Meu texto de sexta passada da coluna “Transcultura”, que publico todas as sextas no jornal O Globo:
A coisa tá grave, viva o grave! por Bruno Natal
A explosão comercial do dubstep foi um dos fatos mais inesperados da história da música eletrônica. Poucos previram que os graves cavernosos e a atmosfera sombria das batidas quebradas de bpm lento, tocado em festas soturnas no sul e leste de Londres, poderiam chegar ao grande público.
Vampirando o estilo com seu pastiche, ressaltando o que há de pior (como as torrentes de wobble bass, um grave modulado, distorcido e oscilante), Skrillex atingiu o status de super DJ, saiu na capa da Billboard e passou a régua no dubstep. Skrillex, no entanto, apenas cristaliza o fim de um processo longo de pasteurização do gênero, uma metamorfose que se deu aos poucos, com elemento do dubstep sendo emprestados e misturado a outras correntes musicais.
O fato da produção de seus elementos “essenciais” serem ensinados em tutoriais no YouTube era um indicativo de que havia virado uma fórmula, o que é o fim para relevância de qualquer gênero. Era preciso fazer uma curva. O que poderia ser uma má notícia se gerando algo positivo, incentivando mudanças de direção por produtores mais preocupados com os sons que saem das caixas do que o tilintar das caixas registradoras.
Desde os idos de 2007 produtores fiéis aos conceitos independentes do dubstep, como Burial e Kode 9 (dono do essencial selo Hyperdub), buscaram fugir da mesmice para qual tudo sem encaminhou, inaugurando o que que ficou conhecido como pós-dubstep, re-aproximando o estilo do clima experimental de onde surgiu. Essa fase 2 criou o ambiente para nomes como James Blake ou sua versão mais radifônica, Jamie Woon, despontarem, trazendo outros elementos para equação, notoriamente o R&B, outro gênero que sofreu com a comercialização, esse nos anos 90.
O principal legado do dubstep e, principalmente, sua viabilidade comercial, foi bem além dos novos gêneros que surgiram a partir dessa problemática (UK Funky, o próprio pós-dubstep): sua ascensão deu coragem para produtores colocarem o grave novamente no centro das atenções. No atual estado de DavidGuetização da música eletrônica, com sirenes por toda parte e o agudo tomando conta até onde menos se espera (o show de horrores proporcionado pelo Major Lazer é um exemplo), isso por si só é um alento. Mais grave é sempre um alegria, mesmo emmúsica ruim. O grave é o alho sônico, deixa qualquer coisa melhor.
Conversando com o pesquisador Chico Dub, curador do festival Novas Frequências, ele observou: o grave se tornou o denominador comum da música urbana contemporânea. Seja em artistas tendendo ao r&b (The Weeknd), hip hop (A$AP Rocky), ao house (Lone), techno (Martyn), breakbeat (Mosca), drum n bass (Joy Orbison), 2-Step e Garage (Redinho, Julio Bashmore) ou até mesmo a um pós-pós-dubstep de olho no grande público (SBTRKT).
A impossibilidade de rotular cada um dessas misturas (uma prateleira para cada artista iria ficar complicado…) fez surgir mais um gênero, a bass music, um guarda chuva pra lá de bobo, por ser demasiadamente abrangente. Atendendo essa demanda, dois selos despontam: o escocês Numbers (por onde até Kieran “Four Tet” Hebden e o Modeselektor andam ciscando), nascido a partir de uma festa, e o inglês Night Slugs.
A coisa tá grave. E isso é ótimo.
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Tchequirau
Muito influenciado pelo dub, ano passado o Sun Araw (que recentemente esteve no Rio para participar do festival Novas Frequências) foi a Jamaica atrás do The Congos, do clássico “Heart of the Congos”, produzido por Lee Perry e tido em algumas listas como o melhor disco da história do reggae, para produzirem material juntos. Enquanto o disco não vem, tem um vídeo mostrando um pouco da viagem.
Envolvido com música desde cedo, trabalhando em estúdios e compondo, Pipo Perogaro fez tudo sozinho em seu primeiro disco, gravando todos os instrumentos. Trabalho solo levado ao pé da letra,”Intro” teve pouca repercussão. No segundo disco, optou por outra estética, buscando uma sonoridade coletiva, tendo como referência Gilberto Gil, Itamar Assumpção e – muito importante, você já saberá porque – Fela Kuti. Co-produzido por Bruno Morais (músico paulista do bom “A Vontade Superstar”), o segundo disco, “Taxi Imã” teve o efeito que o primeiro disco não teve: colocou o groove-bossa-afro-dub do Pipo no mapa.
