Bjorn and John Archive

terça-feira

28

abril 2009

8

COMMENTS

Coachella 2009, formatura no deserto (completo)

Written by , Posted in Música, Resenhas


vídeos e fotos: URBe

Dois anos desde a última visita (três desde a primeira) e depois de ter passado por alguns dos festivais mais enxarcados da Europa, finalmente chegou a hora de partir novamente em direção ao deserto, onde o sol é uma certeza e o visual garantido.

O Coachella Music & Arts Festival é um dos maiores encontros das chamadas “bandas de internet” do planeta. Ser escalado para o festival é como receber um diploma que diz “no último ano você se destacou e agora é oficialmente uma banda, não mais um projeto online”.

É claro que nem todos os formandos vingam na profissão. Muitos dos artistas que passam com algum destaque pelo festival, somem na poeira menos de um ano depois. Na turma de 2009, estranhamente ficaram de fora Metronomy e Lady Hawke, dois nomes muito elogiados em 2008.

Alguns outros voltam ao deserto maiores do que quando passaram por lá pela primeira vez, caso do The Killers, TV on the Radio e M.I.A. nesse ano.

A décima edição do festival talvez tenha sido uma das edições com a escalação mais fraca — certamente foi mais difícil manter a usual média de sete shows por dia. Obviamente, uma escalação frouxa do Coachella coloca no bolso boa parte dos festivais pelo mundo e ainda assim vale a pena.

Em 2009 houve menos conflitos de horários entre as principais atrações, tornando as decisões do que assitir (sempre a maior tortura do evento) mais fáceis. Você assistia um show sem aquela pontada de estar ausente de três outros imperdíveis.

Mesmo com a afirmação dos organizadores do evento de que essa provavelmente terá sido a terceira maior edição em termos de público (2007, com Rage Against the Machine, foi a maior), a sensação e comentário dos que estavam lá foi de que estava mais vazio que o normal.

Os sinais eram claros: menos filas pro banheiro, pra água, pra entrar, menos engarrafamento e menos tumulto no estacionamento. Tirando sexta, com Paul McCartney, os ingressos do festival não esgotaram.

A culpa de tudo isso, é claro, é da crise. Uma caminhada pela Melrose Avenue, passando entre um set de gravação do seriado The Hills (afinal, é Los Angeles) e muitas lojas de roupa, assusta a quantidade de lojas em queima de estoque e placas informando sobre fechamentos.

Na América fascinada pelo novo presidente (é impressionante a quantidade de produtos relacionados a Obama, de camisetas a doces, máscaras e livros), o bicho está pegando. O que para muitos foi um motivo a mais para cavar os quase 300 dólares do passe para os três dias de festival e esquecer tudo no deserto.

Se a música não desse conta, certamente a ensolação faria o serviço.

1o dia, sexta
Molotov, Los Campesinos, Franz Ferdinand, N.A.S.A., Beirut, Ghostland Observatory, Girl Talk e Paul McCartney

Um vôo de oito horas pra Miami + quatro horas de espera + seis horas até Los Angeles + uma hora até estar dentro do carro alugado + duas horas até Indio (santo GPS!) + check in no hotel + fuso horário configuram uma maratona que pede o mínimo de descanso.

Isso tudo pra dizer que chegar cedo no primeiro dia do festival logo no dia seguinte é uma perspectiva desanimadora, ainda mais sem nenhuma grande atração motivando o esforço a mais.

Chegando as 15h, ao som do chato We Are Scientists, foi o tempo de comprar água, encontrar os amigos e partir para o Molotov. As atrações mexicanas são uma marca do festival e quase sempre vem coisa boa. Surpresa foi ver o Molotov fazendo rock sobre batidas de Miami bass, soando bastante como “Popozuda Rock and Roll”, do De Falla.


Los Campesinos

As baixas expectativas em relação ao Los Campesinos foram confirmadas. Até músicas legais como “You! Me! Dancing!” ficam magrelas ao vivo. Alguma coisa ali lembra o Clap Your Hands Say Yeah, que também não convence ao vivo, só que mais bobo. O vocalista se esforça tanto na afetação que consegue tirar atenção do resto da banda, sem fazer disso algo positivo.


Ting Tings, “Great DJ”

De afetação para… mais afetação! O Ting Tings mostrou muita frescura e pouco som. Começaram 15 minutos atrasados, reduzindo bastante o tempo do seu show. O que pode ter sido proposital, visto que eles tem bem pouco pra mostrar.

Antes de subirem ao palco, veio um aviso, avisando que o público era bem vindo para tirar foos, mas não deveria usar flash, pois incomoda a banda. Era dia.

Como se vê, a dupla se leva a sério demais, a postura no palco confirma isso. É como se eles não entendessem que o público de “That’s not my name” ou “Great DJ” é majoritariamente adolescente. Ou pior que isso — é como se o Ting Tings visse algum demérito nisso.

De qualquer maneira, foi um dos shows mais disputados do dia, com gente tentando assistir do lado de fora da tenda (a Sahara, a maior delas), debaixo duma solaca que não é brincadeira não. O mesmo sol que foi o principal fator na decisão de assistir o Ting Tings e não o Black Keys no palco principal.

Grande erro. No jogo de apostas do Coachella, cada movimento deve ser calculado. Cada escolha envolve um custo, as vezes alto demais para valer o risco. Mais tarde isso ficaria ainda mais claro.


Alex Kapranos (Franz Ferdinand) e a blusa do George Harrison

A primeira grande escolha do dia envolvia duas atrações tocando exatamente no mesmo horário, uma nada a ver uma com a outra. Na disputa mental entre ouvir “Poison Dart” ou “Lucid Dreams”, terminei não ouvindo nenhuma.

Optei por assistir o Franz Ferdinand (pela sexta vez) em vez do The Bug & Warrior Queen (que nunca vi) pra poder ouvir ao vivo faixas do terceiro disco. Infelizmente justo a que mais queria ouvir, “Lucid Dreams”, ficou de fora.

O show foi morno, muito por conta da distância que o palco principal impõe entre os artistas e a platéia. A luz do dia também não ajudou muito o clima dançante e carregado nos sintetizadores das novas músicas.

No primeiro dia do festival era o show do Paul McCartney que centralizava as atenções, lógico. Tocando no mesmo palco, Alex Kapranos (do Franz Ferdinand) apareceu com uma camiseta escrita “George Harrison”. Desde cedo, fãs dos Beatles se expremiam na grade. E por fãs dos Beatles entenda-se pessoas acima dos 50, raramente o perfil de quem enfrente um dia inteiro debaixo do sol pra aguardar um show.


N.A.S.A., “Watchadoin”

Se o começo do dia foi calmo, a parte final foi corrida. Do Franz Ferdinadn direto pro N.A.S.A., já começado. Estava bem curioso pra saber que tipo de apresentação eles fariam. Fosse um mero live PA perigava ser meio xarope. Cada vez parece fazer menos sentido ficar olhando para um palco onde um sujeito faz coisas que você não pode ver.

A lição do Daft Punk e sua pirâmide parece ter sido assimilada em larga escala por artistas de música eletrônica, caminhando cada vez mais em direção de soluções visuais para suas apresentações, indo além de telões e apostando em cenários e até instalações.

Formado pelo brasileiro Zé Gonzales (ex-Planet Hemp) e Squeak E. Clean (irmão do cineasta Spike Jonze), o N.A.S.A. (North America South America) aterrisou no Coachella a bordo de uma nave retrô-tosco-futurista, acompanhado por duas dançarinas ETs, alguns monstros e um MC.

Funcionou. O set misturando músicas próprias e trechos de Daft Punk (olha eles aí de novo), Beni Benassi e hip hop levantou a tenda e fez a festa.


Beirut, “Nantes”

O primeiro artista a realmente arrastar uma quantidade grande de fãs foi o Beirut. Nem bem soaram as primeiras notas de “Nantes” e o coro e aplausos começaram, se extendendo por todo show.

A delicadeza das músicas se repete ao vivo. Projeto solo de Zachary Condon, o Beirut se transformou numa banda sem perder o clima intimista dos discos. Baixo acústico, acordeon, metais, bateria e teclado servem as canções sem exageros, priorizando os arranjos aos solos.

Teve até gente gritando “Leãozinho”, do Caetano Veloso, música as vezes tocada pelo Beirut. Dessa vez não teve, teria sido divertido. Foi um dos shows mais legals e bonitos do festival.


