Kony continua, mesmo com resultados modestos
Written by urbe, Posted in Destaque, Digital, Urbanidades
107 milhões de visualizações e muitas polêmicas depois, quem se lembra da campanha Kony 2012? O tal 20 de abril passou e os resultados, comparados com o estardalhaço inicial, foram modestos: 15 mil fotos das ações e 250 mil visualizações do vídeo divulgando os próximos passos da campanha.
Ah, e o Kony continua solto. É tipo documentário do Michael Moore, prega pro convertido. “Fahrenheit 9/11” denunciou diversos escândalos da administração George W. Bush, foi lançada pouco antes das eleições e ainda assim ele se reelegeu.
http://youtu.be/UEKr1mjII-c
estás a confundir alhos com bugalhos.
nem kony, nem michael moore pregam para convertidos.
exibir como suposta prova disso o fato de que bush se reelegeu é 1) superdimensionar o poder que um documentário (qualquer um) poderia ter numa eleição e 2) ignorar o fato de que bush na verdade perdeu a eleição, tendo sido reeleito apenas por meio de uma manobra política.
da mesma forma, exibir como prova do fracasso do kony 2012 o fato de que o lider rebelde ugandenses continua solto é ignorar que 1) o poder político, por definição, não pode responder instantanemente à pressões populares e 2) que estamos em ano eleitoral nos eua, e obama não se arriscaria a abrir um novo “front” militar no exterior se não tivesse absoluta certeza de que isso se traduziria em mais votos…
enfim, estás a simplificar questões por demais complexas.
desconfio, aliás, que não leste na íntegra o artigo do teju cole, traduzido na revista pittacos. se tivesse o feito, não se arriscaria a reduzir a questão a um mero equivoco de “pregar para convertidos”.
abs
Claro que li o artigo, linkei aqui há mais de um mês, quando a discussão ainda estava quente. Fui eu que te mostrei, esqueceu? A questão é obviamente muito mais complexa e tem diversos equívocos no processo – o suficiente pra não engajar a parte mais interessada, os ugandenses. Não disse que esse foi o motivo da campanha ter, até aqui, falhado. Aliás, esse nem é o ponto do que estou falando. O que estou mostrando é que a campanha despencou de 110 milhões de views para meros 250 mil. O interesse baixou e baixou muito.
Aos seus pontos:
Ué, e só Obama e os EUA podem parar Kony? O resto do mundo não conta, a UE não importa? Aliás, a eleição nos EUA e a impossibilidade do Obama responder prontatamente é o motivo de Kony estar solto? Isso que é simplificação.
Sou o primeiro a dizer que documentário nenhum muda nada, isso é um fato provado e comprovado. Kony ou Michael Moore são apenas mais dois exemplos. E não funciona exatamente por isso, porque prega para convertidos, é a simples condensação de um pensamento coletivo – por isso aliás é que tem algum público. O problema não está nos filmes ou no seu conteúdo ou forma, está justamente que um documentário, não importa o quão panfletário, vá mudar qualquer coisa. Documentário, quando muito, documenta algo. Essa é a função.
Olha que tem bastante gente que fala que Moore prega pra convertido, Antonio (não conferi cada resultado, é Google, tem de tudo, mas enfim): http://bit.ly/IhdLPp Se vc consegue imaginar os red necks invadindo as salas de cinema pra assistir os filmes do Moore…
Diga-se, não é nem defeito de nenhum dos diretores em questão. O eco dos próprios pensamentos é uma questão geral, uma problemática que já faz parte do dia a dia das pessoas, potencializada pelas redes sociais e seus filtros:
http://www.oesquema.com.br/urbe/2011/10/13/web-gatekeepers.htm
claro que não esqueci que vc me deu a dica do artigo do teju cole. mas talvez vc tenha se esquecido do que ele diz ao longo do texto…
seu post dá a entender que o kony 2012 foi um fracasso pq 1) só fez pregar para convertidos, não conseguindo assim ganhar audiência necessária na opinião pública em geral; 2 ) pq, well, kony continua solto.
discordo de ambas as afirmações.
se o kony 2012 despencou de mais de 100 milhões de views para “meros” 250 mil, foi porque 1) a grande mídia bateu na invisible children até dizer chega, por motivos justos (mal uso de verbas, pouca transparência, incorreção factual de diversas passagens do video), e tb por motivos não tão nobres assim (pq tem interesse em resguardar para si o monopólio da credibilidade da informação); 2) pq o fundador da ong fez o favor de ser preso peladão, masturbando-se doidaralhasso pelas ruas, o que num país puritano como os eua é um crime imperdoável. foi a combinação destes dois fatores que levou o projeto kony 2012 à lona — e não, como vc diz, o fato de que eles “pregaram para convertidos”.
