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setembro 2015

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Transcultura #172: Carta Psiconáutica // Nao

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Texto originalmente publicado na “Transcultura”, coluna que publico todas as sextas no jornal O Globo. Esse foi a derradeira edição, encerrando um ciclo de 5 anos da coluna. Foi demais!

De Mente Aberta
Da sálvia ao guaraná, passando pela cannabis e pela coca, elas são catalogadas em obra do antropólogo Pedro Luz
por Bruno Natal

Antropólogo e etnobotânico, Pedro Luz é uma figura respeitada por seus extensos conhecimentos. Foi por isso que um grupo de 50 amigos e fãs dos seus relatos, incluindo diversos nomes do mundo das artes como Marcos Palmeira, Estevão Ciavatta e Nina Becker, realizaram uma campanha de financiamento coletivo para que o autor pudesse ter tranquilidade para escrever “Carta psiconáutica” (Editora Dantes). O recém-lançado livro cataloga e apresenta plantas psicoativas, cobrindo desde os seus aspectos botânicos e micológicos até seus efeitos físicos, mentais, usos medicinais e impacto cultural ao longo da História.

Folheando as páginas se aprende sobre peiote, sálvia, beladona, ayahuasca, cannabis, coca, papoula, assim como guaraná, cola e erva-de-gato, Apesar de conter relatos detalhados de psiconautas (aqueles que usam estados alterados da mente para estudá-la), o livro está longe de ser uma espécie de “manual do doidão” ou “guia prático de viagens psicodélicas”. É, sim, um rico registro dessas plantas, tanto do ponto de vista histórico quanto do cultural, incluindo seus usos psicoativos.

— Pedro Luz é um cientista que de fato experimenta as plantas e conhece o efeito delas. E isso é raro, poucos experienciam dessa forma, a exemplo de Freud — diz o artista plástico Luiz Zerbini. — Ele fala sobre alguns povos que não existem mais e como fizeram uso dessas plantas, que ainda estão aí.

Outro colaborador do financiamento coletivo, o também artista plástico Ernesto Neto concorda.

— Uma vez eu passeei pelo Jardim Botânico com o Pedro e ele começou a falar das plantas de uma maneira tão profunda e tão poética que eu comecei a me sentir em um outro universo, como se estivesse penetrado em uma dimensão das plantas — afirma Neto.

Atualmente morando em Timbó, Santa Catarina, e pai de cinco filhos, Luz diz que mais importante que o próprio livro foi o aspecto coletivo que possibilitou a sua existência.

— O livro vem imbuído da sinergia da soma, da força de todas essas pessoas no produto. Isso por si só já é maravilhoso. O livro não é meu, o livro é de todo mundo que se uniu para permitir sua publicação. Espero ter honrado todos os pesquisadores e empíricos, todos os psiconautas, pajés, xamãs, todos esses povos que fazem uso dessa ferramenta incrível para a descoberta e o trabalho do mundo espiritual que são as plantas psicoativas

Na semana do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da posse de substâncias ilícitas para consumo pessoal, a editora Anna Dantes acredita que é hora de seguir o epíteto de Burle Marx de que cultura é uma coisa só e integrar as plantas ao universo artístico e cultural.

— O fato de as plantas ainda serem proibidas é um tema em ebulição no Brasil. O livro abre a discussão sobre plantas ainda serem vistas como ameaças à sociedade. “Carta psiconáutica” reúne a noção de indivíduo utilizada por biólogos para plantas e a noção do sagrado nos espíritos das plantas pelos povos nativos. Acreditamos que se a cultura não realizar esse salto estaremos sempre abordando esse tema com dicotomia — diz Anna.

Na introdução, Luz explica como os movimentos nômades de populações coletoras-caçadoras, há milhares de anos, sempre em busca de comida para saciar sua dieta composta 70% de vegetais, provocou repetidos encontros com novas plantas psicoativas. Há quem credite a origem do pensamento mágico/religioso a esses encontros e experiências. Por isso, mesmo concordando que o tema seja controverso, Luz toma posição contra o preconceito em relação às plantas psicoativas.

— Quando você penetra nesse universo e conhece as pessoas que nos legaram essa tradição ao longo de milhares de anos, você vê que só coisa boa vem daí, só há energia positiva nisso — declara Luz. — Há pessoas que abusam e têm dependência, mas o vício dificilmente é de planta, e sim de compostos isolados. Essas plantas ajudam a curar pessoas com problema de adicção, então não se deve confundir o elogio às plantas psicoativas com outra coisa. O que faço no livro é uma homenagem às pessoas que têm esse conhecimento.

O livro é repleto de exemplos de usos culturais de plantas e fungos, e não apenas para expansão da mente. Durante a Idade Média na Itália, pupilas dilatadas, provocando um olhar estático e intoxicado, eram tidas como símbolo de beleza valorizado. Para atingir esse visual, as nobres damas pingavam gotas de extrato de beladona nos olhos. A prática terminou por batizar a planta. Cogumelos são desenhados nas paredes de cavernas desde a pré-História, além de terem servido de inspiração para o clássico de Lewis Carroll, “Alice no País das Maravilhas”.

Os dez capítulos, divididos entre diversos tipos de fungos, plantas estimulantes, narcóticas, calmantes, cactáceas e ayahuasca são ilustrados pela artista plástica Julia Debasse.

— Fiquei muito feliz com o resultado. É um livro importante por si só, mas para mim é um caso de família — diz Julia, que é sobrinha de Pedro Luz. — É uma colaboração fundamentada no amor. Não faria sentido essas ilustrações não serem entregues aos colaboradores do livro. Essas ilustrações precisam ficar junto com o livro.

Tchequirau

Produzida por A.K. Paul, irmão do cultuado Jai Paul, “So Good”, colaboração com a cantora inglesa Nao, é um r&b retro-futurista de cair o queixo.

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