Instalações espalhadas pelo gramado

Na sequência, um pedaço do Ghostland Obervatory e do Girl Talk. O primeiro tava numa onda meio téquineira que desanimou e o segundo deu uma preguiiiiiça… A tenda estava lotadas, bem animada, só que as colagens do Girl Talk começam a cansar.

Não sou fã dos discos dele, muito por conta da predileção aos samples de hip hop. Essa onda de mashup está começando se tornar um tanto formulática, com a sonoridade de todos os produtores se assemelhando bastante.

Pior que isso, a volta se aproxima dos 360 graus, chegando ao ponto de partida, com alguns desses mashups soando como remixes, onde sobre a acapela e é feita uma nova base. Chegou a hora de um passo a frente, em outra direção? Pode ser.

Ou isso ou era simplesmente preguiça de dançar mesmo.


Paul McCartney, “Blackbird”

Chegada a hora do Paul McCartney o festival parou. Quase todo mundo foi em direção ao palco principal para conferir o grande nome do evento.

O começo foi meio estranho. Acompanhado por uma banda perfeitinha demais na execução, o show soava plástico demais. Os arranjos soavam comerciais demais, como se fosse um DVD genérico, bem chato.

Além disso, os integrantes faziam caras e bocas dignas dos piores clichês do rock, o que era um tanto contrangedor. O sujeito toca com o Paul McCartney e quer aparecer? Sei não…

A apresentação, ainda bem, guardava momentos memoráveis.

Quando Paul tocava violão ou piano sozinho a atmosfera mudava completamente. Com as canções que o sujeito tem, realmente não precisa de quase nada pra soar fantástico. Menos é mais, costumam dizer por aí. E nesse caso, é mesmo.

Paul estava comunicativo, falando das músicas e até da sua vida pessoal como se não estivesse diante de uma multidão. O momento mais emotivo foi quando ele lembrou que naquela data faziam 11 anos da morte de Linda McCartney antes de dedicar “My love does it good” para a ex-mulher.

Brincando com a platéia, Paul disse que as vezes era difícil se concentrar e tocar com tanta gente segurando placas com dizeres como “Beatles, estive lá!” e chamando a sua atenção.

John Lennon também foi homenageado com “Here Today”. Obviamente, as músicas dos Beatles (“The Long and Winding Road”, “Blackbird”, “Eleanor Rigby”) causavam comoção. George Harrison também foi lembrado quando Paul tocou “Something” em um ukulele presenteado pelo próprio, seguida por “I’ve got a feeling”.

Vendo Paul ao piano, vilolão ou ukulele faz pensar porque um compositor desses prefere tocar o baixo em quase todas as músicas. Seria de pensar que Paul fosse ter preferência pelo violão, mais harmônico, no lugar de um instrumento melódico e comumente usado ritmicamente.

Eis que chegou a hora do erro. Lembra que falei das escolhas, dos riscos envolvidos? Pois bem, um julgamento mal feito me assombrará pelo resto da vida (ou até o próximo show do Paul — vai ter no Rio, andam dizendo).

Com quase duas horas de show, perto da meia-noite, horário limite dado pelas autoridades locais para o término das apresentações, cansado, resolvi começar a andar para o carro, pra fugir do tumulto da saída. Em 2007, após o Rage Against the Machine, levei quase duas horas só pra sair do estacionamento e chegar na estrada.

Sendo Estados Unidos, terra da organização (ah, como eu gosto…), era razoável pensar que o show estava pra terminar. Certo?

Fui andando e escutando “Give Peace a Chance”, “Let it Be”, “Live and Let Die”, “Hey Jude”, o que animou a longa caminhada.

Até chegar no carro ainda tocaria “Can’t Buy Me Love”, “Yesterday”, “Helter Skelter”, “Get Back” e “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”. Foi praticamente um show inteiro, que se estendeu até quase uma da manhã, e eu ouvindo tudo de longe…

Um erro imperdoável. De novo: IM-PER-DO-Á-VEL!

Menos mal que por ter saído mais cedo ainda consegui comprar uma da últimas cópias numeradas e assinadas do pôster especial feito por Shepard Fairey para comemorar o show do Beatle no Coachella. Custou 75 dólares e hoje, quatro dias depois, já vãi passando de 200 dólares no eBay.

Toda vez que olhar para ele vou lembrar de uma das maiores lambanças da minha vida. Belo castigo.

2o dia, sábado
Para one, Surkin, TV on the Radio, Fleet Foxes, Crookers, M.I.A., Chemical Brothers (DJ set) e Gang Gang Dance

Entre todos os acertos, se tem uma coisa na qual o Coachella erra a mão entra ano, sai ano é na programação eletrônica. Não dá pra entender o que acontece, porque apesar de muitos nomes legais entrarem na lista, quando chega a hora de tocar, só vem téquinôu.

Rara excessão foram os franceses Para One e Surkin. O primeiro até resvalou no pior do 4×4 farofento, enquanto o segundo passeou mais pelo electro, ainda que tenha sido um tanto reto e sem suinge. O horário, 15h, é que não ajudou muito.

Os anos 90 vão ressurgindo também nessa área. Do remix dos Crookers para “Day n Night” (KiD KuDi) as músicas dos DJ sets do Chemical Brothers e Groove Armada, aquelas sirenes de rave do começo da década surgiam picotadas ou inteiras. É o elemento da vez.

Da área VIP, onde também fica a tenda de imprensa, aguardando bananas e coca-cola reverterem o estrago feito por uma wrap de tofu e um café da manhã de ovos com bacon, deu pra ouvir o Michael Franti & Spearhead, mas não dá pra levar sua politização muito a sério, não convence.

A área VIP é puro LA, com pururucas, playboys e celebridades B, de David Hasselholf a Busy Phillips e modeletes como a inglesa Agyness Deyn. Muita gente vem de Los Angeles só pra ficar badalando por ali, sem de fato entrar no festival.

A princípio essas pessoas podem parecer descoladas num festival como o Coachella. Com o aumento do consumo de música na era digital, mudou também o público.

Hoje é difícil você encontrar alguém que não tenha um iPod ou no mínimo conheça meia dúzia de bandas da vez. Lembro que quando era adolescente era comum encontrar gente que simplesmente não escutava música.

No entanto, apesar do maior número de ouvintes, o consumo é feito de forma cada vez mais passiva. Claro que isso sempre foi assim, desde que as rádios e TVs dominaram a distribuição de conteúdo cultural.

O que é mudou é que atualmente bandas alternativas e independentes — o tipo de som que antes exigia um esforço dos interessados para conseguir — chegam de forma massificada via internet, celulares e MP3.

Essa turma não desce pro gramado e não anda pelas tendas, de forma que de certa maneira continua tudo igual. A turma do oba-oba distante, os mais interessados circulando atrás de bons sons. Bom pro festival, que consegue atingir dois públicos diferentes, gera mais mídia e se mantém economicamente viável.

Entre os que vão ao evento pelos shows — a grande maioria — esse ano houve um certo relaxamento em relação ao consumo de maconha. Nas outras duas edições vi pouquíssima pessoas fumando. Dessa vez tinha zilhões de pessoas desbelotando tranquilamente e dando dois em pipes coloridos.

A explicação para essa mudança é a maconha medicinal. Ao que parece (se alguém souber essa história melhor, dizaê), no ano passado houve um flexibilização na lei que permite o uso da cannabis para tratamento médico.

Antes era restrito a doenças mais sérias e agora um baseado pode ser receitado para distúrbios como insônia, depressão e outros problemas que não podem ser diagnosticados em exames.

Rapidamente surgiu uma indústria ao redor disso, de maneira que basta ir a um médico em Venice Beach e sair de lá com a autorização para comprar maconha (e consumir em público) numa loja ao lado.


TV on the Radio, “Staring at the sun”

Com a rapaziada devidamente frita pelo sol e embalada pela marola, o TV on the Radio não teve muito trabalho para chapar o público de vez com um show grosseiramente grave.

O TVOTR foi o primeiro dos graduandos a tocarem no final de semana. Assim como eles, retornaram ao festival para tocar no palco principal em vez de tendas o The Killers e M.I.A.

Cada vez que Kyp Malone dedilhava o baixo os sub-graves pareciam estar saindo de algum equipamento digital de tão fortes. Era cada catranco no peito que não era mole não.

A densa massa servia de base para camadas e mais camadas de guitarra, num som que tinha que ser decifrado para ser entendido.

Durante o show, Kyp perguntou quem iria ficar pra ver o Thievery Corporation logo depois (não deu pra perceber se foi deboche) e afirmou que esperaria para ver o Gang Gang Dance mais tarde.

