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segunda-feira

30

abril 2007

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Coachella 2007

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Coachella Valley Music and Arts Festival já poderia ser considerado o principal festival do mundo quando dividia suas mais de 100 atrações em apenas dois dias. Em sua oitava edição o evento conseguiu se superar, adicionando mais um dia à maratona de shows, diminuindo as coincidências de horário e facilitando, ao menos um pouco, as decisões sobre o que assistir.

De qualquer maneira, a regra geral continua valendo: com a quantidade de nomes relevantes que o Coachella concentra todo ano, não tem jeito, escolheu um show, perdeu outros dois. Esses caminhos desencontrados são o espírito do festival. Um grupo de pessoas pode ir juntas para Indio, cidade que hospeda a farra, e voltar com experiências completamente diferentes.

Além do belo visual, da quantidade de gente bacana e educada, da boa organização (apesar desse ano as coisas terem sido mais confusas do que no anterior) e da escalação assustadora, assistir ao menos trechos de apresentações à caminho de outras, na tentativa frustrada de ver tudo, também é parte do processo.

A única certeza — praticamente uma unanimidade — era de que, acontecesse o que acontecesse, a volta do Rage Against the Machine era o que de mais importante aconteceria naqueles palcos.

1º dia, sexta
Tokyo Police Club, Of Montreal, Tilly and the wall,, Arctic Monkeys, Felix da Housecat, Julieta Venegas, Busdriver, Jarvis Cocker e Bjork.

Com um público menor do que o esperado para o final de semana, sexta-feira, o tal dia extra, foi devagar. Ou tão devagar quanto o Coachella permite, visto que uma das principais atrações, o Arctic Monkeys, além de Amy Winehouse, Digitalism e Bjork, tocavam nesse dia.

Com o calor que faz no deserto onde se encontra o campo de pólo que serve de casa para o Coachella, a maior parte das pessoas chega depois do almoço. No começo da tarde, o Tokyo Police Club foi a primeira banda a atrair público para tenda Mojave, a intermediária.

Ao vivo, as boas músicas do disco soam atrapalhadas, como se faltasse ensaio ou houvesse excesso de expectativa. Logo depois, o fraco Of Montreal se apresentou no palco secundário e, com muitos problemas de som, não conseguiu segurar o público. Mais animado, na tenda, o Tilly and the Wall fez uso de fantasias e passos de sapateado para conquistar a platéia.

A vontade de conferir de perto a sensação inglesa Arctic Monkeys derrubou, de uma só vez, os shows de Amy Winehouse e Digitalism. Valeu a pena. Seguros no palco, a molecada dá conta do recado e fez um show praticamente irretocável. Som bem passado, efeitos vocais na conta, guitarra na cara, baixo empurrando e bateria certeira.

Misturando faixas dos seus dois discos, o grande desafio da banda era se adaptar a realidade da banda nos EUA, onde, fora “I bet you look good on the dancefloor”, suas músicas são praticamente desconhecidas.

Por esse motivo, o Arctic Monkeys não lotou o palco principal e foi recebido de maneira fria, como se o público estivesse os conhecendo naquele momento. Certamente, bem diferente das multidões de 50 mil pessoas enlouquecidas com a qual estão acostumados em casa.

Da abertura, com uma música desconhecida emendada em “Brianstorm”, do disco novo, até o encerramento com “A certain romance”, o vocalista Alex Turner brincou com a situação à todo instante.

Desconcertado, fez graça com os poucos fãs que pulavam, pediu aplausos “ao menos para o bonito entardecer” e, após “Dancing shoes”, “If you were there, beware”, “Fake tales of San Francisco” e “When the sun goes down”, deve ter saído do palco com a certeza de que, se o caminho para uma banda inglesa nos EUA nunca é fácil, seguramente o ótimo show ajudará a abrir portas.

A repercussão positiva já começou. Não por coincidência, o show do Arctic Monkeys foi um dos primeiros a aparecer integralmente na rede .

A correria para ver ao menos um pedacinho do Digitalism foi em vão. Sem motivo aparente, o set terminou antes da hora marcada e, em seu lugar, Felix da Housecat farofava a pista com “Song 2” (Blur) e um remix do Franz Ferdinand.

Julieta Venegas agitou os latinos enquanto o Jesus and the Mary Chain fazia um dos shows mais altos do festival (com a participação da atriz Scartlett Johansson em “Honey”), servindo de trilha para o jantar.

Na menor das tendas, a Gobi, o rapper Busdriver cantava sobre bases programadas na hora por uma dupla, não se restringindo a batidas de hip hop e passeando até pelo drum ‘n’ bass. Enquanto isso, Jarvis Cocker, ex-Pulp, cantava “Cunts still rulling the world” (“Babacas ainda mandam no mundo”), dando o tom de protesto que marcaria várias apresentações e, também, o próprio festival.

Coube a Bjork a tarefa de encerrar o primeiro dia de shows. Não foi a primeira vez que a cantora se apresentou no Coachella, ela já esteve no deserto em 2002.

Qualquer coisa que envolve a islandesa é cercada de expectativa e Bjork não decepcionou. De pés descalços, ela subiu no palco lotado de bandeiras com uma maquiagem pesada escondendo a testa, laranja, combinando com os fios coloridos que voavam dos seus ombros e da barra saia.

A formação da banda era pouco usual. Lançando disco novo, “Volta”, co-produzido por Timbaland, as músicas estão distantes do que foi feito em “Medulla”, feito inteiramente utilizando vocais.

Além de um baterista/percussionista e das programações eletrônicas, um grupo de cerca de 10 pessoas fazia o coral e os sopros (é de se imaginar a quantidade de testes necessários para se achar músicos de qualidade para exercer essas duas funções).

Sucessos de sua carreira como “All is full of love”, “Hyberballad” e “Arm of me”, em arranjos totalmente diferentes, abriram caminho para novidades, como a pancada “Declare independence” .

