“A volta do drum & bass” é um assunto recorrente. Natural, já que foi um dos últimos grandes inovações da música eletrônica de pista realmente transgressora (tô esquencendo de algo? Quem falar Skrillex toma uma pedra portuguesa na lata).
Enquanto esse dia não chega, a Dazed lançou um curta sobre o jungle, precursor do drum & bass. Dirigido por Ollie Evans e repleto de depoimentos de algumas da figuras mais emblemáticas da cena (Fabio & Grooverider, DJ Hype, Kenny Ken, Brockie), “Jungle Fever” é parte da série Music Nation, comissionada pelo canal inglês Channel 4.
No fim dos anos 1990, o drum and bass vivia seu auge. Tido como a vertente mais inovadora da música eletrônica, numa época pré-compartilhamento de arquivos e de infinitos subgêneros digitais, o d&b tinha um rei, e esse rei era brasileiro: DJ Marky.
Considerado várias vezes o melhor do mundo por diversas publicações (scratches em BPMs acima de 160 não são mesmo pra qualquer um).Um astro com residência fixa em boates de Londres (Bar Rumba), São Paulo (Lov.e), Rio (as saudosas quartas da Bunker), Tóquio (Womb) e onde mais quisesse, presença em festivais como Coachella e Glastonbury, anualmente Marky celebrava seu domínio no Skol Beats, como atração principal da tenda Movement, focada nas batidas quebradas e no grave.
O tempo seguiu, outros estilos tomaram a ponta e, de repente, ouvir Marky no Rio passou a ser menos recorrente, deixando desemparados fãs que o viram em festas como a Loud! e a pioneira Febre.
Mas nesta sexta Marky visita a cidade, capitaneando a edição da festa Wobble, no Fosfobox, dedicada aos sons graves e que vem atraindo uma galera mais nova atrás do dubstep, apresentado em suas diversas formas (pro bem e pro mal). Mesmo com o resgate dos anos 1990 se ensaiando, ele não acredita nessa anunciada “volta do drum and bass”. Para Marky, nada mudou. Ou melhor, mudou pra melhor.
— Não existe volta do d&b porque ele nunca foi embora. Não é por que a música saiu da mídia brasileira que ela morreu. O jazz morreu? Não, está mais vivo do que nunca! Minha carreira está melhor do que nunca! Continuo tocando nos principais festivais e clubes do mundo; sou residente do Fabric, em Londres, e do Womb, em Tóquio, dois dos melhores do planeta; minha gravadora, Innerground Records, está bombando — diz.
A Wobble vai além do dubstep que a fez conhecida, com espaço para o garage, house, até techno. Pelos toca-discos já passaram DJs como Roots Rock Revolution, Nedu Lopes e Tamenpi. Um dos responsáveis pela festa, Rodrigo S. é fã de Marky e acha sua presença algo natural.
– Ele é o preferido de quase todos os envolvidos na Wobble. Sua residência na Bunker foi uma escola. Drum and bass é um dos pilares da bass music e foi fundamental na construção do que é o dubstep hoje. O que o jungle é para o drum and bass, o drum and bass é para o dubstep.
Dia 10 de agosto, em SP, Marky toca no projeto Technostalgia, em que DJs fazem as vezes de maestro. Regendo duas bandas simultaneamente no palco, como se fossem dois toca-discos, clássicos da música eletrônica ganharão roupagem analógica. Sem deixar o estilo que o consagrou — e que ele revolucionou, ao trazer o sol para um som tradicionalmente sombrio — Marky também toca outras coisas.
— Continuo fazendo sets só de d&b, às vezes toco em festas de deep house, além de ter a minha noite, DJ Marky — Influences, em que toco as músicas que me influenciaram, do soul ao d&b, passando por funk, rock, jazz, disco, boogie, house, techno e por aí vai. Adoro as músicas de artistas como Boddika, Julio Bashmore e Breach, assim como Dramatic & DB Audio, Total Recall, T.I., Decimal Bass, que estão arrebentando no drum and bass. Na Wobble vou tocar drum and bass e algumas dessas coisas — conta Marky.
A onda do dubstep
Mesmo rodando o mundo, Marky continua ligado nos sons daqui. Da produção brasileira, ele destaca Level 2, Unreal, Critycal Dub e o carioca BTK, hoje morando na Suíça, “arrebentando”, segundo o DJ. Apesar da proximidade apontada por Rodrigo, Marky não vê tanta relação entre a atual ascensão do dubstep e o que aconteceu com o d&b no passado. Ele enxerga um exagero nessa percepção.