E ficou mesmo. A noite, sentado no gramado perto da tenda onde o GGD tocaria, ao ouvir a palavra “Brasil” Kyp disse que o Rio era sua cidade favorita no mundo e que espera muito poder voltar para visitar. Uma pena que o GGD não emplacou, com um show esquisito, bem diferente do que “Princes” sugere ser a onda da banda.

O TVOTR foi uma curiosa escolha para tocar no famoso horário do pôr-do-sol, geralmente reservado para atrações mais melosas, como o Fleet Foxes que tocou a seguir.

O cenário é o grande diferencial do Coachella. O lugar é lindo e a luz da Califórnia, um eterno final de tarde dourado, faz maravilhas pelos shows. É tudo que os festivais de verão na Europa não conseguem ser, pelo simples fato de que lá não faz sol.

A beleza do lugar influencia diretamente nas apresentações e no astral do público. Impossível separar uma coisa da outra, o meio é de fato a mensagem. Não é a toa que diversos artistas que tocam no Coachella preparam algo especial pra mostrar. É um lugar mágico mesmo.


Fleet Foxes, “White Winter Hymnal”

Já ao anoitecer, no segundo palco ao ar livre, menor, o Fleet Foxes mostrou seu folk setentista para uma platéia hipnotizada. As harmonias vocias, os arranjos, as canções, tudo muito bem feito e bem tocado.

Só que pra mim, tirando “White Winter Hymnal”, não bate. É retrô e introspectivo demais, embora seja totalmente compreensível a adoração que a banda desperta, é muito bom. É só gosto pessoal mesmo.


M.I.A., “Galang”
vídeo: mattwong26

Como a evolução percebida entre seus dois discos sugere, a M.I.A. do “Arular” é muito diferente da M.I.A. do “Kala”.

Quem viu a apresentação da M.I.A. no TIM Festival em 2005 não guarda boa recordação. Muita gente inclusive se desinteressou por ela por conta do show sem graça. Era o mesmo show que ela apresentava na Fabric, em Londres, para um público bem menor, numa boate. Não transpunha bem para o palco.

No Coachella, no entanto, quando ela tocou na tenda mais cedo no mesmo ano (a abertura do vídeo é hilária) a impressão deixada foi muito boa. Até que M.I.A. teve seu pedido de visto de trabalho nos EUA negado em 2006.

Demorou um pouco até M.I.A. voltar ao festival, em 2008. Em sua segunda passagem pelo Coachella, a tenda já não conseguiu dar conta. Segundo relatos, teve pessoas desmaiando, gente saindo pelo ladrão.

O trabalho de pesquisa da estética dos países em desenvolvimento de M.I.A., tanto a visual quanto a musical, cresceu bastante em “Kala”. Provavelmente ciente de que sem o visual seu show não passava totalmente sua mensagem, M.I.A. se transformou numa Madonna do terceiro mundo.

Promovida ao palco principal, aproveitou o tamanho e encheu de gente, dançarinos, músicos, roupas fosforescentes, e não apenas um DJ como antes.

Do alto de um púpito repleto de microfones, M.I.A. apresentava os números e dava palavaras de ordem, enquanto o telão exibia imagens de um protesto, com placas onde se lia “M.I.A. is a terrorist”.

Marrenta que só, entrou cantarolando na melodia de “Rehab”, de Amy Winehouse (a grande ausência do festival, cancelada) “they tried to make me sing at the Oscars, but I said no, no, no!”. Tirou onda com o Grammy e depois da sexta música ameaçou a produção: “seis músicas, já posso ir embora.”

Como se sentisse culpada pelo próprio sucesso, M.I.A. faz questão de se afirmar não-cooptada pelo sistema, fazendo questão de manter a postura rebelde, com tanta vontade que, claro, parece falso.

Problema nenhum ela não ser mais a mesma menina desconhecida que gravava músicas em casa e coloca na internet. Seria mais honesto aceitar que os tempos mudaram e continuar inovando a partir de um novo lugar, em vez de querer repetir o que já fez.

Musicalmente essa crise não deve estar acontecendo e a inclusão de “20 dollar” no repertório taí pra confirmar. A não ser que ela esteja somente preocupada em manter a popularidade que mostrou ter durante o encerramento com “Paper Planes”.

Seria uma grande besteira. Esse caminho tem quer natural, tentar adivinhar o que vai agradar o público pucas vezes dá certo. Basta ela fazer o que ela faz, naturalmente, que o resultado vai continuar muito bom.

3o dia, domingo
Mexican Institute of Sound, Friendly Fires, Sebastien Tellier, Lykke Li, Peter, Bjorn and John, Yeah Yeah Yeahs, Late of the Pier, My Bloody Valentine, Groove Armada (DJ set), The Orb e Etienne de Crecy

Nunca deixa de surpreender enorme o descompasso entre um dos maiores festivais de música do mundo e as grande mídia local. Ligar o rádio (mesmo a por satélite que pega até no carro) é ter a certeza de que o Coachella (e a interenet por extensão) ainda é um mundo paralelo.

Tirando obviedades como The Killers, não toca nenhuma das bandas do festival. Não que isso seja surpresa, claro. O que toca é hip hop comercial, atochado de auto-tuneKanye West não está mesmo sozinho nessa.

Basta uma ida ao supermercado ou dirigir uns 20 minutos pra se ouvir Soulja Boy Tell`em e o chiclete “Kiss Me Thru The Phone” (falando nele, já viu a hilária troca de gentilezas do rapper mirim com Ice T?), a irritante “Blame it” (Jamie Foxx com participação do T-Pain) e a bizarra “I Know You Want Me (Calle Ocho)” (Pitbull, uma versão da medonha “75, Brazil Street”, do Nicola Fasano, sampleando Chicago ), ao menos duas vezes cada.

Ainda bem que o último dia trazia algumas das atrações mais esperadas por esse escriba. Era o dia de matar saudades de Londres com alguns shows vistos repetidas vezes por lá.


Mexican Institute of Sound

Pra entrar no clima caliente do deserto, nada melhor do que uma banda latina, no caso o Mexican Institute of Sound, conhecidos em casa como Instituto Mexicano del Sonido, um nome muito mais legal.

Os mexicanos presentes lotaram o segundo palco ao ar livre pra balançar ao som de cumbia digital, tirações de onda com “Macarena” e hip hop temperado com tequila.

Os gringos também entraram na dança e ao final da apresentação a platéia se transformou num grande trenzinho, daqueles dignos de festa de casamento. Energéticos no palco e uniformizados, o MIS fez bonito com as misturas a metaleira, bases eletrônicas e letras divertidas. Mais um pra lista de boas bandas do México.


Friendly Fires, “Paris”

Uma dos nomes mais elogiados em 2008, o Friendly Fires inexplicavelmente tocou num horário terrível (muito cedo) e na menor das tendas.

Mesmo torrando de calor, os ingleses justificaram a fama e fizeram a alegria dos que lotaram o local e de colegas da indústria que se espremiam na lateral do palco, como o dono da Ed Banger Busy P.

Era o tipo de apresentação que cairia melhor a noite, quando a batida disco e rock de pegada eletrônica faria mais sentido. Mesmo assim, o vocalista Ed MacFarlane dançava como se estivesse escutando um som sozinho no seu quarto, rebolando como um Mick Jagger nerd enquanto batia com o microfone na cabeça.

É um show que poderia vir pro Brasil. Difícil dar errado. Pelo que li, quem não tinha visto ao vivo gostou.


Lykke Li, “Knocked up” (KoL)

Sebasiten Tellier logo depois e, dessa vez, não agradou. Demorou um tempão pra começar, acertando o som e, quando entrou, estava tudo embolado. Vestindo uma roupa sem graça, faltou o deboche que marca seus shows. Menos pior, porque não iria dar pra ver inteiro, já que Lykke Li começava antes do fim do francês.

Novamente no palco aberto menor, a loirinha sentou a puia na galera que tostava sob o sol. Toda de preto e pulando sem parar, Lykke Li mostrou um show ainda melhor do que o usual, utilizando suas mil traquitanas e sem se preocupar em posar de gatinha.

Com o público na mão, se arriscou até a tocar balada, o que poderia ser um perigo, uma vez que sob aquele sol qualquer motivo era motivo pra debandar para alguma sombra. Que nada. O pessoal ficou onde estava até o final. A sueca surpreendeu ainda com sua versão de “Knocked up”, do Kings of Leon.