No telão e em TVs espalhadas pelo palco, imagens de mãos manipulando máquinas digitais através de um monitor touch screen, confundiam. Mesmo com os movimentos bruscos nos botões, não se percebia modificações no som, levantando a dúvida se não se tratava apenas de um efeito visual, como no trabalho de um VJ.

O show acabou pouco depois da meia-noite, hora de ir dormir e descansar para o sábado. E esse foi o dia mais calmo.

2o dia, sábado
The Cribs, The Fratellis, Hot Chip, MSTRKRFT, Peter, Bjorn and John, Kings of Leon, Ozomatli, Justice, LCD Soundsystem, The Rapture e The Good, The Bad and The Queen.

Como era de se esperar, alguma hora escolhas complicadas teriam que ser feitas. Nesse processo, The Nightwatchman, projeto solo de Tom Morello, guitarrista do Rage Against the Machine, perdeu a vez para seqüência Hot Chip / MSTRKRFT, Girl Talk (muito bom, pelo que falaram) ficou em algum lugar entre Ozomatli e Justice e o Arcade Fire providenciou som de fundo para pizza.

Ainda assim, os stands de cunho político, a maior parte protestando contra a guerra no Iraque ou pedindo o impeachment de Bush, estavam sempre cheios. O assunto cresceu muito da edição passada para cá e houve farta distribuição de panfletos, bandanas e pedidos para participar de abaixo assinado.

Às vezes os argumentos para convencer as pessoas eram tão fracos quanto “você veio assistir o Rage? Então, o Tom Morello quer que você assine, foi ele quem montou essa barraca”. Por mais que o momento político seja sério e a música estar fortemente relacionada a esses movimentos, fica a dúvida se esse é o melhor caminho para se angariar simpatizantes à causa. Qualquer causa.

Afinal, mesmo com os recorrentes discursos durante os shows, política não é entretenimento. As pessoas estavam lá para se divertir e, embora houvesse sempre gritaria nesses momentos, é difícil saber se saem de lá dispostas a mudar alguma coisa.

O dia começou com The Cribs, bem ruim, seguido do The Fratellis, esse um bom show até. Mesmo assim, a mistura de rock e country que o trio faz ao vivo, só agradou mesmo com a mais conhecida, “Chelsea dagger”.

As quatro da tarde, começou a seqüência dançante. Primeiro veio o Hot Chip. Fazendo tudo ao vivo, sem programações, o quinteto toca de pé, cada um comandando, lado a lado, seu sintetizador, lembrando a disposição do Kraftwerk no palco, não fossem as roupas bem mais alternativas do que os ternos dos alemães.

Além dos sintetizadores, dois integrantes se revezam na guitarra, percussão e vocais e o resultado é um show interessante. A tenda ficou cheia e não apenas durante a versão alucinada do hit “Over and over”. O calor fazia o lugar parecer uma sauna, mas nada como uma cover do New Order (“Temptation”, inserida em “No fit state“) para levantar a galera.

O sol continuava a pino quando o MSTRKRFT começou a tocar na Sahara, a maior das tendas. Palco de quase todas as atrações eletrônicas do festival, a Sahara é um dos lugares mais animados do Coachella. Não importa quem estiver tocando, está sempre lotado de gente urrando a cada virada.

O DJ set pesado, com algumas interferências e efeitos ao vivo, começou com músicas da sua estréia, “The looks”, dando uma certa sensação de se estar simplesmente ouvindo o disco. Quando a dupla começou a desviar desse caminho, era hora de ir para o palco principal.

Em sua passagem pelo Brasil, dois anos atrás, abrindo para o Strokes, o Kings of Leon não deixou uma boa impressão. Na época, já dono de dois ótimos discos, o show foi abaixo de qualquer expectativa.

A velocidade com que grupos muitas vezes são catapultados ao sucesso nesses tempos de internet tem a ver com isso. Em alguns casos, a banda sequer tocou ao vivo o suficiente para ter qualquer cancha de palco e se joga em uma turnê mundial, aprendendo no caminho.

Felizmente, o KoL parece ter aprendido com a estrada. Tocando durante o pôr-do-sol — literalmente o horário de ouro do festival — e liderados por Caleb, a família Followill (três irmãos e um primo) fez bonito, caprichando nos hits (“King of the Rodeo”, “Taper jean girl”, “Molly’s Chambers”, “California Waiting”, “On call”, My party”, “The bucket”…), atraindo mais e mais gente a medida que eram ouvidos com clareza à distância.

O show finalmente faz jus a discografia ascendente do quarteto (o recém-lançado terceiro, “Because of the times”, novamente é melhor que o antecessor), numa bela redenção.

A realidade é que o Coachella é um evento essencialmente indie. O maior deles, é verdade, mas ainda assim indie. Por isso, é tão importante para fãs e para as bandas, mesmo as que já são conhecidas em vários países.

No deserto, com todos reunidos no mesmo lugar, acontecem shows em proporções maiores que as normais, consolidando carreiras e impulsionando outras.

Depois do escurecer o evento se transforma um bocado. Tal qual no Rio, muita gente aparece apenas para badalar na área VIP e redondezas, sem se importar muito com os shows. Estamos no quintal de Los Angeles, com toda fanfarronice que isso pode significar.

Para quem está lá só de passagem, o que conta mesmo são os nomes estabelecidos. No sábado, era a noite do Red Hot Chilli Peppers e muita gente estava lá apenas para isso mesmo.

Numa rápida viagem do Tennessee para fronteira com o México, via Baja California, o Ozomatli foi anunciado na tenda Mojave como “a melhor banda do festival” por um auto-identificado “prefeito de Coachella”.

Atualmente com nove membros oficiais, o Ozomatli é um retrato da mistura étnica dos EUA, com uma considerável supremacia latina, tanto entre os integrantes quanto na sonoridade, embrulhando cumbia, rock, reggae e hip-hop.

As letras de apelo social, somado ao ativismo dos integrantes, garante ao Ozo um público diverso e fiel, onde quer que estejam tocando. Numa mesma música, você pode ouvir a linha de baixo de “Sleng teng” e uma citação a “Love will tear us apart”.

