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quinta-feira

19

janeiro 2012

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Cícero e o amadurecimento (O Globo, Janeiro/2012)

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A íntegra do texto da matéria que publiquei no Segundo Caderno, do jornal O Globo hoje.

Amadurecimento forçado pelo sucesso na internet e no palco
Objeto da paixão por fãs de todo o Brasil, o jovem Cícero canta hoje no Rio

por Bruno Natal

No final do ano passado, a porta do centro cultural Solar de Botafogo estava lotada de jovens disputando ingressos para a atração da noite. Muita gente ficou de fora, algumas choraram. Do lado de dentro, mais de 200 pessoas se espremiam pelos corredores do pequeno teatro, aguardando com ansiedade o início de um show em que cantariam todas as músicas.

Seria uma cena comum de idolatria, não fosse um detalhe: tratava-se apenas da quinta apresentação da carreira solo de Cícero, 25 anos, tocado as músicas de um disco lançado há apenas seis meses. O disco “Canções de Apartamento” é um fenômeno online, baixado mais de 50 mil vezes (segundo o artista) e gradativamente ganhando o mundo real.

– Essa rápida identificação veio do fato de eu ter me desarmado e falado de mim – diz Cícero, que toca hoje no Teatro Odisséia, às 21h, com as banda Mohandas e as festas Mambembe e This Is Indie, numa noite produzida por ele próprio. – Todos andam muito combativos, perfumados, maquiados, o tempo todo. A gente anda precisando de ar, de sair de si mesmo. De se ver nos outros. A solidão já deu no saco. Tenho recebido muito mais carinho do que jamais pensei. As pessoas se identificaram mesmo com as músicas e querem deixar isso claro pra mim. Se desarmaram porque eu me desarmei. Estou adorando ver isso acontecendo – explica Cícero.

Solidão é o tema central das composições, misturando bossa nova e rock independente. A foto da capa, uma imagem das estantes do apartamento onde o disco foi gravado, entregam algumas das referências: o livro “Noites Tropicais”, de Nelson Motta; um compacto de uma faixa do disco “In Rainbows”; um submarino amarelo; um tamborim. Nas músicas, citações verbais a Tom Jobim e musicais a Caetano (“You Don’t Know Me” em “João e o Pé de Feijão”), porém o ponto alto são as letras intimistas, sobre relacionamentos amorosos e conflitos comuns à idade.

Em alguns momentos, a sonoridade ainda soa derivativa de nomes como Radiohead e Los Hermanos (“essa comparação é constante, mas não me incomoda. Fico feliz, admiro a banda, fico envaidecido”, diz) e ao vivo a banda recém-formada está se encontrando, fatos admitidos abertamente pelo compositor. Parte da uma geração que opera constantemente em modo beta, Cícero está se formando como artista diante de seu público, atendendo demandas por vezes precoces, com tudo que isso traz de bom e de ruim. Leva-se tempo até amadurecer, mesmo que muitos já estejam assistindo.

– Aconteceu tudo rápido demais. A velocidade das coisas com a internet é outra. O primeiro show com a banda foi no final de outubro do ano passado. Dois meses pra uma banda amadurecer não é nada se você não puder se enfurnar em um lugar e ensaiar. Mas mesmo assim lá vamos nós tocar pelo Brasil todo. As pessoas querem o show agora, elas têm o direito, fizeram tudo chegar até aqui.

Gravado e tocado inteiramente por ele próprio (à excessão das sanfonas) no quitinete que morava em Botafogo, “Canções de Apartamento” foi disponibilizado gratuitamente na página cicero.net.br e rapidamente encontrou seu público. Com mais de 5 mil fãs no Facebook e mil seguidores no Twitter, suas músicas tem sido tocadas em algumas rádios e o disco entrou em diversas listas de melhores de 2011, da MTV a blogues como Rock N Beats, Miojo Indie, Rock In Press e Trabalho Sujo [N.E. e também na daqui do URBe], quase sempre no topo ou perto disso. Com isso ampliou a base de fãs, rendendo convites para participar das coletâneas “Is This Indie” (em homenagem aos 10 anos do disco de estréia do The Strokes) e “Re-Trato” (celebrando os 15 anos do Los Hermanos).

Cícero aconteceu no novo modelo, totalmente alheio a indústria do disco e da grande mídia, escolado pela experiência com outros projetos.

– Com 16 anos montei uma banda chamada Alice e fui com ela até os 22, quando fui pra Nova York trabalhar e comprar os equipamentos para gravar o terceiro disco do grupo. Quando voltei, o tempo passou e o pessoal dispersou. Fiquei com os equipamentos e solo, no sentido literal da palavra. Larguei o diploma de Direito, comecei a produzir umas festas e comecei a gravar o “Canções” no apartamento pra onde me mudei em Botafogo, vindo de Santa Cruz. Os meses foram passando e eu compondo, gravando, mixando, regravando… O disco é mais o retrato de um processo do que um projeto propriamente dito.

A intensidade da relação com o público também foi acelerada, com fãs vindo de Belém, Belo Horizonte e Goiânia vindo ao Rio ou de Tocantins para São Paulo somente para conferir um show.

– Está sendo bem doido, choradeira, gritaria, uma coisa bem inesperada pra mim, em todos os lugares a comoção vem sendo bem grande e bonita. Estou lidando como posso, conversando com quem acho que pode me ajudar a ver melhor as coisas, procurando manter o foco nos meus valores, tentando viver tudo que está vindo. Estou um pouco assustado com isso, mas tento ver tudo como carinho. Essas fichas não caíram pra mim até agora. Nem sei se vão cair tão cedo.

Vindo de uma temporada de shows esgotados em São Paulo essa semana, em casas de mil pessoas, o compositor planeja os próximos passos.

– Escutar minha música e artistas que admiro muito, como o Moska, falando bem na rádio, dar entrevista em programas de televisão que assisto, agora dando entrevista para o jornal que assino… Fico feliz com tudo que tá rolando, mas principalmente porque a música chegou nas pessoas. Começo, meio e fim de tarefa comprida. Agora é retribuir, ir onde as pessoas querem que eu vá, tocar pra elas, mostrar as músicas. Fazer essa “coisa” ganhar o mundo real. Não foram computadores, servidores ou sites que fizeram o disco explodir, foram pessoas.

O sucesso tem atraído gravadoras e selos. Por enquanto, nenhuma proposta seduziu Cícero.

– Ainda não topei nada porque quero saber o que vou estar topando. Seja lá o que for, quero ir consciente. No geral, as propostas são mais de gente querendo sugar o momento do que contribuir efetivamente para uma carreira. Faço questão do disco de graça, para ser baixado. O mundo tem muita pressa, eu nem tanto.