Enquanto isso, aviões passavam deixando mensagens publicitárias escritas com fumaça no céu. Embora tecnicamente executadas a perfeição, era a certeza de que não há mais limite para interrupções consumistas. Mesmo assim, com boa vontade e reenquadramento, ao menos rendeu uma boa foto.

Na caminhada para o show do Yeah Yeah Yeahs, uma passagem estratégica pelo espaço secundário Do Lab onde a água não parava de cair.

Ao som de um hip hop com batidas quase trance (não é o caso do vídeo acima), o cenário do lugar era daqueles que só se encontra nos EUA. A MC iCatching até que não era ruim não.

O palco era decorado com motivos tribais, em cima tinha uns caras fantasiados de sei lá o que, jogando água no povo, numa breguice digna da Disney.

Nessa escalação enigmática do Coachella 2009, pois não dá pra saber exatamente o que ela signfica até saírem os horários dos palcos (o que esse ano demorou muito, sendo divulgado a dias do evento), deu pra perceber desde o começo que haveria bastante repeteco.

Engraçado como isso parece algo ruim. Acostumados a ver as bandas uma vez na vida (ou então 800, quando os artistas adotam o país como segunda casa), nós aqui no Brasil estamos sempre atrás da novidade, do inédito.

Em tempos de internet esse sentimento é potencializado, tornando a perspectiva de ver uma banda pela segunda ou terceira vez em algo menor. Está longe de ser verdade.

Editada pelo criador de “Lost”, J.J. Abrams, a revista Wired desse mês (se você não leu, deveria) tem como tema o mistério. Em seu ensaio , Abrams fala de como, devido a pressa no consumo de informação, estamos perdendo o gosto por descobrir as coisas ao longo de um processo.

Isso pode se enquadrar a música de duas maneiras. No caso das novidades, poucas bandas são escutadas duas vezes. Abrams fala de como hoje se baixa discos que nunca são ouvidos, algo impensável quando se comprava os mesmos.

No caso das bandas repetidas, pode-se pensar no quanto se perde ao trocar uma audição do segundo disco daquela boa banda (ou show) que você já conhece pela pressa de ouvir algo novo, tentando se manter atualizado. Tarefa ingrata essa, se manter atualizado hoje em dia.

Nesse sentido, é legal notar que um festival que tem dez anos como o Coachella tem apenas um DVD lançado. Em vez de todo ano sair um, a organização esperar para ver quais bandas novas realmente vingaram antes de compilar os melhores momentos. O tempo é mesmo o melhor filtro.


Yeah Yeah Yeahs

Guardando energias e atrás de água, o show do Peter, Bjorn & John foi ouvido de longe. Mais um graduando, dessa vez tocando no palco principal, os suecos não decepcionaram e mantiveram a impressão de 2007, quando tocaram numa tenda: são chatos mesmo. Chega a ser inacreditável que um deles tenha produzido o disco da Lykke Li e que juntos tenham composto “Young Folks”.

No final de tarde, o YYY fez um show bom, sem empolgar o suficiente para valer uma caminhada até mais perto do palco. A boa era mesmo ficar sentado curtindo o som e dando uma espiada no telão. A essa altura, no terceiro dia, o julgamento começa a ficar nublado.


Late of the Pier, “The Enemy Are The Future”

Após jantar um taco ao som da massaroca de guitarras do My Bloody Valentine (o show todo soou como uma música só), a noite chegava perto do seu grand finale, que viria antes do final da noite propriamente dita.

As chances do Late of the Pier não emplacar eram grandes, afinal foram escalados pra tocar a noite na maior das tendas, a Sahara, quase exclusivamente dedicada a música eletrônica e derivados.

Os meninos nem ligaram. Como se estivessem tocando num pub em Londres, fizeram o mesmo show de sempre, com as danças e roupas esquisitas, a gritaria, a quebra de andamento, as camadas de sintetizador e a programações esquisítissimas.

O LOTP tem um lance bacana. É uma banda que você olha e imediatamente saca que tem um clima deles. E esse clima se espalha para o resto do que eles fazem, do som ao vestuário a postura no palco, e não o contrário. Numa época com tanta banda tentando se embalar pra parecer o que não é, isso por si só é um grande diferencial.


The Orb

Chumbado e fazendo hora pra conferir o Etienne de Crecy, passei pelo The Orb fugindo do farofento DJ set do Groove Armada (só de “Superstylin” foram umas três versões). No começo tava legal, bem dub, até descambar pra algo bem genérico entre o lounge e o house, tirando totalmente a vontade de continuar ali.


Etienne de Crecy

Botando a tampa, Etienne de Crecy e seu cubo luminoso. O electro do francês é muito bom não é de hoje e os vídeos do tal cubo no YouTube eram animadores. A verdade é que ao vivo o cenário perde um pouco do impacto, as duas dimensões das projeções ficam mais aparentes do que se pode perceber numa tela, vai entender.

Falta também um pouco de personalidade aquilo lá. Por algum motivo, tem mais cara de cenário de uma boate, onde todo DJ toca dentro daquele cubo, do que de um projeto visual feito sob encomenda para alguém.

Exausto, caminhando em direção ao carro, o primeiro assunto começou com a pergunta “e aí, voltamos ano que vem?”. Se tudo der certo, tomara que sim.

segunda-feira

27

abril 2009

1

COMMENTS

Coachella 2009, formatura no deserto (parte 4/4)

Written by , Posted in Música, Resenhas

3o dia, domingo
Mexican Institute of Sound, Friendly Fires, Sebastien Tellier, Lykke Li, Peter, Bjorn and John, Yeah Yeah Yeahs, Late of the Pier, My Bloody Valentine, Groove Armada (DJ set), The Orb e Etienne de Crecy

Nunca deixa de surpreender enorme o descompasso entre um dos maiores festivais de música do mundo e as grande mídia local. Ligar o rádio (mesmo a por satélite que pega até no carro) é ter a certeza de que o Coachella (e a interenet por extensão) ainda é um mundo paralelo.

Tirando obviedades como The Killers, não toca nenhuma das bandas do festival. Não que isso seja surpresa, claro. O que toca é hip hop comercial, atochado de auto-tuneKanye West não está mesmo sozinho nessa.

Basta uma ida ao supermercado ou dirigir uns 20 minutos pra se ouvir Soulja Boy Tell`em e o chiclete “Kiss Me Thru The Phone” (falando nele, já viu a hilária troca de gentilezas do rapper mirim com Ice T?), a irritante “Blame it” (Jamie Foxx com participação do T-Pain) e a bizarra “I Know You Want Me (Calle Ocho)” (Pitbull, uma versão da medonha “75, Brazil Street”, do Nicola Fasano, sampleando Chicago ), ao menos duas vezes cada.

Ainda bem que o último dia trazia algumas das atrações mais esperadas por esse escriba. Era o dia de matar saudades de Londres com alguns shows vistos repetidas vezes por lá.


Mexican Institute of Sound

Pra entrar no clima caliente do deserto, nada melhor do que uma banda latina, no caso o Mexican Institute of Sound, conhecidos em casa como Instituto Mexicano del Sonido, um nome muito mais legal.

Os mexicanos presentes lotaram o segundo palco ao ar livre pra balançar ao som de cumbia digital, tirações de onda com “Macarena” e hip hop temperado com tequila.

Os gringos também entraram na dança e ao final da apresentação a platéia se transformou num grande trenzinho, daqueles dignos de festa de casamento. Energéticos no palco e uniformizados, o MIS fez bonito com as misturas a metaleira, bases eletrônicas e letras divertidas. Mais um pra lista de boas bandas do México.


Friendly Fires, “Paris”

Uma dos nomes mais elogiados em 2008, o Friendly Fires inexplicavelmente tocou num horário terrível (muito cedo) e na menor das tendas.

Mesmo torrando de calor, os ingleses justificaram a fama e fizeram a alegria dos que lotaram o local e de colegas da indústria que se espremiam na lateral do palco, como o dono da Ed Banger Busy P.

Era o tipo de apresentação que cairia melhor a noite, quando a batida disco e rock de pegada eletrônica faria mais sentido. Mesmo assim, o vocalista Ed MacFarlane dançava como se estivesse escutando um som sozinho no seu quarto, rebolando como um Mick Jagger nerd enquanto batia com o microfone na cabeça.

É um show que poderia vir pro Brasil. Difícil dar errado. Pelo que li, quem não tinha visto ao vivo gostou.