As palmas e assovios insistentes só aumentaram depois que a banda, atrasada, tocou clássicos como “Cumbia de los muertos”. No final, apoteótico, a banda desceu do palco e tocou no meio da tenda, numa quebra de protocolo e tanto, considerando-se o rigor norte-americano.

Na tenda ao lado, os franceses do Justice terminavam seu set. Festejados como “o novo Daft Punk” (e não apenas por terem o mesmo empresário, Pedro Winter, o BusyP) e considerados o “artista de 2006” pela revista XLR8R, o principal nome da gravadora Ed Banger (também de Winter) chegou forte.

Com onda de rockstar, a dupla estava cercada de amplificadores Marshall e, logo à frente deles, uma grande cruz brilhava, também replicada nos telões. O que exatamente eles faziam atrás da mesa não dava pra ver, somente os cabos que saíam dos equipamentos eram visíveis.

Como numa versão gigante de seu maior hit, o remix “We are your friends”, o Justice passou o set entrando e saindo da música, utilizando diversos caminhos, fosse a sirene de “Atlantis do Interzone” (Klaxons) ou órgãos de igreja, entre “D.A.N.C.E.” e “Waters of Nazareth”.

É interessante notar como essa nova geração francesa não tem o tradicional pudor anglo-fóbico, apropriando-se do inglês sem cerimônia, como fez o Daft Punk, para conquistar o mundo.

O público entrou no clima rock n roll, dando moshes e fazendo e rolando sobre a cabeça um dos outros, para alegria de Winter que estimulava a farra enquanto filmava tudo. Arrebentar no Coachella, na sua primeira apresentação ao vivo, só pode reverter coisas boas.

James Murphy pegou a galera quente e manteve a temperatura fervendo. À frente do seu LCD Soundsystem, vestindo blusa social e calça brancas e empunhando seu microfone como um crooner, Murphy veio disposto a sacudir a tenda.

“Tribulations”, “Daft Punk is playing at my house” e “All my friends”, “Movement” e “North american scum” apareceram retas, com menos groove, porém com mais peso e pressão. Além de Murphy, o show teve a participação do guitarrista do Hot Chip, Al Doyle e de uma tecladista, tornando a banda um pouco maior da formação que se assistiu no Brasil, ano passado.

O auge veio na penúltima música, “Yeah”, numa catarse coletiva, no palco e na platéia. Murphy espancava seus timbales, Doyle quicava no jam block (aquela espécie de agogô de plástico) e até um assistente foi tocar percussão. O povo dançava sem parar e no telão só se via um globo girando, lembrando a capa do primeiro disco do LCD.

Fugindo da obviedade, para o encerramento Murphy escolheu o anti-clímax, terminando com a balada “New York I love you”, ode à sua cidade natal. Com o jogo ganho, ele resolveu fazer seu desabafo. Justo.

Nos bastidores, James Murphy abraçava os integrantes do The Rapture, descoberta da sua gravadora, a DFA, antes de começarem o show com uma hora de atraso, algo totalmente for a dos padrões do Coachella.

Mais uma banda que cresceu bastante desde que surgiu, como comprova o excelente “Pieces of the people we love”, segundo disco dos nova-iorquinos, o Rapture praticamente se tornou outra banda desde que passou pelo Brasil alguns anos atrás. Já é hora de voltarem.

Empolgadissímos com a recepção do público e com a tarefa de encerrar os trabalhos na tenda Sahara, o Rapture fez uma das melhores apresentações de todo festival. O grupo foi de “Sister saviour” à “Don gon do it”, de “Whoo! Alright – Yeah…Uh Huh” à “Olio”, fazendo esquecer que eles um dia tiveram um hit indispensável, “House of jealous lovers”.

A música, óbvio, foi tocada e um tanto perdida em meio a tantas outras, melhores, parecia apenas confirmar o enorme potencial da banda. O bonito telão com efeitos retrô mostrou os três moshes do vocalista Luke Jenner, para alegria da turma do gargarejo.

O atraso do Rapture foi acompanhado pelo The Good, The Bad and The Queen, no palco Outdoor, o que acabou possibilitando assistir os dois shows.

Novo projeto de Damon Albarn, o TG,TB&TQ; conta com Tony Allen (Fela Kuti) na bateria, Paul Simonon (Clash) no baixo e Simon Tong (Verve) na guitarra.A formação luxuosa é o que chama mais atenção. No entanto, ao vivo, como também no disco, a promessa não se cumpre.

Com uma atitude um tanto blasé no palco e tocando baixo como se estivessem num clube de jazz, as músicas perderam bastante ao vivo. Além dos quatro, havia um tecladista e um arranjo de cordas de apoio, todos fantasiados de sobretudo e cartola.

Em vez de um encontro de talentos, a impressão é de uma banda liderada por Albarn, onde se busca não um objetivo comum, mas sim atingir o objetivo dele. Num lugar menor e fechado o TG,TB&TQ; deve render melhor.

Desnecessário mesmo, somente a participação de um MC apresentado como sendo da Síria, mas sem sotaque nenhum quando cantou em inglês. Seja como for, só ver Tony Allen e Paul Simonon tocando já valeria a pena.

3o dia, domingo
Lupe Fiasco, Tapes ‘n tapes, Explosions in the Sky, The Roots, CSS, Klaxons, Crowded House, Manu Chao e Rage Against the Machine.

Último dia, a saideira. Dia também de poupar todas as energias para o aguardado retorno do Rage Against the Machine.

Conseguir um bom lugar para assistir a volta do RATM custou os shows de Lily Allen (que segundo me contaram, esqueceu as próprias letras), Air, Ratatat e a discotecagem do Adam Freeland, sem falar no Spank Rock, que tocava no mesmo horário.

Entretanto, a tarde estava livre. Pupilo de Kanye West, Lupe Fiasco não chegou nem perto do que seu mestre fez ano passado. A principal diferença era que enquanto Kanye tinha uma banda, Lupe contava apenas com um DJ, fazendo o palco principal parecer ainda maior. O Tapes ‘n tapes também não foi bem.

