no palco era o de 2003, pós-“O Silêncio Que Precede o Esporro”, informando que o túnel do tempo não era do presente para o passado como se poderia pensar, mas sim de lá para cá, trazendo as músicas antigas para a sonoridade atual. Simbolicamente, o instrumento onde essa mudança fica mais evidente é exatamente a bateria, com um kit e levada muito mais limpa.

Passado o susto inicial, a esperança que a essência das músicas venceria os novos arranjos afastou a preguiça. Sem lutar contra e aceitando o que vinha, ocorreu algo inesperado. Não se pode esquecer que O Rappa é uma banda que esculacha ao vivo, sempre foi assim. Os caras são bons de palco e tem bons técnicos, que sabem tirar som, o que no Circo é um diferencial tremendo.

Com o som preenchendo todo o ambiente, pesado e com pressão, o efeito foi parecido com aquele que se tem quando se ouve uma banda nova fazendo uma versão. Conhecendo a original, ficam claras as mudanças e, com isso, compreende-se o som da releitura, algo que acontece também em relação a remixes – e um dos grandes motivos para bandas fazerem tanto o primeiro quanto o segundo.

Ao ouvir as música clássicas nos novos arranjos ficaram óbvias as mudanças na sonoridade da banda, com tudo de bom e de ruim. Quase todas as músicas tem o andamento acelerado, a guitarra tomou a frente do baixo (ficando mais rock), a chapação deu lugar ao brilho e o dub a efeitos agudos, resistindo em sua forma original apenas em “Homem Amarelo” (um dos melhores dubs do Rappa). Mesmo com todas as diferença em relação ao passado, foi um showzão.

Tendo como referência a música jamaicana, para ficar próximo das raízes do Rappa, é parecido com a passagem do reggae para o dancehall, com todas as mudanças que acompanharam o processo, as letras rastafári dando lugar a celebração, o grave abrindo espaço para os agudos. No caso do Rappa, como era de se esperar, assim como no dancehall, a nova proposta é muito bem executada. O resto é gosto.

Talvez pela qualidade das originais, talvez pela simples ligação emocional pessoal, a sonoridade atual funciona melhor aplicada nas novas versões das músicas do “Lado B, Lado A” do que nas que foram criadas desde então. O problema não é a embalagem, porque tem muita coisa bacana na nova receita, o que pega mesmo é o conteúdo. Alguma coisa se perdeu.

A banda equalizou o som e transformou em algo com maior apelo popular, atingindo o imenso público descrito lá em cima. Porém, o fato de que os maiores hits da banda vieram justamente do “Lado B, Lado A” demonstra que o disco tinha encontrado a distância perfeita entre o alternativo e o pop, por vezes descrito com o arrogante “sucesso de crítica e público”. Não dá pra evitar pensar que esse poderia ter sido um caminho seguido por mais tempo. O que também não é certeza de nada. Pode ter sido meramente uma conjunção de fatores, que nunca seria repetida, mesmo que a formação original da banda tivesse sido mantida. Talvez não fosse mesmo para acontecer, o disco nasceu para ser único.

Já era bem tarde quando o Rappa terminou a primeira metade do show. Após a volta ao passado, a banda entrou no seu repertório contemporâneo e foi até depois das 3h30 fazendo o Circo Voador quicar. A caminho do Lollapalooza em Chicago, em agosto, teve até “Smoke on the Water”, totalmente desconectada do resto.

Com o túnel do tempo desligado, sem a potência do passado o presente não convidava a ficar.

terça-feira

3

julho 2012

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