—- Os melhores artistas de dubstep, como Pearson Sound, Addison Groove e Joy Orbison, não fazem mais dubstep. Estão muito mais próximos do house e do techno. Devido à mídia em torno do Skrillex, parece que a música dele é gigante, mas, como estou lá fora direto e vejo com meus próprios olhos, as coisas não são o que parecem.
Mais do que matar saudades de uma das melhores fases da música eletrônica brasileira e da noite carioca, esta vai ser uma noite para celebrar o presente. Enquanto o disco gira, o tempo não para. Como diz o MC: “Reeeeeewind, my selectah!”
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Tchequirau
Com bicicletas começando a ser levadas a sério como meio de transporte – mais por parte dos usuários do que do poder público, ainda – comunidades para discutir o assunto começam a se formar. Sai da Ciclovia, Bike Anjo, Transporte Ativo e Eu Vou de Bike são algumas delas.
Meu texto de sexta passada da coluna “Transcultura”, que publico todas as sextas no jornal O Globo:
A coisa tá grave, viva o grave! por Bruno Natal
A explosão comercial do dubstep foi um dos fatos mais inesperados da história da música eletrônica. Poucos previram que os graves cavernosos e a atmosfera sombria das batidas quebradas de bpm lento, tocado em festas soturnas no sul e leste de Londres, poderiam chegar ao grande público.
Vampirando o estilo com seu pastiche, ressaltando o que há de pior (como as torrentes de wobble bass, um grave modulado, distorcido e oscilante), Skrillex atingiu o status de super DJ, saiu na capa da Billboard e passou a régua no dubstep. Skrillex, no entanto, apenas cristaliza o fim de um processo longo de pasteurização do gênero, uma metamorfose que se deu aos poucos, com elemento do dubstep sendo emprestados e misturado a outras correntes musicais.
O fato da produção de seus elementos “essenciais” serem ensinados em tutoriais no YouTube era um indicativo de que havia virado uma fórmula, o que é o fim para relevância de qualquer gênero. Era preciso fazer uma curva. O que poderia ser uma má notícia se gerando algo positivo, incentivando mudanças de direção por produtores mais preocupados com os sons que saem das caixas do que o tilintar das caixas registradoras.
Desde os idos de 2007 produtores fiéis aos conceitos independentes do dubstep, como Burial e Kode 9 (dono do essencial selo Hyperdub), buscaram fugir da mesmice para qual tudo sem encaminhou, inaugurando o que que ficou conhecido como pós-dubstep, re-aproximando o estilo do clima experimental de onde surgiu. Essa fase 2 criou o ambiente para nomes como James Blake ou sua versão mais radifônica, Jamie Woon, despontarem, trazendo outros elementos para equação, notoriamente o R&B, outro gênero que sofreu com a comercialização, esse nos anos 90.
O principal legado do dubstep e, principalmente, sua viabilidade comercial, foi bem além dos novos gêneros que surgiram a partir dessa problemática (UK Funky, o próprio pós-dubstep): sua ascensão deu coragem para produtores colocarem o grave novamente no centro das atenções. No atual estado de DavidGuetização da música eletrônica, com sirenes por toda parte e o agudo tomando conta até onde menos se espera (o show de horrores proporcionado pelo Major Lazer é um exemplo), isso por si só é um alento. Mais grave é sempre um alegria, mesmo emmúsica ruim. O grave é o alho sônico, deixa qualquer coisa melhor.
Conversando com o pesquisador Chico Dub, curador do festival Novas Frequências, ele observou: o grave se tornou o denominador comum da música urbana contemporânea. Seja em artistas tendendo ao r&b (The Weeknd), hip hop (A$AP Rocky), ao house (Lone), techno (Martyn), breakbeat (Mosca), drum n bass (Joy Orbison), 2-Step e Garage (Redinho, Julio Bashmore) ou até mesmo a um pós-pós-dubstep de olho no grande público (SBTRKT).
A impossibilidade de rotular cada um dessas misturas (uma prateleira para cada artista iria ficar complicado…) fez surgir mais um gênero, a bass music, um guarda chuva pra lá de bobo, por ser demasiadamente abrangente. Atendendo essa demanda, dois selos despontam: o escocês Numbers (por onde até Kieran “Four Tet” Hebden e o Modeselektor andam ciscando), nascido a partir de uma festa, e o inglês Night Slugs.
A coisa tá grave. E isso é ótimo.
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Tchequirau
Muito influenciado pelo dub, ano passado o Sun Araw (que recentemente esteve no Rio para participar do festival Novas Frequências) foi a Jamaica atrás do The Congos, do clássico “Heart of the Congos”, produzido por Lee Perry e tido em algumas listas como o melhor disco da história do reggae, para produzirem material juntos. Enquanto o disco não vem, tem um vídeo mostrando um pouco da viagem.
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.