segunda-feira

4

dezembro 2006

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Trovão

Written by , Posted in Resenhas

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foto: Beti Niemeyer/divulgação

Confirmando as suspeitas de que o desatre sonoro presenciado no show do New Order, duas semanas atrás, era fruto de uma passagem de som mal feita, Bethânia encantou com um som tinindo no Vivo Rio nesse final de semana.

Decorado com cenário e iluminação climáticas e com uma grande banda de acompanhamento, o palco, grande, fica do tamanho de um caixote de feira com a presença de Bethânia. Isso mesmo antes dela trovejar com seu vozeirão.

Teatral, a cantora domina sozinha o espaço no seu novo show, “Dentro do mar tem rio”. Divido em dois atos, o espetáculo traz músicas dos seus dois recém-lançados discos, “Mar de Sophia” e “Pirata”.

As mais de 30 canções são intercaladas por textos e poemas recitados por Bethânia. Os arranjos, potentes, são perfeitos para proposta, trazendo mais força para músicas como “Asa branca” (o que por si só não é tarefa fácil) e “Debaixo d’água”, de Arnaldo Antunes, que vira um quase-rap.

Contrariando a orientação dos produtores do show, a venda de bebidas e quitutes continuou durante toda a apresentação. Além de dispersivo e desrespeitoso com artista e público, não é exagero dizer que o vai-e-vem dos garçons com bandejas por um espaço reduzidíssimo é perigoso, embora os funcionários não tenham culpa disso.

Prova disso foi o copo de vidro que caiu na cabeça de uma pessoa sentada à minha mesa, se espatifando no chão e espalhando cacos pra todo lado. Não satisfeitos com a lambança, o gerente insistia em conversar a respeito durante o show. Quando terminou, ninguém veio sequer se desculpar.

No momento político do show, Bethânia lê o texto “Ultimatum”, de Álvaro de Campos (vulgo Fernando Pessoa), de 1917, provocando longos aplausos da platéia:

Mandado de despejo aos mandarins do mundo
Fora tu reles esnobe plebeu
E fora tu, imperialista das sucatas
Charlatão da sinceridade e tu, da juba socialista, e tu qualquer outro.

Ultimatum a todos eles e a todos que sejam como eles todos.
Monte de tijolos com pretensões a casa
Inútil luxo, megalomania triunfante
E tu Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral que nem te queria descobrir.

Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular
Que confundis tudo!
Vós anarquistas deveras sinceros
Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores para quererem deixar de trabalhar.

Sim, todos vos que representais o mundo, homens altos passai por baixo do meu desprezo
Passai, aristocratas de tanga de ouro,
Passai frouxos
Passai radicais do pouco!

Quem acredita neles?
Mandem tudo isso para casa, descascar batatas simbólicas
Fechem-me isso a chave e deitem a chave fora.
Sufoco de ter só isso a minha volta.

Deixem-me respirar!
Abram todas as janelas
Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo.
Nenhuma idéia grande, nenhuma corrente política que soe a uma idéia grão!

E o mundo quer a inteligência nova
O mundo tem sede de que se crie
O que aí está a apodrecer a vida, quando muito, é estrume para o futuro.
O que aí está não pode durar porque não é nada.

Eu, da raça dos navegadores, afirmo que não pode durar!
Eu, da raça dos descobridores, desprezo o que seja menos que descobrir o mundo novo.
Proclamo isso bem alto, braços erguidos, fitando o Atlântico
e saudando abstratamente o infinito.

Poderia ter sido escrito ontem. Pena que não foi.

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5 Comments

  1. pedro
  2. Rod
  3. Fils
  4. Sonia

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