Lykke Li, “Knocked up” (KoL)

Sebasiten Tellier logo depois e, dessa vez, não agradou. Demorou um tempão pra começar, acertando o som e, quando entrou, estava tudo embolado. Vestindo uma roupa sem graça, faltou o deboche que marca seus shows. Menos pior, porque não iria dar pra ver inteiro, já que Lykke Li começava antes do fim do francês.

Novamente no palco aberto menor, a loirinha sentou a puia na galera que tostava sob o sol. Toda de preto e pulando sem parar, Lykke Li mostrou um show ainda melhor do que o usual, utilizando suas mil traquitanas e sem se preocupar em posar de gatinha.

Com o público na mão, se arriscou até a tocar balada, o que poderia ser um perigo, uma vez que sob aquele sol qualquer motivo era motivo pra debandar para alguma sombra. Que nada. O pessoal ficou onde estava até o final. A sueca surpreendeu ainda com sua versão de “Knocked up”, do Kings of Leon.

Enquanto isso, aviões passavam deixando mensagens publicitárias escritas com fumaça no céu. Embora tecnicamente executadas a perfeição, era a certeza de que não há mais limite para interrupções consumistas. Mesmo assim, com boa vontade e reenquadramento, ao menos rendeu uma boa foto.

Na caminhada para o show do Yeah Yeah Yeahs, uma passagem estratégica pelo espaço secundário Do Lab onde a água não parava de cair.

Ao som de um hip hop com batidas quase trance (não é o caso do vídeo acima), o cenário do lugar era daqueles que só se encontra nos EUA. A MC iCatching até que não era ruim não.

O palco era decorado com motivos tribais, em cima tinha uns caras fantasiados de sei lá o que, jogando água no povo, numa breguice digna da Disney.

Nessa escalação enigmática do Coachella 2009, pois não dá pra saber exatamente o que ela signfica até saírem os horários dos palcos (o que esse ano demorou muito, sendo divulgado a dias do evento), deu pra perceber desde o começo que haveria bastante repeteco.

Engraçado como isso parece algo ruim. Acostumados a ver as bandas uma vez na vida (ou então 800, quando os artistas adotam o país como segunda casa), nós aqui no Brasil estamos sempre atrás da novidade, do inédito.

Em tempos de internet esse sentimento é potencializado, tornando a perspectiva de ver uma banda pela segunda ou terceira vez em algo menor. Está longe de ser verdade.

Editada pelo criador de “Lost”, J.J. Abrams, a revista Wired desse mês (se você não leu, deveria) tem como tema o mistério. Em seu ensaio , Abrams fala de como, devido a pressa no consumo de informação, estamos perdendo o gosto por descobrir as coisas ao longo de um processo.

Isso pode se enquadrar a música de duas maneiras. No caso das novidades, poucas bandas são escutadas duas vezes. Abrams fala de como hoje se baixa discos que nunca são ouvidos, algo impensável quando se comprava os mesmos.

No caso das bandas repetidas, pode-se pensar no quanto se perde ao trocar uma audição do segundo disco daquela boa banda (ou show) que você já conhece pela pressa de ouvir algo novo, tentando se manter atualizado. Tarefa ingrata essa, se manter atualizado hoje em dia.

Nesse sentido, é legal notar que um festival que tem dez anos como o Coachella tem apenas um DVD lançado. Em vez de todo ano sair um, a organização esperar para ver quais bandas novas realmente vingaram antes de compilar os melhores momentos. O tempo é mesmo o melhor filtro.


Yeah Yeah Yeahs

Guardando energias e atrás de água, o show do Peter, Bjorn & John foi ouvido de longe. Mais um graduando, dessa vez tocando no palco principal, os suecos não decepcionaram e mantiveram a impressão de 2007, quando tocaram numa tenda: são chatos mesmo. Chega a ser inacreditável que um deles tenha produzido o disco da Lykke Li e que juntos tenham composto “Young Folks”.

No final de tarde, o YYY fez um show bom, sem empolgar o suficiente para valer uma caminhada até mais perto do palco. A boa era mesmo ficar sentado curtindo o som e dando uma espiada no telão. A essa altura, no terceiro dia, o julgamento começa a ficar nublado.


Late of the Pier, “The Enemy Are The Future”

Após jantar um taco ao som da massaroca de guitarras do My Bloody Valentine (o show todo soou como uma música só), a noite chegava perto do seu grand finale, que viria antes do final da noite propriamente dita.

As chances do Late of the Pier não emplacar eram grandes, afinal foram escalados pra tocar a noite na maior das tendas, a Sahara, quase exclusivamente dedicada a música eletrônica e derivados.

Os meninos nem ligaram. Como se estivessem tocando num pub em Londres, fizeram o mesmo show de sempre, com as danças e roupas esquisitas, a gritaria, a quebra de andamento, as camadas de sintetizador e a programações esquisítissimas.

O LOTP tem um lance bacana. É uma banda que você olha e imediatamente saca que tem um clima deles. E esse clima se espalha para o resto do que eles fazem, do som ao vestuário a postura no palco, e não o contrário. Numa época com tanta banda tentando se embalar pra parecer o que não é, isso por si só é um grande diferencial.


The Orb

Chumbado e fazendo hora pra conferir o Etienne de Crecy, passei pelo The Orb fugindo do farofento DJ set do Groove Armada (só de “Superstylin” foram umas três versões). No começo tava legal, bem dub, até descambar pra algo bem genérico entre o lounge e o house, tirando totalmente a vontade de continuar ali.


Etienne de Crecy

Botando a tampa, Etienne de Crecy e seu cubo luminoso. O electro do francês é muito bom não é de hoje e os vídeos do tal cubo no YouTube eram animadores. A verdade é que ao vivo o cenário perde um pouco do impacto, as duas dimensões das projeções ficam mais aparentes do que se pode perceber numa tela, vai entender.

Falta também um pouco de personalidade aquilo lá. Por algum motivo, tem mais cara de cenário de uma boate, onde todo DJ toca dentro daquele cubo, do que de um projeto visual feito sob encomenda para alguém.

Exausto, caminhando em direção ao carro, o primeiro assunto começou com a pergunta “e aí, voltamos ano que vem?”. Se tudo der certo, tomara que sim.

segunda-feira

30

abril 2007

0

COMMENTS

Coachella 2007

Written by , Posted in Música, Resenhas

Coachella Valley Music and Arts Festival já poderia ser considerado o principal festival do mundo quando dividia suas mais de 100 atrações em apenas dois dias. Em sua oitava edição o evento conseguiu se superar, adicionando mais um dia à maratona de shows, diminuindo as coincidências de horário e facilitando, ao menos um pouco, as decisões sobre o que assistir.

De qualquer maneira, a regra geral continua valendo: com a quantidade de nomes relevantes que o Coachella concentra todo ano, não tem jeito, escolheu um show, perdeu outros dois. Esses caminhos desencontrados são o espírito do festival. Um grupo de pessoas pode ir juntas para Indio, cidade que hospeda a farra, e voltar com experiências completamente diferentes.

Além do belo visual, da quantidade de gente bacana e educada, da boa organização (apesar desse ano as coisas terem sido mais confusas do que no anterior) e da escalação assustadora, assistir ao menos trechos de apresentações à caminho de outras, na tentativa frustrada de ver tudo, também é parte do processo.

A única certeza — praticamente uma unanimidade — era de que, acontecesse o que acontecesse, a volta do Rage Against the Machine era o que de mais importante aconteceria naqueles palcos.

1º dia, sexta
Tokyo Police Club, Of Montreal, Tilly and the wall,, Arctic Monkeys, Felix da Housecat, Julieta Venegas, Busdriver, Jarvis Cocker e Bjork.

Com um público menor do que o esperado para o final de semana, sexta-feira, o tal dia extra, foi devagar. Ou tão devagar quanto o Coachella permite, visto que uma das principais atrações, o Arctic Monkeys, além de Amy Winehouse, Digitalism e Bjork, tocavam nesse dia.

Com o calor que faz no deserto onde se encontra o campo de pólo que serve de casa para o Coachella, a maior parte das pessoas chega depois do almoço. No começo da tarde, o Tokyo Police Club foi a primeira banda a atrair público para tenda Mojave, a intermediária.

Ao vivo, as boas músicas do disco soam atrapalhadas, como se faltasse ensaio ou houvesse excesso de expectativa. Logo depois, o fraco Of Montreal se apresentou no palco secundário e, com muitos problemas de som, não conseguiu segurar o público. Mais animado, na tenda, o Tilly and the Wall fez uso de fantasias e passos de sapateado para conquistar a platéia.