Responsáveis pelo primeiro grande show do dia, os texanos do Explosions in the Sky hipnotizaram os que agüentaram ficar 40 minutos sob um sol escaldante e uma chuva de garrafas d’água abertas.

Atiradas pela produção do festival à dez metros de altura, sem nenhum propósito, a intenção de refrescar a cuca da rapaziada resultou num bombardeio perigoso, machucando algumas pessoas, atrapalhando o show. Uma mangueira seria bem mais eficaz.

A música instrumental que saía das três guitarras (uma delas eventualmente substituída por um baixo) e bateria do EITS cairia bem melhor no final de tarde, sem dúvidas. Ignorando o calor absurdo, o quarteto fez uma apresentação vigorosa, alternando melancolia e peso em apenas seis músicas, como uma trilha sonora para um sonho calorento.

O The Roots veio em seguida, tocando bases de tudo quanto é coisa, mais até que músicas próprias. “Iron man” (Black Sabbath) + “Where’s your head at” (Basement Jaxx), uma medley de Miami bass, com direito a “Push it” (Salt-N-Pepa), “That’s why I’m hot” (Mims), “Jungle boogie” (Kool & The Gang) e uma versão assassina de “Masters of war” (Bob Dylan), com a melodia do hino americano e um solo de Tuba Gooding Jr. Tudo amarrado pelo ritmo preciso de ?uestlove, o baterista de hip hop mais competente da paróquia. Fino demais.

A dobradinha Klaxons / Cansei de ser Sexy impediu um repeteco do congotrônico Konono Nº 1, que já tocou no Brasil num PercPan. Assistir o CSS no Coachella era praticamente obrigatório.

A tenda não estava lotada, mas estava bem cheia e recebeu muito bem os paulistanos. De maiô azul e com um óculos pintado no rosto, o carisma da cantora Lovefoxxx dobra a gringalhada em dois tempos e rapinho todos estão sob o seu encanto.

Paris Hilton circulava pela tenda pouco antes do show. Durante “Meeting Paris Hilton”, lá estava ela na lateral do palco, achando o máximo ser zoada no refrão “the bitch said yeah”.

Antes da versão de “Pretend we’re dead” (L7), Lovefoxxx disse que tocariam uma cover do Daft Punk. O público ficou sem entender, mas aceitou a brincadeira. Como acontece com outras bandas no Coachella, o melhor momento do show foi na música mais conhecida, “Let’s make love and listen do Death from Above”.

Sai o CSS, entra o Klaxons, a maior surpresa do festival. Quem escuta o disco “Myths of the near future” fica sem entender o motivo de tanto blá blá blá em torno da banda. Ao vivo, os ingleses justificam o buchicho.

Depois de ver o show, o termo new rave continua não fazendo sentido nenhum. O bumbo é reto, a música é dançante, eles tocam a cover de “The bouncer” (Kicks like a mule) e os bastões fluorescentes voam de um lado pro outro, sim. Acontece que mesmo assim o Klaxons continua sendo uma banda de rock.

O estilo de cantar do vocalista, a pegada das guitarras, os efeitos eletrônicos, os coros, cada elemento contribui para uma sonoridade que tem personalidade, ao mesmo tempo suja e dançante. O que nas gravações soa cru demais, ao vivo torna-se visceral. “Atlantis do Interzone”, “Gravity’s Rainbow”, “Golden skans” e “Magick” melhoram demais no palco.

A dificuldade de classificar ou comparar o Klaxons com qualquer outra banda deve ter colaborado para fazer o termo pegar, mesmo sendo bobo. Porque independente de qualquer rótulo, é bom a beça.

Faltando mais de duas horas para o show do RATM, o palco principal já estava bem cheio. A solução foi aturar o show do Crowded House (“Hey now, hey now, don’t dream it’s over…”) até o Manu Chao fazer uma abertura decente para o quarteto raivoso.

Escalar Manu Chao y Radio Bemba Sound System para o tocar imediatamente antes da principal atração do festival provou-se um acerto e tanto. Não somente pelas letras de protesto ou por ele cantar em espanhol, se comunicando bem com a imensa comunidade mexicana que aguardava o Rage. Principalmente porque enfrentar uma massa de mais de 60 mil pessoas (falou-se em 100 mil, o que parece um exagero) não é pra qualquer um.

Sem tremer, e aproveitando a platéia gigantesca, Manu falou diretamente contra Bush e cantou suas canções. Algumas das mais conhecidas em arranjos diferentes, boa parte delas explodindo em um ska no final. A influência dos riddims jamaicanos no trabalho de Manu fica ainda mais claro ao vivo, quando os mesmos acordes servem de base para diferentes músicas.

Do momento que Manu terminou o show, pontualmente às 22h15, até o apagar das luzes para o RATM, só se ouvia uma coisa: “Rage! Rage! Rage!”.

As boas imagens do telão do palco principal, durante todo o festival (provavelmente os shows estavam sendo filmados para um DVD), guardou um capricho para o final. Nos minutos imediatamente anteriores ao show, o público pode acompanhar imagens do Rage Against the Machine nos bastidores, da saída dos camarins até a triunfal entrada no palco.

Mesmo na escuridão, era possível identificar os rostos de cada integrante quando pipocavam os flashes. Bastou Zack aparecer para gritaria começar.

O Rage se ajeitou no palco, Zack fez a apresentação básica (“Nós somos o Rage Against the Machine, de Los Angeles, Califórnia”) e Tom Morello matou a curiosidade geral sobre qual música acabaria com sete anos de jejum com a inconfundível guitarra de “Testify”.

Daí pra frente foi série de petardos, emendados um no outro: “Bulls on parade”, “People of the sun”, “Bombtrack”, Bullet in the head”, “Down Rodeo”, “Guerrila Radio”, “Renegades of funk” (Afrika Bambaataa), “Calm like a bomb”, “Sleep now in the fire”.

Nada mudou, tudo continuou perfeitamente igual, como se a banda nunca tivesse parado. Morello tocou com um boné onde lia-se “Unite!” e sua guitarras com frases de protesto (“Arm the homeless”, “Sendero luminoso”). Zack, hoje com 37 anos, cuspiu as letras com o rosto franzido e a mesma revolta de quando tinha vinte e poucos.

