sexta-feira

19

fevereiro 2010

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Anotações de viagem: Índia

Written by , Posted in Anotações de viagem, Urbanidades

Inaugurando a nova sessão do URBe, “Anotações de Viagem”, as impressões sobre a Índia.

Como diz o título, a idéia aqui não é fazer nenhuma análise aprofundada ou algum tipo de estudo sobre qualquer lugar. São apenas anotações feitas durante o percurso, quando dá tempo (o que significa que nem todas as histórias e pensamentos foram escritos), compartilhadas aqui sem edição, ilustradas por fotos aleatórias da viagem.

Definitivamente, não é um guia de viagem.


fotos: URBe

A confusão era aguardada na Índia, apenas não com tanta intensidade quanto se encontra em Delhi ou em Jaipur. Precisou de uma semana no país e chegar numa cidade um pouco menor, Udaipur, para a ficha começar a cair, dar tempo de respirar, levantar a cabeça e olhar a Índia além dos monumentos.

Você percebe que está bem longe de casa quando, ao contrário do que acontece em qualquer país da Europa, ao falar que é do Brasil não recebe um sorriso de volta. Ninguém sabe do que se trata ou onde fica. Nem adianta apelar para o futebol, pois o esporte nacional é o críquete e nem mesmo falar do Káka (com acento no primeiro a mesmo), Ronaldo ou Carlos (Roberto Carlos), os poucos que um ou outro conhecem, ajuda muito.

A miséria é assustadora e apesar de uma clara ansiedade com a “oportunidade” quando encontram um turista, os indianos não parecem desesperados com a própria situação. Há um certo conformismo no ar, refletido na maneira com que aceitam as coisas, por vezes se colocando em uma posição inferior, como se não fossem os donos da casa.

Pode ter a ver com religião e o incontornável sistema de castas, pode também ser hospitalidade ou uma simples decisão de deixar os clientes satisfeitos para evitar problemas. Udaipur, muito menor, permite enxergar um pouco melhor as coisas.

Quando se está onde se quer estar — seja um forte, um palácio ou um templo — está tudo ótimo. Sem falar na luz da chamada “hora mágica”, que dura horas, deixando tudo dourado a partir das 3 da tarde e terminando com um pôr-do-sol lindo, com um bola laranja no céu.

O problema são os intervalos entre as atividades: negociar preços com motoristas de auto rickshaw (as moto-táxis, quase sempre pedindo o dobro do valor final), procurar onde comer, prestar atenção onde pisa (coco e esgoto pra todo lado), onde toca, em quem te toca, a poluição sufocante (de arder o nariz e os olhos), tomar banho de baldinho, se enxugar com toalhas fedidas, escovar os dentes com água engarrafada, passar álcool gel na mão, desviar dos indianos nas ruas (a pé ou motorizados), a miséria colocando o dedo na sua cara, os pedintes, as crianças imundas e sem perspectiva (de partir o coração), a irritante insistência dos vendedores de tudo, dizer não e ser forçado a ser antipático com pessoas humildes todo tempo como única maneira de conseguir caminhar nas ruas… Tanto esforço para fazer as coisas cansa.

Tudo isso intercala visitas inesquecíveis ao Taj Mahal, a fortaleza de Jodhpur, ao templo Jain no caminho para Jodhpur ou aos macacos de Jaipur. A estação de trem de Jodhpur é um grande resumo dessa confusão, com ratos enormes circulando entre as pessoas e um pombo cagando no meu braço, felizmente defendido pelo casaco.

O indiano vive apressado. Para que, não se sabe. O fato é que eles não param pra nada e tampouco sabem esperar. Ignoram filas e estão sempre se movendo. Caminhando ou dirigindo, se encontram resistência, tentam desviar ou passar por cima, como um rio correndo entre pedras, nunca param. Empurram nas ruas e no trânsito não existe preferencia, sinal, mão ou qualquer ordem. Ainda assim não se vê batidas. É um equilíbrio delicado.