A vontade de conferir de perto a sensação inglesa Arctic Monkeys derrubou, de uma só vez, os shows de Amy Winehouse e Digitalism. Valeu a pena. Seguros no palco, a molecada dá conta do recado e fez um show praticamente irretocável. Som bem passado, efeitos vocais na conta, guitarra na cara, baixo empurrando e bateria certeira.

Misturando faixas dos seus dois discos, o grande desafio da banda era se adaptar a realidade da banda nos EUA, onde, fora “I bet you look good on the dancefloor”, suas músicas são praticamente desconhecidas.

Por esse motivo, o Arctic Monkeys não lotou o palco principal e foi recebido de maneira fria, como se o público estivesse os conhecendo naquele momento. Certamente, bem diferente das multidões de 50 mil pessoas enlouquecidas com a qual estão acostumados em casa.

Da abertura, com uma música desconhecida emendada em “Brianstorm”, do disco novo, até o encerramento com “A certain romance”, o vocalista Alex Turner brincou com a situação à todo instante.

Desconcertado, fez graça com os poucos fãs que pulavam, pediu aplausos “ao menos para o bonito entardecer” e, após “Dancing shoes”, “If you were there, beware”, “Fake tales of San Francisco” e “When the sun goes down”, deve ter saído do palco com a certeza de que, se o caminho para uma banda inglesa nos EUA nunca é fácil, seguramente o ótimo show ajudará a abrir portas.

A repercussão positiva já começou. Não por coincidência, o show do Arctic Monkeys foi um dos primeiros a aparecer integralmente na rede .

A correria para ver ao menos um pedacinho do Digitalism foi em vão. Sem motivo aparente, o set terminou antes da hora marcada e, em seu lugar, Felix da Housecat farofava a pista com “Song 2” (Blur) e um remix do Franz Ferdinand.

Julieta Venegas agitou os latinos enquanto o Jesus and the Mary Chain fazia um dos shows mais altos do festival (com a participação da atriz Scartlett Johansson em “Honey”), servindo de trilha para o jantar.

Na menor das tendas, a Gobi, o rapper Busdriver cantava sobre bases programadas na hora por uma dupla, não se restringindo a batidas de hip hop e passeando até pelo drum ‘n’ bass. Enquanto isso, Jarvis Cocker, ex-Pulp, cantava “Cunts still rulling the world” (“Babacas ainda mandam no mundo”), dando o tom de protesto que marcaria várias apresentações e, também, o próprio festival.

Coube a Bjork a tarefa de encerrar o primeiro dia de shows. Não foi a primeira vez que a cantora se apresentou no Coachella, ela já esteve no deserto em 2002.

Qualquer coisa que envolve a islandesa é cercada de expectativa e Bjork não decepcionou. De pés descalços, ela subiu no palco lotado de bandeiras com uma maquiagem pesada escondendo a testa, laranja, combinando com os fios coloridos que voavam dos seus ombros e da barra saia.

A formação da banda era pouco usual. Lançando disco novo, “Volta”, co-produzido por Timbaland, as músicas estão distantes do que foi feito em “Medulla”, feito inteiramente utilizando vocais.

Além de um baterista/percussionista e das programações eletrônicas, um grupo de cerca de 10 pessoas fazia o coral e os sopros (é de se imaginar a quantidade de testes necessários para se achar músicos de qualidade para exercer essas duas funções).

Sucessos de sua carreira como “All is full of love”, “Hyberballad” e “Arm of me”, em arranjos totalmente diferentes, abriram caminho para novidades, como a pancada “Declare independence” .

No telão e em TVs espalhadas pelo palco, imagens de mãos manipulando máquinas digitais através de um monitor touch screen, confundiam. Mesmo com os movimentos bruscos nos botões, não se percebia modificações no som, levantando a dúvida se não se tratava apenas de um efeito visual, como no trabalho de um VJ.

O show acabou pouco depois da meia-noite, hora de ir dormir e descansar para o sábado. E esse foi o dia mais calmo.

2o dia, sábado
The Cribs, The Fratellis, Hot Chip, MSTRKRFT, Peter, Bjorn and John, Kings of Leon, Ozomatli, Justice, LCD Soundsystem, The Rapture e The Good, The Bad and The Queen.

Como era de se esperar, alguma hora escolhas complicadas teriam que ser feitas. Nesse processo, The Nightwatchman, projeto solo de Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine, perdeu a vez para seqüência Hot Chip / MSTRKRFT, Girl Talk (muito bom, pelo que falaram) ficou em algum lugar entre Ozomatli e Justice e o Arcade Fire providenciou som de fundo para pizza.

Ainda assim, os stands de cunho político, a maior parte protestando contra a guerra no Iraque ou pedindo o impeachment de Bush, estavam sempre cheios. O assunto cresceu muito da edição passada para cá e houve farta distribuição de panfletos, bandanas e pedidos para participar de abaixo assinado.

Às vezes os argumentos para convencer as pessoas eram tão fracos quanto “você veio assistir o Rage? Então, o Tom Morello quer que você assine, foi ele quem montou essa barraca”. Por mais que o momento político seja sério e a música estar fortemente relacionada a esses movimentos, fica a dúvida se esse é o melhor caminho para se angariar simpatizantes à causa. Qualquer causa.

Afinal, mesmo com os recorrentes discursos durante os shows, política não é entretenimento. As pessoas estavam lá para se divertir e, embora houvesse sempre gritaria nesses momentos, é difícil saber se saem de lá dispostas a mudar alguma coisa.

O dia começou com The Cribs, bem ruim, seguido do The Fratellis, esse um bom show até. Mesmo assim, a mistura de rock e country que o trio faz ao vivo, só agradou mesmo com a mais conhecida, “Chelsea dagger”.

As quatro da tarde, começou a seqüência dançante. Primeiro veio o Hot Chip. Fazendo tudo ao vivo, sem programações, o quinteto toca de pé, cada um comandando, lado a lado, seu sintetizador, lembrando a disposição do Kraftwerk no palco, não fossem as roupas bem mais alternativas do que os ternos dos alemães.

Além dos sintetizadores, dois integrantes se revezam na guitarra, percussão e vocais e o resultado é um show interessante. A tenda ficou cheia e não apenas durante a versão alucinada do hit “Over and over”. O calor fazia o lugar parecer uma sauna, mas nada como uma cover do New Order (“Temptation”, inserida em “No fit state“) para levantar a galera.

O sol continuava a pino quando o MSTRKRFT começou a tocar na Sahara, a maior das tendas. Palco de quase todas as atrações eletrônicas do festival, a Sahara é um dos lugares mais animados do Coachella. Não importa quem estiver tocando, está sempre lotado de gente urrando a cada virada.

O DJ set pesado, com algumas interferências e efeitos ao vivo, começou com músicas da sua estréia, “The looks”, dando uma certa sensação de se estar simplesmente ouvindo o disco. Quando a dupla começou a desviar desse caminho, era hora de ir para o palco principal.

Em sua passagem pelo Brasil, dois anos atrás, abrindo para o Strokes, o Kings of Leon não deixou uma boa impressão. Na época, já dono de dois ótimos discos, o show foi abaixo de qualquer expectativa.

A velocidade com que grupos muitas vezes são catapultados ao sucesso nesses tempos de internet tem a ver com isso. Em alguns casos, a banda sequer tocou ao vivo o suficiente para ter qualquer cancha de palco e se joga em uma turnê mundial, aprendendo no caminho.

Felizmente, o KoL parece ter aprendido com a estrada. Tocando durante o pôr-do-sol — literalmente o horário de ouro do festival — e liderados por Caleb, a família Followill (três irmãos e um primo) fez bonito, caprichando nos hits (“King of the Rodeo”, “Taper jean girl”, “Molly’s Chambers”, “California Waiting”, “On call”, My party”, “The bucket”…), atraindo mais e mais gente a medida que eram ouvidos com clareza à distância.

O show finalmente faz jus a discografia ascendente do quarteto (o recém-lançado terceiro, “Because of the times”, novamente é melhor que o antecessor), numa bela redenção.

A realidade é que o Coachella é um evento essencialmente indie. O maior deles, é verdade, mas ainda assim indie. Por isso, é tão importante para fãs e para as bandas, mesmo as que já são conhecidas em vários países.

No deserto, com todos reunidos no mesmo lugar, acontecem shows em proporções maiores que as normais, consolidando carreiras e impulsionando outras.

Depois do escurecer o evento se transforma um bocado. Tal qual no Rio, muita gente aparece apenas para badalar na área VIP e redondezas, sem se importar muito com os shows. Estamos no quintal de Los Angeles, com toda fanfarronice que isso pode significar.