Na cozinha, as linhas tortas de baixo de Tim Commerford e a batera seca de Brad Wilk acentuavam a influência do hip hop, elemento unificador do RATM. Como numa base de rap, o dois fazem as batidas e Tom Morello os efeitos para o Zack cantar em cima.

Assistir o Rage Against the Machine deve ser bom em qualquer lugar. Assisti-los tocar em casa, saudando a platéia com um “what’s up Los Angeles”, certamente está alguns níveis acima. A identificação do RATM com a cidade é enorme.

Generalizando, existem dois tipos de mexicanos nos EUA: os que falam inglês sem sotaque e os que não falam ou tem o sotaque carregado. Pode parecer uma besteira, mas esse simples fator pode determinar o destino de um latino em LA.

Normalmente, os que não tem sotaque, tem nomes em inglês e são vistos como mais “americanos”, ou no mínimo melhor adaptados, que os outros. As famílias que insistem em suas tradições, mantém o espanhol em casa e os nomes latinos geralmente não são bem vistas pela sociedade.

Descendente de mexicanos, Zack, como o nome sugere, pertence ao primeiro grupo. Seu desconhecimento do espanhol manteve sua pronúncia primorosa do inglês. Isso não impediu, no entanto, de olhar para o outro grupo, com o qual sempre esteve mais identificado, tornando-o o porta voz ideal para as questões dos imigrantes (os mais pobres).

Como o gorducho Michael Moore e seu inseparável boné de beisebol à criticar o meio de vida norte-americano, Zack consegue espalhar, despercebido, suas mensagens pelos subúrbios americanos, quase como se fossem inofensivas. É o disfarce perfeito.

Tom Morello afirmou em algumas entrevistas, de maneira presunçosa, que não é coincidência os acontecimentos dos sete anos de administração Bush terem ocorrido justamente no hiato da banda. É um exagero, certamente, mas o fato é que nenhuma banda conseguiu chegar perto do alcance que as mensagens do RATM alcançaram em seu auge.

A comunidade latina sabe disso e aponta para o próprio braço quando canta o refrão de “Down Rodeo”. “I’m rolling down Rodeo with a shotgun, these people ain’t seen a brown skin man since their grand parents bought one” (“Estou descendo a Rodeo [Drive, a Oscar Freire de LA] com uma escopeta, essas pessoas não vêem um latino desde que seus avós compraram um”).

Zack só voltou a se dirigir a platéia durante “Wake up”, quando fez um violento discurso de pouco mais de um minuto, em que afirmou que a atual administração Bush deveria ser julgada, enforcada e fuzilada, como foi feito com os nazistas. A polêmica, logicamente, já começou e os blogues da direita norte-americana se apressaram em classificar a fala como anti-democrática e gratuitamente agressiva.

(A íntegra do discurso: “(I THINK I HEARD A SHOT!) A good friend of ours said that if the same laws were applied to US presidents as were applied to the Nazis after WWII, that every single one of them, every last rich white one of them, from Truman on, would have been hung to death and shot. And this current administration is no exception. It should be hung, and tried and shot, as any war criminal should be. For the challenges that we face, they go way beyond administrations, way beyond elections, way beyond every four years of pulling levers, way beyond that. Because this whole rotten system has become so vicious and cruel, that in order to sustain itself, it needs to destroy entire countries and profit from their reconstruction in order to survive. And that’s not a system that changes every four years, it’s a system that we need to break down, generation, after generation after generation, after generation, after… (WAKE UP!)”)

“Wake up” encerrou a parte principal do show. O Rage voltou para tocar “Freedom” e “Killing in the name”, antes de terminar de vez a apresentação. Ao final, Zack foi abraçado pelos outros integrantes, recebendo as boas vindas de volta, enquanto agradecia, sem parar, os aplausos.

O Rage Against the Machine está de volta. E esse é o discurso mais incisivo que Zack poderia fazer.

terça-feira

2

maio 2006

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Coachella 2006

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Coachella 2006 Daft Punk.jpg
Daft Punk

Você tem certeza de que uma viagem vai ser boa quando as coisas se encaixam sem muito esforço. A ida para Los Angeles, para conferir o Coachella Music & Arts Festival , foi premiada logo na chegada ao aeroporto.

No desembarque, um sujeito com pinta de rapper passou carregando uma bolsa de laptop com o logotipo do Ozomatli bordado na frente. Como não se vê esse logo toda hora, mesmo em Los Angeles, fui perguntar. Não deu outra, era Jabu, MC que substituiu Chali 2na (hoje no Jurassic 5) , seguido pelos outros integrantes.

Não bastasse a saraivada de shows que viriam no sábado e domingo, uma das bandas latinas mais bacanas de todos os tempos (top 5 na minha lista pessoal de shows mais desejados) tocava em Los Angeles na sexta-feira que antecedia o festival. Contando com a simpatia gratuita que a palavra “brazilian” desperta no exterior, conseguir ingressos foi moleza.


Ozomatli: “Cumbia de los muertos”

Não era um show comum. O grupo se apresentou na Hollywood Race Track, pista de corridas de cavalos em Inglewood, servindo de entretenimento entre um páreo e outro. Na platéia, praticamente apenas mexicanos e decedentes e um ou outro curioso cansado de perder dinheiro apostando em pangarés.

O despojamento da situação somado ao público receptivo garantiu um show especial, relaxado, com clima de apresentação para amigos. Com naipe de metais, DJ, MCs, baixo, bateria, guitarra e percussão e dois vocalistas, o Ozomatli enche qualquer palco e a mistura de hip hop, cumbia, salsa, dub, rock e letras em spanglish serviu para aliviar a tensão da manifestação hispânica (com adesão dos brasileiros e chineses) que viria no dia 1 de maio, o “Dia sem imigrantes”.

