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segunda-feira

27

julho 2009

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Hip hop, auto-tune e futurismo Y2K

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hiphopautotune

Existe um elemento comum entre todos os hits recentes do hip pop de T-Pain, Kanye West, Akon, Lil Wayne, Snoop Dogg ou Black Eyed Peas: o auto-tune, ferramenta digital para fazer pequenos ajustes e afinar vocais após gravados, auxiliando cantores a cravar todas as notas desejadas (plastificando o processo, segundo alguns).

Jay Z, “Death of Autotune”

A sonoridade robótica produzida pelo uso “indevido” do auto-tune como um efeito de distorção tomou conta do hip hop. Há tempos não se via um elemento sozinho — seja instrumento, equipamento ou técnica de gravação — se tornar tão central nos estúdios.

T-Pain feat. Jamie Foxx, “Blame It (On The Alcohol)”

O auto-tune está em toda parte. Tem tutoriais no YouTube sobre como usar o efeito, tem app para iPhone, é motivo de piadas e mais piadas e foi matéria na New Yorker e na Time.

T-Pain vs. Vocoder, no Funny or Die

Marqueteiro que só ele, mesmo chegando atrasado na farra do auto-tune, Kanye West tentou puxar para si o título de desbravador da ferramenta, tendo gravado o disco “808 & Heartbreak” inteiramente com o efeito e fazendo bastante propaganda disso.

Kanye West, “Heartless”

Antes disso, Kanye já havia sampleado “Harder, Better, Faster, Stronger”, do Daft Punk, para servir de base para “Stronger”, reverenciando os franceses que vem usando tanto o vocoder quanto o auto-tune há muito tempo, de “Around The World” à “One More Time” à “Technologic”.

Antes disso, em 1998, dois anos depois da invenção do auto-tune, Cher fez muita gente querer rasgar os ouvidos com a sua “Believe”. Em 2005, Akon causou reação semelhante com “Mr. Lonely”. Expoente máximo do plugin, T-Pain diz que faz uso do autotune desde 2003.

Dentro do hip hop “tradicional” o uso de vozes robóticas não é inédita. Sem ir muito longe, basta ouvir os Beastie Boys em “Intergalactic”. A diferença é que o efeito utilizado, e já bem conhecido, é criado através do vocoder, um sintetizador que filtra a voz e altera as notas quando tocado enquanto se canta.

Como se vê, pode ser a moda da vez, mas está longe de ser novidade.

Afrika Bambaataa, “Planet Rock”

Até pouco mais de duas décadas atrás, “ano 2000” era sinônimo de um tempo ainda distante, avançado tecnologicamente, onde robôs seriam parte integrante do cenário. A temática inspirou cineastas, escritores e, claro, músicos, todos buscando adiantar como seria esse futuro.

Em 1982, tentando imaginar como soaria algo feito duas décadas adiante, com a seminal “Planet Rock” Afrika Bambaataa desenhou o futuro da música, juntamente com o retro-futurismo do Kraftwerk e músicas como “Trans Europe Express”.

Passados tantos anos, esse modelo sobreviveu a vários outros que sumiram no tempo, justamente por ter vingado – as batidas, o uso do vocoder, os graves… estão todos aí.

Ciara feat. Chamillionaire, “Get up”

“Get up”, da Ciara (de 2006, produzida por Jazze Pha), junta várias referências de artistas que tentaram prever o som do presente em que vivemos, o tal anos 2000 — batidas de Bambaataa, teclados gelados do Kraftwerk, falsetes de Michael Jackson, citações jamaicanas a “Ring the alarm” (Tenor Saw). É um bom exemplo de como, ao tentar adiantar o futuro, esses artistas terminaram por determinar como ele seria.

O efeito robótico é até parecido, mas existe bastante diferença entre o uso do vocoder e o auto-tune. O segundo tem um resultado muito mais alucinado e eletrônico. Usado no talo, provoca uma oscilação brusca entre as notas, tão rápida que seria impossível ser executada por um humano.

O baile funk, sempre sedento por novidades tecnológicas ainda não fez uso do auto-tune (ou pelo menos nenhum hit surgiu ainda – no tecnobrega já tá rolando, lembrou JB nos comentários). João Brasil arranhou o assunto em “Cobrinha Fanfarrona”, mas utilizando o vocoder, não o auto-tune. Não vai demorar muito para a ferramentaganhar mais algum uso não previsto.

Black Eyed Peas, “Boom Boom Pow”

Essa proeminência da ferramenta vem alimentando a velha discussão sobre os caminhos do hip hop após ter se transformado no principal estilo musical em termos comerciais nos EUA.

Enquanto Nas declarou a morte do gênero em “Hip Hop Is Dead”, Ice-T protagonizou uma áspera (e constrangedora) troca de ofensas online com o menino Soulja Boy Tell’em por conta do sucesso de “Crank That”.

É o triunfo da estética seca e mais lenta do crunk e do hip hop produzido no sul dos EUA, onde a influência do Miami Bass continua gigantesca — e de onde vem boa parte dos produtores e rappers de maior sucesso hoje em dia, de Outkast a Lil Wayne.

O sempre esperto Jay-Z, só pra destoar, declarou a morte do auto-tune na música que acabou de lançar para promover o próximo disco (produzido por, veja só, Kanye). Ele não está sozinho na guerra contra o novo hip hop.

As coisas mudaram — sempre mudam — e certamente a eletrônica foi adicionada aos tradicionais quatro elementos (DJ, rap, b-boy e grafite). Se hoje o que se produz pode ser considerado hip hop ou não é uma discussão tão boba quanto interminável.