Para quem está lá só de passagem, o que conta mesmo são os nomes estabelecidos. No sábado, era a noite do Red Hot Chilli Peppers e muita gente estava lá apenas para isso mesmo.

Numa rápida viagem do Tennessee para fronteira com o México, via Baja California, o Ozomatli foi anunciado na tenda Mojave como “a melhor banda do festival” por um auto-identificado “prefeito de Coachella”.

Atualmente com nove membros oficiais, o Ozomatli é um retrato da mistura étnica dos EUA, com uma considerável supremacia latina, tanto entre os integrantes quanto na sonoridade, embrulhando cumbia, rock, reggae e hip-hop.

As letras de apelo social, somado ao ativismo dos integrantes, garante ao Ozo um público diverso e fiel, onde quer que estejam tocando. Numa mesma música, você pode ouvir a linha de baixo de “Sleng teng” e uma citação a “Love will tear us apart”.

As palmas e assovios insistentes só aumentaram depois que a banda, atrasada, tocou clássicos como “Cumbia de los muertos”. No final, apoteótico, a banda desceu do palco e tocou no meio da tenda, numa quebra de protocolo e tanto, considerando-se o rigor norte-americano.

Na tenda ao lado, os franceses do Justice terminavam seu set. Festejados como “o novo Daft Punk” (e não apenas por terem o mesmo empresário, Pedro Winter, o BusyP) e considerados o “artista de 2006” pela revista XLR8R, o principal nome da gravadora Ed Banger (também de Winter) chegou forte.

Com onda de rockstar, a dupla estava cercada de amplificadores Marshall e, logo à frente deles, uma grande cruz brilhava, também replicada nos telões. O que exatamente eles faziam atrás da mesa não dava pra ver, somente os cabos que saíam dos equipamentos eram visíveis.

Como numa versão gigante de seu maior hit, o remix “We are your friends”, o Justice passou o set entrando e saindo da música, utilizando diversos caminhos, fosse a sirene de “Atlantis do Interzone” (Klaxons) ou órgãos de igreja, entre “D.A.N.C.E.” e “Waters of Nazareth”.

É interessante notar como essa nova geração francesa não tem o tradicional pudor anglo-fóbico, apropriando-se do inglês sem cerimônia, como fez o Daft Punk, para conquistar o mundo.

O público entrou no clima rock n roll, dando moshes e fazendo e rolando sobre a cabeça um dos outros, para alegria de Winter que estimulava a farra enquanto filmava tudo. Arrebentar no Coachella, na sua primeira apresentação ao vivo, só pode reverter coisas boas.

James Murphy pegou a galera quente e manteve a temperatura fervendo. À frente do seu LCD Soundsystem, vestindo blusa social e calça brancas e empunhando seu microfone como um crooner, Murphy veio disposto a sacudir a tenda.

“Tribulations”, “Daft Punk is playing at my house” e “All my friends”, “Movement” e “North american scum” apareceram retas, com menos groove, porém com mais peso e pressão. Além de Murphy, o show teve a participação do guitarrista do Hot Chip, Al Doyle e de uma tecladista, tornando a banda um pouco maior da formação que se assistiu no Brasil, ano passado.

O auge veio na penúltima música, “Yeah”, numa catarse coletiva, no palco e na platéia. Murphy espancava seus timbales, Doyle quicava no jam block (aquela espécie de agogô de plástico) e até um assistente foi tocar percussão. O povo dançava sem parar e no telão só se via um globo girando, lembrando a capa do primeiro disco do LCD.

Fugindo da obviedade, para o encerramento Murphy escolheu o anti-clímax, terminando com a balada “New York I love you”, ode à sua cidade natal. Com o jogo ganho, ele resolveu fazer seu desabafo. Justo.

Nos bastidores, James Murphy abraçava os integrantes do The Rapture, descoberta da sua gravadora, a DFA, antes de começarem o show com uma hora de atraso, algo totalmente for a dos padrões do Coachella.

Mais uma banda que cresceu bastante desde que surgiu, como comprova o excelente “Pieces of the people we love”, segundo disco dos nova-iorquinos, o Rapture praticamente se tornou outra banda desde que passou pelo Brasil alguns anos atrás. Já é hora de voltarem.

Empolgadissímos com a recepção do público e com a tarefa de encerrar os trabalhos na tenda Sahara, o Rapture fez uma das melhores apresentações de todo festival. O grupo foi de “Sister saviour” à “Don gon do it”, de “Whoo! Alright – Yeah…Uh Huh” à “Olio”, fazendo esquecer que eles um dia tiveram um hit indispensável, “House of jealous lovers”.

A música, óbvio, foi tocada e um tanto perdida em meio a tantas outras, melhores, parecia apenas confirmar o enorme potencial da banda. O bonito telão com efeitos retrô mostrou os três moshes do vocalista Luke Jenner, para alegria da turma do gargarejo.

O atraso do Rapture foi acompanhado pelo The Good, The Bad and The Queen, no palco Outdoor, o que acabou possibilitando assistir os dois shows.

Novo projeto de Damon Albarn, o TG,TB&TQ; conta com Tony Allen (Fela Kuti) na bateria, Paul Simonon (Clash) no baixo e Simon Tong (Verve) na guitarra.A formação luxuosa é o que chama mais atenção. No entanto, ao vivo, como também no disco, a promessa não se cumpre.

Com uma atitude um tanto blasé no palco e tocando baixo como se estivessem num clube de jazz, as músicas perderam bastante ao vivo. Além dos quatro, havia um tecladista e um arranjo de cordas de apoio, todos fantasiados de sobretudo e cartola.

Em vez de um encontro de talentos, a impressão é de uma banda liderada por Albarn, onde se busca não um objetivo comum, mas sim atingir o objetivo dele. Num lugar menor e fechado o TG,TB&TQ; deve render melhor.

Desnecessário mesmo, somente a participação de um MC apresentado como sendo da Síria, mas sem sotaque nenhum quando cantou em inglês. Seja como for, só ver Tony Allen e Paul Simonon tocando já valeria a pena.

3o dia, domingo
Lupe Fiasco, Tapes ‘n tapes, Explosions in the Sky, The Roots, CSS, Klaxons, Crowded House, Manu Chao e Rage Against the Machine.

Último dia, a saideira. Dia também de poupar todas as energias para o aguardado retorno do Rage Against the Machine.

Conseguir um bom lugar para assistir a volta do RATM custou os shows de Lily Allen (que segundo me contaram, esqueceu as próprias letras), Air, Ratatat e a discotecagem do Adam Freeland, sem falar no Spank Rock, que tocava no mesmo horário.

Entretanto, a tarde estava livre. Pupilo de Kanye West, Lupe Fiasco não chegou nem perto do que seu mestre fez ano passado. A principal diferença era que enquanto Kanye tinha uma banda, Lupe contava apenas com um DJ, fazendo o palco principal parecer ainda maior. O Tapes ‘n tapes também não foi bem.

Responsáveis pelo primeiro grande show do dia, os texanos do Explosions in the Sky hipnotizaram os que agüentaram ficar 40 minutos sob um sol escaldante e uma chuva de garrafas d’água abertas.

Atiradas pela produção do festival à dez metros de altura, sem nenhum propósito, a intenção de refrescar a cuca da rapaziada resultou num bombardeio perigoso, machucando algumas pessoas, atrapalhando o show. Uma mangueira seria bem mais eficaz.

A música instrumental que saía das três guitarras (uma delas eventualmente substituída por um baixo) e bateria do EITS cairia bem melhor no final de tarde, sem dúvidas. Ignorando o calor absurdo, o quarteto fez uma apresentação vigorosa, alternando melancolia e peso em apenas seis músicas, como uma trilha sonora para um sonho calorento.

O The Roots veio em seguida, tocando bases de tudo quanto é coisa, mais até que músicas próprias. “Iron man” (Black Sabbath) + “Where’s your head at” (Basement Jaxx), uma medley de Miami bass, com direito a “Push it” (Salt-N-Pepa), “That’s why I’m hot” (Mims), “Jungle boogie” (Kool & The Gang) e uma versão assassina de “Masters of war” (Bob Dylan), com a melodia do hino americano e um solo de Tuba Gooding Jr. Tudo amarrado pelo ritmo preciso de ?uestlove, o baterista de hip hop mais competente da paróquia. Fino demais.

