Transcultura #097: O fim do indie? // DJ Aerobics
Written by urbe, Posted in Digital, Imprensa, Música
ilustração: Leonardo Uzai
A versão extendida do meu texto da semana passada (mais longa do que saiu no Segundo Caderno ou no Globo Online) da coluna “Transcultura”, que publico todas as sextas no jornal O Globo:
O fim do indie?
Uma análise sobre a cartilha – e as eventuais concessões – que bandas e artistas independentes seguem para atingir o sucesso
por BrunoNatal
Passado a euforia inicial da libertadora ideia de que, com as ferramentas atuais, qualquer um pode montar um projeto de música e divulgá-lo, eventualmente até conseguindo alguns fãs, começa a rebordosa. É banda demais.
Claro, ninguém é obrigado a ouvir tudo (ou nada, a bem da verdade). A questão é que, na pressa de entrar na nova ciranda que se formou, cada vez mais autores lançam mais projetos, mais rápido, com mais pressa, sem deixar o necessário tempo de maturação acontecer. Isso exige paciência e perseverança do ouvinte. Muitas vezes o que se está escutando são apenas ideias, rascunhos de algo que só estará pronto dali um tempo. Em tempos de vida em beta e ao vivo, as bandas se formam na frente do público.
Por muito tempo bandas independentes esperaram o dia que conseguiriam se firmar comercialmente, sem depender de gravadoras multinacionais, acordos suspeitos ou fazer concessões artísticas. Era um sonho distante, movido mais por uma afirmação estética e conceitual de um movimento do que propriamente potenciais ganhos financeiros. Há pouco mais de dez anos, tudo mudou.
A história você conhece, do Napster em diante o ambiente digital proporcionou que bandas, milhares delas, finalmente encontrassem seus públicos. Com a galopante falência do modelo antigo, foi apenas questão de tempo para que o inevitável acontecesse e a cena independente conquistasse uma fatia considerável do mercado. Primeiramente através da pulverização e de nichos, até que o inimaginável aconteceu. Uma banda com todas as credenciais indie dos anos 2k como o Vampire Weekend (se não ao som, no que diz respeito aos métodos de trabalho) chegou com seu segundo disco, “Contra”, ao topo da mais comercial das paradas, a Billboard.
Estava então consolidada uma nova dinâmica comercial. Uma banda “de internet” podia furar a bolha e conquistar o grande mercado. Apesar do número 1 impressionar, não foi uma conquista exclusiva do VW, mais e mais nomes conseguiram se estabelecer por vias parecidas nos últimos anos. Como tudo na vida, o óbvio lado positivo dessa escalada indie (extremamente resumida aqui), veio acompanhado de aspectos negativos.
Aberta a nova corrida do ouro, com a velocidade típica da rede, bandas e mais bandas começaram a se moldar, tentando seguir um (nem tão) imaginário livro de regras para se dar bem no cenário atual.
Acontece que “se dar bem” tornou-se um conceito um bocado elástico. Como escreveu Carles no blog Hipster Runoff, dos EUA, no recente artigo “How indie finally ofifcially died: the broken indie machine” (“Como o indie finalmente oficialmente morreu: a máquina indie quebrada”), entre alguns resmungos exagerados, o velho sistema foi substituído por um novo, igualmente sufocante, ainda que menos poderoso.
Em vez da benção de gravadoras e rádios, para sobreviver nesse ecossistema artistas precisam passar por determinados sites e blogues – uma lista específica deles – e/ou participar de ações publicitárias.
Os malefícios dessa engrenagem contemporânea são mais complexos. Na busca desesperada por não ficar atrás dos concorrentes (seja lá o que isso queira dizer), esses veículos online perdem sua caracterísica definidora, o papel de filtrar informações, preferencialmente com personalidade, e comem de colher tudo que é oferecido por bem estruturadas máquinas de divulgação disfarçadas de assessorias de imprensa.
O resultado é uma série de sites repetindo o mesmo conteúdo, todo santo dia, assemelhando-se a cobertura da grande imprensa no que tem de pior. A pasmaceira chega ao ponto das listas de melhores do ano serem praticamente idênticas, mundo afora, como se fossem um teste de múltipla escolha, onde existem respostas certas e erradas, e não seleções independentes e pessoais, indicativos do que se ouvir em um cada vez mais vasto catálogo, impossível de se acompanhar por completo.