Curiosos, os indianos observam cada movimento sem cerimônia, encarando mesmo. Pare na rua para consultar o guia e rapidamente você se verá cercado de indianos ollhando por cima do seu ombro ou dando palpites. Muitas vezes eles oferecem ajuda genuína nas ruas, mas é difícil dar espaço pra isso acontecer quando quase todo tempo a intenção não é essa, mas sim lucrar de alguma maneira uma vez que o contato tenha sido estabelecido.

Com uma poulação gigantesca e poucas oportunidades de emprego nos centros urbanos para acomodar tanta gente, é normal ver três ou quatro pessoas fazendo o trabalho que poderia ser feito por apenas uma, seja atrás de um balcão ou mesmo num rickshaw.

A Índia é um lugar exagerado, tudo é em excesso. Os caminhões transbordam de carga, as motos levam quatro pessoas (inclusive crianças) e os rickshaws que mal levam quatro, chegam a carregar até dez pessoas.

Visitar a Índia é ver com os próprios olhos o ponto de saturação de uma cidade. É impossível atender as necessidades de estrutura e consumo de um lugar com tanta gente, não há recursos que dê conta. Isso é o que aguarda qualquer cidade do mundo a se continuar nesse crescimento desordenado.

Tanta coisa faz pensar. A Índia está muito atrasada em termos de infraestrutura em relação ao Brasil e isso acaba também ressaltando diferenças culturais. Enquanto nas comunidades carentes brasileiras a mobilização social é quase uma regra, por aqui parece haver um conformismo com o caos, ninguém parece preocupado com isso a ponto de se organizar pra mudar ou melhorar algo.

A viagem é cansativa, embora traga muitos prêmios. Difícil dizer se voltaria, apesar de ter gostado muito de ter vindo.

Chegar a Tailândia foi um alivio. Após dias tumultuados na Índia, aportar em uma cidade de ruas asfaltadas, lojas, lugares pra comer, hotéis arrumados e banheiros limpos foi um presente. Chegar é que não foi fácil. A viagem entre Agra (onde fica o Taj Mahal) e o aeroporto de Delhi foi desesperadora.

Saímos cedo, 6h, ainda escuro e sob uma neblina fortíssima. O motorista disse que quando clareasse, lá por umas 7h30, melhoraria. No entanto, até as 10h a situação era a mesma: não se enxergava nada cinco metros além do carro.

Era como flutuar a esmo, sendo levado pela névoa. Não seria tão mal se não fosse uma estrada na Índia, onde não existe nenhuma regra. Ninguém respeita as faixas de velocidade ou mesmo os limites das faixas, muitas vezes sequer a direção. Seguir na contramão – numa estrada! – é normal.

Dividindo o espaço com charretes, motos, bicicletas, rickshaws, andarilhos, caminhões sem nenhum farol aceso e as vacas sagradas que podem estar em qualquer lugar, sob aquela neblina, um acidente era iminente, óbvio, esperado até.

Obrigando o motorista a ir devagar, ficar atrás de algum outro carro numa distância suficiente para enxergar suas luzes e não fazer ultrapassagens desnecessárias (porque não ficar atrás de caminhões era obrigatório), a chance de perder o voo era real e a possibilidade de mais um dia na Índia – e no inferno de Delhi, pra piorar – um pesadelo.

Até que o tal acidente veio, em dose dupla. O carro que ia imediatamente a nossa frente atropelou um dos vários loucos que atravessam um estrada sem nenhuma visibilidade como quem passa pelo corredor do quarto para o banheiro em casa. O sujeito voou alto, os freios gritaram, os carros pararam e, sabe-se lá como, a vítima logo estava de pé, continuando a travessia como se nada tivesse acontecido.

O motorista ainda ria da tensão, desnecessária segundo ele, quando uma boiada propositalmente — já que era tocada por um pastor — atravessou a estrada na nossa frente. Felizmente, com nossos gritos, o motorista de reflexos atrasados conseguiu frear e parar a menos de um metro dos animais. Sufoco.

Chegamos no aeroporto a tempo do voo, ainda bem.

A Índia, diz-se, é um país que desperta sentimentos opostos, o tal “ame ou odeie”. O mais correto seria “ame E odeie”, como qualquer outro lugar.

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