Mais uma edição do Back2Black, mais uma vez na Leopoldina, mais uma vez um bom cenário, mais uma vez boas atrações, mais uma vez a música sofre com a acústica daquele lugar. Poucas novidades em relação ao ano passado, para o bem e para o mal.
A cenografia dos Gêmeos, palestras e atrações alternadas em dois palcos e uma tenda não foram capazes de superar a decepção da maioria pelo cancelamento do Prince. Uma pena, pois havia muitos outros artistas interessantes para se ouvir.
Na primeira noite os beduínos do Tinariwen hipnotizaram com seus sons do deserto aqueles que chegaram cedo, misturando instrumentos ocidentais com a percussão e roupas típicas de Mali e induzindo ao transe. Sorte de quem viu, porque o show da Macy Gray na sequência foi constrangedor, chegando ao cúmulo de passar para sua vocalista de apoio, com um vozeirão, a tarefa de cantar seu hit.
Na terceira noite (não fui na segunda e perdi a Chaka Khan que falaram que foi massa), todas as fichas estavam em Aloe Blacc. Um dos novos nomes do soul, catapultado pelo sucesso de “I Need a Dollar” e com boas músicas como “Green Lights” no repertório, Aloe Blacc fez… tudo errado.
Mostrando uma inesperada faceta presepeira, o cantor torrou a paciência desde o início com bordões como “bota a mão pra cima”, fazendo coraçãozinhos S2 com as mãos, acompanhado por uma boa banda e duas fracas vocalistas de apoio com figurinos destoando totalmente do resto do grupo.
Nada disso, lógico, foi o pior. Ruim mesmo foi ver arranjos de baile (sem que isso seja elogio) para todas as músicas, desprezando o que elas tem de melhor em nome de um suposto “frescor” em relação ao disco. E tome batidas de reggae cachoeira, com direito a “No Woman, No Cry” e um rap constrangedor de uma das vocalistas. Tá ruim? Piora. Rolou sambadinha.
Com a escalação que costuma ter e conseguindo atrair público (mesmo que não tenha lotado, até porque é “longe”) o festival continua prometendo, ainda sem cumprir totalmente a proposta. Embora tenha acertos, o formato ainda não encaixou. Ano que vem deve ter mais.
Texto da semana passada da coluna “Transcultura” que publico todas as sextas no jornal O Globo:
Pediu pra parar… parou? Filmado com um celular, incidente no Centro vira documentário
por Bruno Natal
Jornalista de formação e editor de vídeo, Christian Caselli caminhava pela Carioca, no Centro da cidade, quando uma situação o fez parar, observar e filmar o que viu com a câmera que tinha à mão, no caso, a do celular: a Guarda Municipal tentando impedir um homem de trabalhar como estátua viva.
Ao mesmo tempo, pessoas questionavam a arbitrariedade da ação, visto que tudo que o artista fazia era estar parado numa praça. O resultado transformou-se no curta-documentário “Proibido Parar”, cuja as cerca de 30 mil visualizações no YouTube não dão conta da importância do retrato do Choque de Ordem batendo de frente com as vontades dos cidadãos.
É algo especialmente relevante quando se pensa na importância de se refletir a respeito da eficácia de políticas baseadas no confronto como estratégia de ordem. Abaixo, o diretor conta os bastidores da filmagem de um documentário que simplesmente aconteceu, feito sem planejamento, como apenas hoje seria possível.
Qual a sua formação?
Christian – Sou formado em jornalismo na UFF, mas não exerço. Quer dizer, trabalhei na Tribuna da Imprensa entre 2000 a 2004, mas parei por aí. Puxei também a cadeira de Cinema e Vídeo na mesma faculdade, mas não me formei. Em compensação, hoje trabalho com cinema e vídeo. Ou melhor, prefiro a palavra “audiovisual”. Mais precisamente o audiovisual independente. Nunca passei em um edital, nunca fiz publicidade nem campanha eleitoral. Também nunca trabalhei num longa, mas faço bastante curtas autorais e me aventuro em todos os gêneros. Meu filme mais conhecido até agora é o desenho desanimado “O Paradoxo da Espera do Ônibus”, com umas 430 mil exibições no YouTube. Também trabalho na Mostra do Filme Livre e sou autor do projeto Foto-Celular, que esse ano ganhou uma exposição no Centro Cultural da Justiça Eleitoral.
O que você fazia na Carioca aquele dia? Como percebeu que uma história estava se desenrolando ali?
Christian – Sabe que nem me lembro? Sou autónomo, então faço os meus horários. Tenho adoração pelo Centro do Rio e vivo passeando por lá. Na hora estava até escutando música no mesmo celular que eu filmei, quando vi a muvuca. Deu preguiça de filmar, pois a música era muito boa (acho que era o disco “Rattus Norvegicus”, do Stranglers). Mas vi o que se tratava e percebi que aquilo merecia ser documentado.
A Guarda Municipal tentou impedir?
Christian – Logo quando comecei a filmar, notei que era uma situação muito paradigmática sobre liberdade de expressão. Também me interessou muito o contraste entre o rapaz parado e aquela situação tensa. Eu também estava tenso, pois cogitei a hipótese daquilo dar merda, de tomarem minha câmera ou algo assim. Mas bastou pensar que não se pode ter medo desse tipo de coisa, se não a gente vai sempre se fuder nessa porra. Tem que dar a cara a tapa mesmo. E eu teria o respaldo do povo caso desse algum problema – mas nada houve, pois éramos, no mínimo, uns três caras filmando lá. Teve um que foi mais atrevido e um Guarda Municipal tentou pegar a câmera do sujeito, mas o público imediatamente se manifestou. Cara, foi lindo ver as pessoas indignadas, tomando partido do estátua. Que bom que ninguém se acovardou.
Como foi feito o registro?
Christian – Optei por me manter o mais neutro possível e ouvindo o que as pessoas tinham a dizer. Um momento do qual particularmente me orgulho foi logo depois que tentaram pegar a câmera do “atrevido”. Criou-se uma discussão atrás do artista e, nesse momento, me fixei nele, testando o quanto ele resistiria. E, para a minha “alegria”, foi quando ele deu uma “chorada” (se é que ele chorou de fato).
O que foi falado pós o incidente, quando a GM partiu?
Christian – As pessoas conversaram mais um pouco com ele, que saiu de sua posição imóvel para uma maior discussão. Documentei isso também, mas não me pareceu importante pro vídeo. O conflito já tinha sido solucionado, pelo menos por hora. Depois, tudo voltou ao normal e o povo se dispersou, “cada qual no seu canto, em cada canto uma dor”.
Você conseguiu o contato do artista?
Christian – Consegui, mas burramente esqueci de perguntar o nome dele. Peguei seu e-mail, mas ele não me respondeu. Promova uma campanha pra achar o cara! Pode ser uma boa! Manda o vídeo pro Fantástico.
Qual repercussão que o vídeo teve?
Christian – O vídeo está tendo repercussão. Essa entrevista, por exemplo, é uma prova disso. Em pouco mais de quatro semanas, ou seja, desde quando foi publicado, o vídeo teve cerca de 30 mil acessos e mais de 100 comentários, e foi selecionado para os festivais Visões Periféricas e MOLA, do Circo Voador.
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Tchequirau
Soul man contemporâneo, Aloe Blacc, da excelente “I Need a Dollar”, utilizada na abertura do seriado “How To Make It In America”, lançou seu segundo disco, “Good Things”. Coisas boas mesmo.
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.