As bandas resta rezar pelo mágico momento em que finalmente, muitas vezes até por mérito próprio, conseguem estar em todas as páginas “importantes”. Para atingir esse objetivo, muitas passam a ser o que delas se espera, gerando grupos e mais grupos que nada fazem além de sons genéricos de algo que deu certo ou está na moda, o que parece certo para aquele momento.
Infelizmente, na maior parte das vezes o que se descobre é que, mesmo quando é chegado esse grande momento, sua banda nada mais foi do que alimento para o ciclo do dia, da semana, com sorte, do mês. Rapidamente a roda gira, dando lugar ao próximo, que passará pelo mesmo processo.
Isso tem um lado bom e um lado ruim. Se isso gera muita frustração em bandas que esperam fazer daquilo seu ganha pão, a falta de perspectiva financeiras é extremamente libertadora para outros artistas. Num mercado em que até mesmo um indie bem estabelecido como Grizzly Bear (tocando no Radio City Music Hall, em Nova York, com discos no top 10) afirma em reportagem da New York Mag que as contas não fecham, cada vez mais se vê bandas, mesmo conhecidas, serem um hobby bem estruturado de profissionais de outras áreas – o que por sua vez, novamente, traz consequências boas e ruins.
Sendo o mercado mais bem estabelecido, é natural que muitos desses comportamentos vistos nos EUA se repitam no Brasil. O problema por aqui é que, pra piorar, existe uma espécie de código não escrito na cena alternativa de que não se pode criticar negativamente um músico, simplesmente pelo fato de ele já “ralar muito pra fazer aquele trabalho acontecer”. Como se isso fosse justificativa e não exatamente parte do problema.
Como disse um amigo outro dia no Facebook, Raymond S. Harmon, “no exato segundo que o pensamento ‘a música de hoje não presta’ cruza sua mente você está oficialmente velho, não precisa nem que se diga isso em voz alta”. O autor do texto do Hipster Runoff foi acusado justamente disso (embora não fique claro sua idade). Pode ser. A principal crítica aqui, no entanto, é quanto ao formato operacional de parte da indústria atual, esse sim culpado pela baixa qualidade do conteúdo.
Ainda encontra-se muita, muita música boa, nova, todo dia. Mesmo que muitas delas sejam feitas para o agora, sem maiores preocupações. E quem pode dizer que isso é ruim? No fim, as decisões cabem a quem ouve (ou lê) e é ótimo que seja assim.
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Tchequirau
Produtor de chiptune guatemalteco radicado em Madrid via Miami, Meneo fez um vídeo hilário com dicas para enganar bem quando for “atacar de DJ”. Cômico, se não fosse trágico.
Belíssimo texto.
Como artista independente do independente, eu faço poesias e canções com intensão de perpetuá-las. Acredito que quanto mais profundidade damos aos que fazemos em arte, maior a probabilidade de se perpetuar. Quando falamos de assuntos inerentes ao tempo, como saudade, solidão, desilusões, o céu, o mar, o sertão… damos chance ao tempo para não nos apagar, mesmo em tempos de internet, rapidez, imagens, coisas fugazes e memes.
Mas… se nada for lembrado, sim, pelo menos a obra está ali, escondida para algum entusiasta perdido no tempo encontrá-la.