A dobradinha Klaxons / Cansei de ser Sexy impediu um repeteco do congotrônico Konono Nº 1, que já tocou no Brasil num PercPan. Assistir o CSS no Coachella era praticamente obrigatório.

A tenda não estava lotada, mas estava bem cheia e recebeu muito bem os paulistanos. De maiô azul e com um óculos pintado no rosto, o carisma da cantora Lovefoxxx dobra a gringalhada em dois tempos e rapinho todos estão sob o seu encanto.

Paris Hilton circulava pela tenda pouco antes do show. Durante “Meeting Paris Hilton”, lá estava ela na lateral do palco, achando o máximo ser zoada no refrão “the bitch said yeah”.

Antes da versão de “Pretend we’re dead” (L7), Lovefoxxx disse que tocariam uma cover do Daft Punk. O público ficou sem entender, mas aceitou a brincadeira. Como acontece com outras bandas no Coachella, o melhor momento do show foi na música mais conhecida, “Let’s make love and listen do Death from Above”.

Sai o CSS, entra o Klaxons, a maior surpresa do festival. Quem escuta o disco “Myths of the near future” fica sem entender o motivo de tanto blá blá blá em torno da banda. Ao vivo, os ingleses justificam o buchicho.

Depois de ver o show, o termo new rave continua não fazendo sentido nenhum. O bumbo é reto, a música é dançante, eles tocam a cover de “The bouncer” (Kicks like a mule) e os bastões fluorescentes voam de um lado pro outro, sim. Acontece que mesmo assim o Klaxons continua sendo uma banda de rock.

O estilo de cantar do vocalista, a pegada das guitarras, os efeitos eletrônicos, os coros, cada elemento contribui para uma sonoridade que tem personalidade, ao mesmo tempo suja e dançante. O que nas gravações soa cru demais, ao vivo torna-se visceral. “Atlantis do Interzone”, “Gravity’s Rainbow”, “Golden skans” e “Magick” melhoram demais no palco.

A dificuldade de classificar ou comparar o Klaxons com qualquer outra banda deve ter colaborado para fazer o termo pegar, mesmo sendo bobo. Porque independente de qualquer rótulo, é bom a beça.

Faltando mais de duas horas para o show do RATM, o palco principal já estava bem cheio. A solução foi aturar o show do Crowded House (“Hey now, hey now, don’t dream it’s over…”) até o Manu Chao fazer uma abertura decente para o quarteto raivoso.

Escalar Manu Chao y Radio Bemba Sound System para o tocar imediatamente antes da principal atração do festival provou-se um acerto e tanto. Não somente pelas letras de protesto ou por ele cantar em espanhol, se comunicando bem com a imensa comunidade mexicana que aguardava o Rage. Principalmente porque enfrentar uma massa de mais de 60 mil pessoas (falou-se em 100 mil, o que parece um exagero) não é pra qualquer um.

Sem tremer, e aproveitando a platéia gigantesca, Manu falou diretamente contra Bush e cantou suas canções. Algumas das mais conhecidas em arranjos diferentes, boa parte delas explodindo em um ska no final. A influência dos riddims jamaicanos no trabalho de Manu fica ainda mais claro ao vivo, quando os mesmos acordes servem de base para diferentes músicas.

Do momento que Manu terminou o show, pontualmente às 22h15, até o apagar das luzes para o RATM, só se ouvia uma coisa: “Rage! Rage! Rage!”.

As boas imagens do telão do palco principal, durante todo o festival (provavelmente os shows estavam sendo filmados para um DVD), guardou um capricho para o final. Nos minutos imediatamente anteriores ao show, o público pode acompanhar imagens do Rage Against the Machine nos bastidores, da saída dos camarins até a triunfal entrada no palco.

Mesmo na escuridão, era possível identificar os rostos de cada integrante quando pipocavam os flashes. Bastou Zack aparecer para gritaria começar.

O Rage se ajeitou no palco, Zack fez a apresentação básica (“Nós somos o Rage Against the Machine, de Los Angeles, Califórnia”) e Tom Morello matou a curiosidade geral sobre qual música acabaria com sete anos de jejum com a inconfundível guitarra de “Testify”.

Daí pra frente foi série de petardos, emendados um no outro: “Bulls on parade”, “People of the sun”, “Bombtrack”, Bullet in the head”, “Down Rodeo”, “Guerrila Radio”, “Renegades of funk” (Afrika Bambaataa), “Calm like a bomb”, “Sleep now in the fire”.

Nada mudou, tudo continuou perfeitamente igual, como se a banda nunca tivesse parado. Morello tocou com um boné onde lia-se “Unite!” e sua guitarras com frases de protesto (“Arm the homeless”, “Sendero luminoso”). Zack, hoje com 37 anos, cuspiu as letras com o rosto franzido e a mesma revolta de quando tinha vinte e poucos.

Na cozinha, as linhas tortas de baixo de Tim Commerford e a batera seca de Brad Wilk acentuavam a influência do hip hop, elemento unificador do RATM. Como numa base de rap, o dois fazem as batidas e Tom Morello os efeitos para o Zack cantar em cima.

Assistir o Rage Against the Machine deve ser bom em qualquer lugar. Assisti-los tocar em casa, saudando a platéia com um “what’s up Los Angeles”, certamente está alguns níveis acima. A identificação do RATM com a cidade é enorme.

Generalizando, existem dois tipos de mexicanos nos EUA: os que falam inglês sem sotaque e os que não falam ou tem o sotaque carregado. Pode parecer uma besteira, mas esse simples fator pode determinar o destino de um latino em LA.

Normalmente, os que não tem sotaque, tem nomes em inglês e são vistos como mais “americanos”, ou no mínimo melhor adaptados, que os outros. As famílias que insistem em suas tradições, mantém o espanhol em casa e os nomes latinos geralmente não são bem vistas pela sociedade.

Descendente de mexicanos, Zack, como o nome sugere, pertence ao primeiro grupo. Seu desconhecimento do espanhol manteve sua pronúncia primorosa do inglês. Isso não impediu, no entanto, de olhar para o outro grupo, com o qual sempre esteve mais identificado, tornando-o o porta voz ideal para as questões dos imigrantes (os mais pobres).

Como o gorducho Michael Moore e seu inseparável boné de beisebol à criticar o meio de vida norte-americano, Zack consegue espalhar, despercebido, suas mensagens pelos subúrbios americanos, quase como se fossem inofensivas. É o disfarce perfeito.

Tom Morello afirmou em algumas entrevistas, de maneira presunçosa, que não é coincidência os acontecimentos dos sete anos de administração Bush terem ocorrido justamente no hiato da banda. É um exagero, certamente, mas o fato é que nenhuma banda conseguiu chegar perto do alcance que as mensagens do RATM alcançaram em seu auge.

A comunidade latina sabe disso e aponta para o próprio braço quando canta o refrão de “Down Rodeo”. “I’m rolling down Rodeo with a shotgun, these people ain’t seen a brown skin man since their grand parents bought one” (“Estou descendo a Rodeo [Drive, a Oscar Freire de LA] com uma escopeta, essas pessoas não vêem um latino desde que seus avós compraram um”).

Zack só voltou a se dirigir a platéia durante “Wake up”, quando fez um violento discurso de pouco mais de um minuto, em que afirmou que a atual administração Bush deveria ser julgada, enforcada e fuzilada, como foi feito com os nazistas. A polêmica, logicamente, já começou e os blogues da direita norte-americana se apressaram em classificar a fala como anti-democrática e gratuitamente agressiva.

(A íntegra do discurso: “(I THINK I HEARD A SHOT!) A good friend of ours said that if the same laws were applied to US presidents as were applied to the Nazis after WWII, that every single one of them, every last rich white one of them, from Truman on, would have been hung to death and shot. And this current administration is no exception. It should be hung, and tried and shot, as any war criminal should be. For the challenges that we face, they go way beyond administrations, way beyond elections, way beyond every four years of pulling levers, way beyond that. Because this whole rotten system has become so vicious and cruel, that in order to sustain itself, it needs to destroy entire countries and profit from their reconstruction in order to survive. And that’s not a system that changes every four years, it’s a system that we need to break down, generation, after generation after generation, after generation, after… (WAKE UP!)”)

“Wake up” encerrou a parte principal do show. O Rage voltou para tocar “Freedom” e “Killing in the name”, antes de terminar de vez a apresentação. Ao final, Zack foi abraçado pelos outros integrantes, recebendo as boas vindas de volta, enquanto agradecia, sem parar, os aplausos.

O Rage Against the Machine está de volta. E esse é o discurso mais incisivo que Zack poderia fazer.