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quarta-feira

2

fevereiro 2005

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Futuro do pretérito

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De vez em quando, o Soulseek mostra todo o potencial do qual uma comunidade de troca de arquivos é capaz. Uma das funções mais interessantes do programa é poder conversar com outros usuários enquanto baixa suas músicas, trocar idéias, sugestões.

Foi num desses papos que cheguei no disco de estréia do inglês Rodney P. Indo atrás de mais um bootleg de hip hop com reggae, encontrei um usuário querendo baixar coisas brasileiras. Pra não fugir do tema, recomendei o Black Alien. Do lado de lá, veio a dica: “The future”.

Com o hip hop dominado por fórmulas e beirando a estagnação (no mainstream, é bom dizer), o título do disco de Rodney P é categórico. “The future”, ou “O futuro”, pula as obviedades e clichês e aponta novos caminhos. Levando o cruzamento hip hop/reggae as últimas consequências, as faixas são atochadas de referêncais jamaicanas.

Tal e qual Black Alien por aqui, Rodney P fez parte de um dos primeiros grupos de hip hop da Inglaterra, o London Posse, protagonizou muitas participações especiais (com Roots Manuva, Bjork, Brand New Heavies) e manteve diversos projetos paralelos (ele é apresentador do programa “Original Fever”, na Radio One inglesa). Por conta disso, demorou uma década pra lançar seu disco solo.

Em outubro de 2004 veio a pedrada. A demora foi justificada e serviu pra mostrar que quantidade não é sinônimo de qualidade. A atual velocidade com que músicas têm sido gravadas e distribuídas, todo mundo querendo sair na frente, algumas vezes pode atrapalhar o resultado final.

Em “The future”, samples de Black Uhuru (“The future”) e citações a Bob Marley (“Intro”) se misturam à nomes menos óbvios, como Junior Byles (“Fading”). Guitarras ecoando, pancadinhas no teclado e viradas de bateria parecendo cortadas diretamente de algum LP produzido por Bunny Lee nos anos 70 (“Trouble”) marcam ritmo junto à batidas de dancehall (“I don’t care”), servindo de base para Rodney largar a falação enquanto sacodem o ouvinte.

A abordagem dubwise da mixagem é escancarada no downtempo “Vibe” e na, realmente, matadora “Riddim Killa”. As linhas de baixo não amassam o peito como as do Roots Manuva, mas por que deveriam se o RM já faz isso tão bem? O caminho aqui é outro e a escolha dos produtores reflete isso. Estão nos créditos, além do próprio Rodney, Adrian Stone (Elephant Man), Dobie (Soul 2 Soul, Bjork) e outros.

Pode-se dizer que essa aproximação dos universos reggae e hip hop, potencializada pelo estouro do dancehall mundo afora, já vem tarde. Apesar do frescor, não é a invenção da roda, muito menos uma mistura absurda. Simplesmente não existiria rap — ao menos como o conhecemos hoje — se não fosse o reggae.

A cultura dos sound systems e dos toasters (djs que pegavam o microfone pra falar sobre as músicas e fazer comentários do seu cotidiano) foi levada para Nova York pelos imigrantes jamaicanos. Não por acaso, Kool Herc, criador do back-to-back, veio da Jamaica.

O “futuro” apresentado por Rodney P, portanto, tem um bocado de passado. Faz sentido. Ninguém chega à lugar algum se não souber de onde está vindo.