Otimo texto bruno, na semana passada curtiu uma balada, e na moral estava tudo errado, o som esta ruim, o dj de abertura muito fraco e a atraçao principal conseguiu empolgar apenas no começo, depois desandou tudo. Sai de lá pensando que o fato do dj ser fraco ser culpa da geografia (o evento foi no MT, bem fora do eixo, mas tem internet para que?) e da banda principal tentei me convencer que o show foi voltado mais para a massa e para a galera pular, enfim, depois de ler esse seu texto, desentalou total o que eu senti no evento, paguei caro o ingresso para no final poder aproveitar 15 minutos de vibe boa e depois ficar justificando as falhas, na real péssimos profissionais do som,dj e atração principal acomodada, e isso não justifica po mas os caras estão suando, isso não prova nada
…O resultado é uma série de sites repetindo o mesmo conteúdo, todo santo dia, assemelhando-se a cobertura da grande imprensa no que tem de pior. A pasmaceira chega ao ponto das listas de melhores do ano serem praticamente idênticas…
“… O problema por aqui é que, pra piorar, existe uma espécie de código não escrito na cena alternativa de que não se pode criticar negativamente um músico, simplesmente pelo fato de ele já “ralar muito pra fazer aquele trabalho acontecer”…”
Finalmente um pouco de lucidez! Agora falta os coleguinhas lerem de portal pararem com a de eleger os mesmos “disco do ano”, sempre tao indigentes e broxas e trem coragem para criticar estas porcarias.
Digo: … falta os coleguinhas de portal lerem e pararem…
… no exato segundo que o pensamento ‘a música de hoje não presta’ cruza sua mente você está oficialmente velho…
Tenho pensado nisso tambem, e, as vezes, chego a mesma conclusao… Serio. Talvez esses Silvas, Ceus, Criolos e Letuces realmente prestem e eu esteja oficlamente velho… Velho no Rio, velho no Brasil, velho ao ler imprensa “Indie”… Quando o Portishead, Moullinex, Soulwax, Wilco ou Radiohead lancam um bom disco, sera que eu fico mais novo, entao? O novo Neil Young, me faz ficar mais velho ou mais novo? Musica de hoje em dia porque e’ a lancada hoje ou depende sa idade de quem lanca? Ou tem que parcer que nao toma nabho e que fuma uns trezentos gramas por semana e que grava tudo em camera lenta? Realmente, falando assim pareco um velho dos anos setenta praguejando sobre os hippies, eu que ja toquei Death Metal no Garage/RJ e ja fiz maratonas de Mashup na… na… e no… nao nao tenho saco para os discos do ano inde brasilerios nao… Da uma vontade de tomar um banho pra esquecer e comer um refeicao bem preparada…
Excelente o texto.
No fim das contas simplesmente não tem público pra música que não seja música de “massa” no Brasil. A música que se sustenta SEM edital ou patrocínio nos shows é o axé, o sertanejo, o tecnobrega, pagode, etc…músicas de massa associadas `a televisão (e `a Som Livre) pra a maioria dançar.
A MPB parece tomada pelos filhos e associados dos grandes mestres, meio estagnada.
E o “indie”…o que é o indie afinal?
Concordo que esse ciclo “buzz band” está defasado, e que na real, só os super pops ganham bem mesmo com isso…a falta de público no brasil cria uma mediocridade, talvez uma falta de vontade de inovar realmente. Já que não vai acontecer nada mesmo, pra quê tentar…
Mas uma pergunta que não quer calar:
Porque será que falta ambição na música brasileira?
O banquinho e violão estão sentados há 50 anos e viraram estátua.
Porque não temos pessoas com a vontade e a ambição de criar grandes estórias…tudo bem Lucas Santanna e Céu são muito bons, mas não têm liderança. Parece tudo meio provinciano. Meio suco maguary. Não temos nem pop nem MPB fortes o suficiente pra criar uma coisa maior. Na verdade somos vários países. O público pra música que não é de massa no Brasil deve ser o mesmo que o sei lá, países pequenos como a Bélgica.
http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2012/11/05/impressao-digital-130-a-geracao-pos-digital.htm
Ai’, Bruno Natal (e Raymond S. Harmon), parece que nao estou oficialmente velho!!! O problema era mesmo os “discos do ano” brasileiros (indie???)…
Belo texto (Matias) e bela musica (XXYYXX).
Não foi bem isso que o Matias falou não, mas vamos lá. 😉
Eu sei, e eu nao disse que ele falou isso: EU estou dizendo. Estou apenas elogiando o texto e a musica, e ao dizer que gostei de uma musica “de hoje” (coincidentemente feita por alguem de 17 anos) e repetir o comentario aqui e la’ (TrabalhoSujo), fiz um link e uma brincadeira com meus posts anteriores aqui.
sempre vai ter música boa, e mta. ainda bem.
/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.
falaurbe [@] gmail.com
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