Para além das composições e da produção, muito do apelo do disco está nos instrumentais. Sem saber, Pipo montou um grupo tão bom que pouco depois das gravações esse músicos formaram uma das bandas mais comentadas de 2011, o Bixiga 70, dedicado ao afrobeat (olha a presença do Fela Kuti aí).
– Eu já tocava com Marcelo Dworecki, Décio7, Cris Scabello (baixo, bateria e guitarra, respectivamente) e Daniel a mais ou menos um ano e meio antes das gravações. Quando começamos a pré-produzir o disco, eu e Bruno começamos a pensar nas pessoas que poderiam expressar o som que gostaríamos para as canções. Então, foi espontâneo que a banda “matriz” continuasse e outros músicos que admirávamos, como o Maurício Fleury, Cuca Teixeira, entre outros que hoje formam o Bixiga 70, chegassem para fazer o disco – explica Pipo.
O tecladista do Bixiga 70, Mauricio Fleury, complementa.
– A partir das composições do Pipo, começamos a conversar sobre as influências que transpareciam no trabalho, música latina, africana, brasileira, psicodelia anos 70. O diálogo seguiu após o fim das gravações. Foi quando surgiu o primeiro tema que fiz inspirado nessas conversas, “Grito de Paz”, que já apontava pra essas influências. Convidei o Décio 7 pra gravar baterias e percussão na gravação dessa faixa e ele teve o estalo: “temos que montar uma banda pra tocar esses sons”
A intercessão entre músicos de uma mesma cidade ou circuito em diferentes projetos dá a ideia de uma cena em andamento. Para Pipo, isso é mera consequência das trocas entre os artistas.
– Todos precisamos muito uns dos outros para estabelecer nossas movimentações, aprimorar idéias e para haver um amadurecimento dos trabalhos. Creio ser a troca a grande “moeda” que possuímos. Na maioria das vezes faço a mesa de som dos shows do Bixiga e o Cris, guitarrista, deles, também faz nos meus shows.
Mauricio complementa, destacando que o que importa é criar um contexto para um som instrumental, dançante para o qual ainda não tem referências diretas.
– Estamos num momento muito bom de troca entre os músicos de São Paulo e de fora e é muito legal ver como estamos conectando diferentes estilos. A cada combinação diferente de músicos, uma nova situação vai surgir. É um processo caleidoscópico, que se transforma a cada movimento.
O afrobeat tem surgido como influência forte em algumas novas bandas, tendo inspirado a criação inclusive de projetos dedicados exclusivamente ao som nigeriano, como a Abayomy Afrobeat Orquestra e o Afrika Gumbe, no Rio.
– O nosso interesse não é tocar só afrobeat, menos ainda de maneira ‘tradicional’, o que nós fazemos é seguir o hibridismo inerente ao afrobeat, a fusão de ritmos tradicionais com instrumentos elétricos e a linguagem ocidental do jazz, da música latina, etc. O afrobeat já vem sendo trabalhado de forma subliminar na música brasileira há muitos e muitos anos, no disco Refavela de Gilberto Gil ou no movimento pernambucano manguebit dos anos 90. Nos útimos anos aparece também no trabalho de artistas como Céu, Kiko Dinucci e Criolo. A poliritmia africana está muito presente no Brasil, acaba sendo natural para os artistas aliar essas influências às que nós já temos por aqui – avalia Mauricio.
Pipo concorda e amplia a zona de influência.
– Nessa caldeira musical trasbordante que nosso país possui, grandes mestres, maestros da composição que nos mostram caminhos lindos de percurso e paisagem para desfrutar a atenção à música, não consigo ficar pacato ao ouvir uma música de Gilberto Gil, Pedro Luís, Dorival Caymmi ou Luiz Gonzaga. É nessas pinturas musicais multi dimensionais que humildemente tento caminhar e apreciar a paisagem.
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Tchequirau
Nascido e criado em Bristol, na Inglaterra, terra do Massive Attack e de uma cena de graves pesadíssima, o produtor Julio Bashmore faz house filtrado por influências de 2step e UK garage e funky.
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/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.