Comandado pelos cantores Asdrubal Sierra e Raul Pacheco, o Ozomatli tocou músicas de seus três discos, indo de “Cumbia de los muertos” até a balada “Cuando canto mi canción”, sem esquecer de “Como ves”, “Saturday night”, “Street signs”, fechando a fiesta com a incendiária “La misma canción” e o palco cheio de crianças brincado de percussionistas.

Antes mesmo de chegar a Indio (cidade onde acontece o Coachella) e um show pra coleção de favoritos. A viagem prometia.

Coachella, primeiro dia

Coachella 2006 entrada.jpg
Entrada

O cenário do Coachella, que esse ano reuniu 97 nomes em dois dias de show, é o belo gramado de um campo de pólo, cercado por montanhas e pelo deserto da região de Palm Springs. As atrações se dividem entre dois palcos (Coachella e Outdoor stage) e três tendas (Gobi, Mojave e Sahara), além de outros espaços com programação feita por rádios e revistas locais. A quantidade de gente que invade a cidade no final de semana do festival é grande, cerca de 60 mil por dia.

Após um leve engarrafamento no estacionamento e de uma fila na entrada, deu tempo de pegar o finalzinho do The Walkmen (com uma música com metais bem legal) e correr para pegar também a rainha do grime, Lady Sovereign. Talvez pela semelhança com o hip hop, a inglesa agradou o público, arrancando gritos com “Public warning” e pedidos de bis.

Com destaque para a saxofonista e segunda vocalista da banda, o Zutons misturou músicas dos dois discos. O vocalista, também muito carismático, segurou bem a platéia e o calor (eles tocaram debaixo de um sol violento). Ao vivo, a banda cresce muito, até dub teve. “Valerie” foi a música mais cantada.

Uma boa surpresa foi o My Morning Jacket. Bom do início ao fim, principalmente quando tocaram “Wordless chorus”. Eles vão abrir a turnê do Pearl Jam nos EUA, o que pode ajudar o MMJ, que está em seu quarto disco, a deslanchar.

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Wolfmother

Até então os shows não eram dos mais disputados e estavam fáceis de ver. Isso mudou quando foi hora de assistir o Wolfmother, numa das tendas. O show serviu pra explicitar um dos poucos problemas do festival.

Apesar de aproximarem público e artistas, num evento para 60 mil pessoas as tendas lotam rápido e bastante gente não consegue entrar. Quem fica longe não vê muito bem, não apenas porque a estrutura das tendas bloqueia a visão, mas também porque os palcos são baixos (poderiam ter ao menos 1,5 metro a mais de altura para facilitar a vida de quem está mais atrás).

Influenciados por Black Sabbath, Led Zeppelin, Mars Volta por stoner rock, o trio australiano fez uma apresentação visceral. A voz do vocalista e guitarrista Andrew Stockdale lembra Ozzy Osbourne e Jack White (Stripes) e a mão pesada do rapaz arranca riffs secos e poderosos.

O toque de psicodelia fica a cargo do baixista e tecladista Chris Ross. É ele quem controla os efeitos através de pedais preso em cima do seu teclado, distorcendo, prolongando e alterando os riffs de Stockdale, garantindo que o som da banda não seja apenas um pastiche do rock setentista. A eletrônica está lá, ainda que discreta.

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Clap your hands say yeah

Saíram os australianos, veio o combo nova-iorquino Clap Your Hands Say Yeah. Com meros dois minutos de atraso, o CYHSY ouvia palmas ansiosas. Com cinco, quando entrou no palco, ensaiavam-se as primeiras vaias. Num festival com tantas atrações, cada minuto é precioso e, por isso, o público não tolera demora.

Bastou o show começar para a turma esquecer da espera. Bom exemplo da moda que se tornou ouvir música nesses tempos pós-MP3 e iPod, o CYHSY cresceu através da internet, sem divulgação na grande mídia e conta com público fiel. Difícil dizer o que vai ser dessas bandas quando não for mais tão bacana saber qual a última novidade vinda dos porões de qualquer lugar.

A sonoridade do Clap Your Hands é interessante. Chata mesmo é a voz do cantor Alec Ounsworth, desafinado além do ponto do que pode ser considerado um estilo. Pelo menos em uma das músicas, “Is this love?”, Alec consegue controlar os defeitos de sua voz e faz parecer uma estranheza pensada. Pena que seja só nessa.

Às 17h45, no palco principal, Kanye West foi o primeiro peixe fora do áquario independente a dar as caras no festival. Seu disco mais recente, “Late registration”, faturou um Grammy e vendeu, até agora, 2,5 milhões de cópias. Com um sucesso comercial totalmente fora do padrão do resto da escalação, teve gente temendo que recepção ele teria.

Vestindo uma camiseta com uma foto de Miles Davis e pedindo para o público colocar os “diamonds in the sky” (diamantes no céu) — com um gesto juntando a ponta dos indicadores e dos polegares, lembrando outra coisa — Kanye não demorou nem meia música pra ganhar a platéia.

Acompanhado por bons músicos, incluindo cordas e cantores de apoio, reproduziu-se ao vivo os samples e programções dos seus discos. Antes de cantar o hit “Gold digger”, o rapper brincou, dizendo que o “Grammy está errado, essa é a melhor música do ano”, em referência ao título perdido em 2005 para “Boulevard of broken dreams”, do Green Day.

Como na versão radiofônica, que lima palavrões e insultos, Kanye substituiu o “nigger” (palavra agressiva usada para se referir aos negros) do refrão “she ain’t messing with no broke nigger” por um segundo “broke”. Sem perder a oportunidade de dar uma zoada num público majoritatiamente branco, o cantor mudou de idéia no meio da música e resolvou falar a letra sem censura, avisando: “brancos, essa é a sua chance de falar nigger“!

Depois de cantar “All falls down”, Kanye pediu ao DJ A-Trak para colocar algumas músicas que ele ouvia em casa, na adolescência. Vieram “Let’s stay together” (Al Green), “Rock with you” (Michael Jackson) e, acreditem, “Take on me”, do A-Ha (“isso não é uma piada, gosto mesmo dessa música”, fez questão de dizer), enquanto Kanye dançava como se estivesse sozinho em seu quarto.