discordo também de sua afirmação de que “documentário não muda nada”. documentários, assim como filmes de ficção e livros, mudam muita coisa sim! o que acontece é que só muito raramente eles conseguem resolver a parada toda de uma vez só — por isso, podem parecer inócuos ao olhar mais desatento, ou afobado demais para pensar em qq coisa que não seja o curtíssimo prazo. mas eles têm o mérito de suscitar agendas, levantar debates, lançar novos focos de luz sobre questões antes mantidas nas sombras, despertar sensibilidades, criar empatias… às vezes, precisam ser vistos em conjunto, e com um certo distanciamento histórico, para que possamos apreender a totalidade de suas contribuições.
no caso do kony, o mais grave na minha opinião não é que ele tenha falhado em mobilizar, em pressionar a opinião pública e o governo dos eua a prender o kony. o mais grave é que ele tenha feito justamente tudo isso apelando para um tipo de “entusiasmo humanista para fazer a diferença” que desconsidera completamente a realidade política mais ampla que cerca questões complexas como a existiencia de lideres rebeldes em países africanos. aliás, foi por isso te dei uma provocada quanto ao texto do teju cole…
abs
ps 1 – europeus não vão fazer nada contra o kony. estão encrencados numa crise enorme, tentando salvar o euro, e são menos propensos a ações militares intervencionistas. cara, não tô simplificando, apenas sendo realista: quem teria que “resolver a parada” seria os eua, e quem comanda os eua agora é um certo mr obama.
Discordo que os EUA tenha que resolver a parada. Isso é o modus operandi atual, mas não é como deveria ser (para o bem do próprio EUA, inclusive) e deveria mudar. A Europa pode estar enrolada no que quiser, como está os EUA: continua tendo responsabilidade – historicamente, até mais que os EUA, por ações diretas na região, colonização, etc.
Claro que documentário cutucam e iniciam processo, mas não mudam nada de imediato, como vc mesmo disse. Alguma dúvida que o Kony ou Moore querem isso? Eu não tenho nenhuma.
Por mais que ache toda a repercussão negativa importante, relevante e, em boa parte dos pontos, correta, não acho que foi isso que determinou o fracasso, simplesmente porque nenhum desses textos ou vídeos teve o alcance que a campanha em si teve. O próprio video da TMZ (o principal saite de fofocas do mundo) com ele perdendo a linha teve 60 mil “likes” na página oficial, 272 mil vizualizações no YouTube. Não faz nem cosquinha perto dos 11 milhões de vizualizações da campanha (contando só os canais oficiais). E estamos falando de fofoca, coisa “leve”. Imagina quantos leram o Teju…
A taxa de conversão foi pífia comparada com o alcance que a campanha teve – 3,5 milhões de “pledges” são 3%. E isso me parece mais desinteresse e falta de pro-atividade do que qualquer outra coisa. Compartilhar um vídeo é fácil, tomar ações (que seja botar mão no bolso) é mto mais complicado. É aí que a maior parte das campanhas online esbarra, nessa transição do virtual pro real.
bruninho, tu me conhece bem demais para saber que eu jamais advogaria a ideia de que os eua deveriam “resolver a parada” (seja ela qual for) sozinhos. ao contrário: sempre fui um crítico do unilateralismo americano. eu estava apenas apontando o fato de que este foi um movimento feito por americanos para americanos. estava sendo realista quanto a este fato (mas parece que vc não captou bem meu propósito).
apesar de entender seu ponto, discordo desta oposição entre “virtual” e “real”. o virtual é real. ter 100 milhões de views no yt, virar notícia na grande imprensa, tornar-se o assunto mais comentado por algum tempo é algo bem “real”, não achas? claro, há sempre uma dificuldade natural em transformar uma “convocação” em uma “ação” efetiva. mas esta dificuldade não é exclusiva do mundo on-line.
de qq forma, sonho com o dia em que jornalistas inteligentes como vc, ao se depararem com uma iniciativa impulsionada por uma mentalidade como esta que está por trás do kony, consigam entender que a necessidade de “fazer alguma coisa” não justifica que se faça “qualquer” coisa, e consigam também compreender a questão em suas dimensões mais amplas, estruturais.
teju cole, uma vez mais:
“Ele não faz as conexões ou enxerga os padrões de poder por trás dos desastres isolados. Tudo o que vê são bocas famintas que ele, em sua forma particular de militância-através-do-jornalismo, está enchendo de comida o mais rápido possível. Tudo que vê é necessidade, e não vê necessidade alguma de descobrir porque a necessidade é necessária.”
abs
Você interpretou virtual como digital. Vida real e digital não tem diferença (lembra que vc não queria entrar no Orkut, não queria se expor e eu te disse na época que era irrefreável, vc seria praticamente obrigado?). Quando falo virtual é no sentido de algo potencial, não realizado, não concretizado.
Um dia eu e meus coleguinhas chegamos lá. Por enquanto vamos aprendendo – pelas vias digitais, principalmente.