Guardando o melhor pro final, a última música foi “Touch the sky”, feita em cima de um sample matador de “Move on up”, do Curtis Mayfield. Nem precisava, o jogo já estava ganho.

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TV on the Radio

Correndo de um lado pro outro, ainda deu tempo de ver um pouco do TV on the Radio, antes de voar de volta para o palco principal atrás do Sigur Rós. Com várias pessoas assistindo o show deitadas no gramado, os islandeses coroaram o final de tarde com músicas do “( )” e “Takk”, em versões um pouco mais barulhentas e pesadas do que as dos discos.

A noite, Cat Power fez um bom show. Com aquela voz, fazendo passinhos de dança e acompanhada de 14 músicos (a Memphis Rythm Band) no palco, tinha sopro, cordas, vocais de apoio, enfim, completo. Cat focou mais músicas do seu último disco, “The greatest”, abrindo com a faixa título, mas também executando outras de discos anteriores.

O Franz Ferdinand enfrentou uma multidão disposto a mostrar que pode ir além dos 15 downloads de fama tão habituais hoje em dia. No entanto, depois do que foi o show no Rio, não tinha nem graça ver de novo. A melhor opção era conferir a metade final da apresentação de Damian “Jr. Gong” Marley.

Exagerando nas homenagens ao pai, Damian carimbou “Exodus” e “Could you be loved”, praticamente na sequência. Logo ele que, ao contrário dos irmãos, resolveu seguir uma linha de reggae atual, um dancehall com o pé fincado no roots and culture e uma boa dupla de baixo e bateria pra manter a casa em pé. Ainda bem que ele encontrou um espaço para mandar “Road to Zion” e a crássica “Welcome to Jamrock”.

Da Jamaica pra Áustria, sem perder o eco, o Tosca estava programado pra tocar as 22h15. Horário perigosíssimo, perto demais da principal atração da noite, Daft Punk. O resultado é que, como aconteceu com outros nomes, só daria pra ver o começo do show do projeto de Richard Dorfmeister.

A situação ficou mais grave com a demora pra começar o show. Quando começou, o pianista e segunda metade do Tosca, Rupert Huber, resolveu fazer uma introdução de uns 10 minutos no Fender Rhodes, espantando quem queria ao menos ter um visto um pouco do show. Quem não ficou até o final, teve que se contentar com a passagem de som, com o MC cantando “The model”, do Kraftwerk, sem parar.

O Depeche Mode também tocou nesse horário, tendo como garantia hits como “Walking in my shoe”, “Personnal Jesus”, “Enjoy the silence”, “Behind the wheel” e “Stripped”, além de faixas do disco novo e seis telões caprichados.

Quem se deu bem foi a dupla Audio Bullys, atração anterior ao Daft Punk e que, com isso, acabou tocando pra uma grande quantidade de pessoas, a maioria apenas aguardando os franceses.

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Daft Punk e a pirâmide

Há seis anos sem tocar e fazendo a estréia de sua turnê mundial (de apenas oito shows), o Daft Punk encerrou a noite e atraiu todas as atenções.

Um pano preto escondia o palco até o início do set. Quando a cortina caiu, viu-se a dupla dentro de uma pirâmide negra, vestido com as roupas de robô e começando a um zilhão por hora, com “Robot rock”. As pessoas gritavam sem parar, sem nem ter ouvido nada, só pela alegria da cena. O painel de led atrás dos dois piscava.

Apenas os sucessos da dupla seriam suficientes pra garantir uma noite de diversão. Mas eles queriam mais. A pirâmide era a grande surpresa.

Três músicas depois do início, quando todos estavam satisfeitos com o que viam, a pirâmide acendeu pela primeira vez. Ficou branca. Depois azul. Daí em diante, música a música, o triângulo negro (coberto de telas de plama) e a estrutura metálica que o emoldurava iam ganhando algo a mais, cores, movimentos. A cada vez que algo novo acontecia, a platéia urrava.

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Robô

Fazendo mash ups deles mesmos, o Daft Punk não negou nada. Teve “Around the world” em cima da base de “Harder, better, faster, stronger”, “Da funk” (essa e qualquer outra com uma pegada hip hop acertavam em cheio os americanos), “Technologic” e uma explosão coletiva com “One more time” misturada à “Aerodynamic”, como no remix que eles próprios fizeram para o disco “Daft Club”.

No final, após “Human after all”, os robôs fizeram jus ao nome da música, se renderam e bateram palmas pro público. Enquanto a pirâmide não se apagou, ninguém parou de berrar ou deixou a tenda, esperando a dupla pra um repeteco que, infelizmente, não houve.

Um show de música eletrônica perfeito, tanto visualmente quanto musicalmente, rivalizando com o Kraftwerk — e provavelmente ganhando — o título de melhor apresentação da praça. Sem essa de “precursores”, “sem um não teria o outro”, blá, blá, blá. Se as coisas fossem assim, nada andava pra frente.

E evolução, bem, esse não é exatamente um problema para o Daft Punk.

Coachella, segundo dia

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Coachella

Mal deu tempo de dormir. O segundo e último dia do Coachella Music and Arts Festival, ainda mais quente que o anterior, começou com o funk latino dos venezuelanos Los Amigos Invisibles. Bandeiras da terra de Hugo Chávez pipocavam na platéia. De lá para a apresentação de Amadou & Mariam, dupla de Mali que mistura ritmos africanos, blues, afrobeat e violões e que fez um bom show por aqui, no Rock in Rio 3, em 2001.

No palco principal, a banda-de-menina Magic Numbers fez um bom show, servindo de trilha sonora para um espreguiçada debaixo do sol, vendo as bolinhas de sabão passar no céu. Fazendo seu último show antes de entrar em estúdio para gravar o próximo disco, o grupo aproveitou pra mostrar duas músicas novas.

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Público

Enquanto isso, músicos promoviam sessões de autógrafo na Virgin. Passaram por lá Matisyahu, She Wants Revenge e Seu jorge, entre outros. A interação com o público, no entanto, é limitada. Um atendente pega o disco (ou DVD, ou poster) das mãos do fã e entrega pro artista. Não há contato algum.

A loja de discos é um ponto de encontro, vendendo títulos de todos artistas do evento por, em média, apenas 10 dólares, bem mais barato que as camisetas, que chegavam a custar US$ 30. Não é fácil resistir a tentação. Lembrar que uma garrafa d’água custa 2 dólares e uma boa refeição vegetariana chega aos US$ 9 ajuda bastante.

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Carrossel

Pelo menos passear pelas lojinhas de bugingangas (uma sombrinha em estilo japonês fez sucessos entre as meninas), estandes de revistas e andar nos brinquedos era de graça. Também, pudera, o carrossel era formado por biciletas e só girava se todos pedalassem! Tinha também roda-gigante em miniatura funcionando no mesmo esquema.

A organização impressiona, sobretudo pela qualidade do som em todos os palcos. Boa parte do mérito do festival, entretanto, é o astral dos frequentadores. Americanos (lógico), mexicanos (óbvio), espanhóis, cubanos, ingleses, convivendo num clima ótimo. Pessoas bem educadas, muitos “por favor”, “desculpe” e “obrigado”, palavrinhas bobas, pequenas, mas que podem fazer toda a diferença quando 60 mil pessoas estão reunidas no mesmo lugar.

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Matisyahu

No meio da tarde, o reggae man judeu Matisyahu foi um dos primeiros a arrastar uma boa quantidade de gente para o palco principal. Ao contrário do disco, em que baixo e bateria ficam bem à frente, ao vivo a guitarra é muito alta. O rock, o hip hop, beat box e vocalizes predominam sobre o reggae, levando o som mais pro lado do Sublime do que do Sizzla. Bom, mesmo assim, embora diferente do que se esperava a julgar pelas gravações.

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Bloc Party

Pelo horário, 18h, dava impressão de que a ordem do Bloc Party e do The Go! Team na escalação havia sido invertida. Mesmo sendo mais conhecido, o BP tocou mais cedo que o TG!T, que só entrou às 21h40. Após o show das duas bandas, ficou provado que a ordem estava correta.

Um belo pôr-do-sol serviu de fundo para o show do Bloc Party, enquanto o vocalista Kele Okereke reclamou do calor (“dá pra fritar um ovo aqui no palco”, disse) e agradeceu ao público a disposição de ficar debaixo do maçarico pra conferir a banda.

Ainda que tenha faltado pressão no som — não ficou claro se por culpa da banda ou dos equipamentos — e a guitarra estivesse baixa, o Bloc Party foi bem, muito por conta da presença de palco de Kele. “Banquet” e”She’s hearing voices” continuam funcionando e a boa notícia é que aparentemente a banda finalmente começa a se coçar pra gravar outro disco e chegaram a mostrar uma das músicas novas.

A disputa por um bom lugar para assistir a Madonna obrigou quem quisesse assistir a estréia da Confessions Tour a sacrificar vários shows. Entre as vítimas estavam Yeah Yeah Yeahs, Mogwai e Digable Planets (e também Seu Jorge e Editors). Pior mesmo foi ter que aturar a farofada do Paul Oakenfold antes dela.

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Madonna: telão

Em seu primeira apresentação em um festival, a rainha do pop ofereceu apenas um aperitivo da turnê que está por vir. Foram poucas músicas, abrindo com “Hung up”. Teve ainda “Everybody”, “Get together”, “Ray of light” e “I love New York”, deixando de fora a atual música de trabalho, “Sorry”.

Mestre em dominar as massas, Madonna conversou com o público (“does my ass look ok?” [“minha bunda tá legal?], perguntou), tocou guitarra, dançou com seus bailarinos, tirou a roupa e fez a festa da multidão. Era gente a perder de vista, muito, muito além da capacidade de 8 mil pessoas da tenda. A cantora saiu do palco sem dar tchau ou agradecer. Quem quiser mais, só pagando os US$ 300 do ingresso mais barato da turnê.

No caminho para conferir o The Go! Team, uma parada estratégica para escutar um pouco do Coldcut, sacudindo a tenda com drum ‘n’ bass, jungle, vídeos bem sacados no telão e protestos contra Bush e Tony Blair. No palco principal, o Massive Attack, acompanhado de Horace Andy, chapava os ouvintes.

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The Go! Team

O The Go! Team surpreendeu. Se transpor para o palco um disco repleto de samples e colagens não é tarefa fácil, mais difícil ainda é conseguir animar um público já cansado de horas e mais horas de show. Pois o TG!T conseguiu. Agitados e carismáticos, o grupo conquistou o público com “Ladyflash”, “Phanter dash” e “Everyone’s a VIP to someone”.

A banda é formada por brancos, negros, japoneses e cada integrante desempenha múltiplas funções, todos fazem um pouco de tudo. Seguindo a filosofia da internet, ferramenta de divulgação de quase todos os novos nomes atualmente, o trabalho coletivo é quase um pré-requisito numa banda atualmente, e o The Go! Team não é diferente.

Fechando a tampa, às 23h de domingo (um dia antes do lançamento do novo disco, “10,000 days”), o Tool voltou aos palcos, após muitos anos. A banda conta com uma legião de fãs na California, de todas as idades e incluindo muitas mulheres, coisa rara nesse estilo de som.

Os comentários sarcásticos do vocalista Maynard James Keenan destoavam do clima soturno do Tool. Brincando, saudou a platéia com um “e aí, hippies!” e fez comentários como “espero que vocês tenham conseguido desfrutar a área VIP. Claro que conseguiram, isso é Los Angeles, todo mundo é VIP”.

A pouca luz do palco, iluminado praticamente apenas por lâmpadas azuis, destaca o visual dos telões e seus vídeos sombrios. É praticamente tudo que se pode ver do show, Keenan fica o tempo todo no fundo, escondido perto da bateria. Boa ambientação para as viagens de “The patient”, “Laterallus” ou “Sober”.