A identidade visual da conferência Rio +20 foi criada pela Unidade de Design Gráfico do Departamento de Informação Pública da ONU, em NY. Segundo os autores a marca ‘mostra os três componentes do desenvolvimento sustentável: justiça social, crescimento econômico e proteção ambiental – ligados na forma de um globo’.
O que vejo? Uma pessoa acabou de despencar da escada do desenvolvimento: os braços abertos e a cor vermelha reforçam a sensação de queda e perigo. O planeta está rachado evidenciando uma oposição que não deveria existir: de um lado o homem, do outro o meio ambiente. Pânico, fissura e antagonismo – ainda que acidental, mais sincero impossível.
… e a homenagem ao médium Chico Xavier que circula na rede.
Nem bem vazou e a logomarca da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, causou alvoroço. Reclamam que foi feita por um estúdio francês e não um brasileiro (a escolha é da FIFA, não da CBF), do grupo de notáveis que a elegeu (Ivete Sangalo, Gisele Bundchen, Hans Donner), e mais do que tudo, fala-se que é muito feia.
Se o logo não servir pra nada mais, só a versão “Chico Xavier” que inspirou já terá valido a pena. Coisa de gênio, quem fez isso tirou muita onda. Sem tocar nas formas, somente alterando as cores, provocou uma leitura totalmente diferente. Merecia um prêmio.
Um dos poucos a não criticar o visual da marca, o designer Fabio Lopez escreveu um tratado sobre o tema, resumido aqui:
O logo é assim tão ruim ou as pessoas estão criticando o aspecto político da escolha da marca, os ‘notáveis’ ou o fato dela talvez não ter sido desenvolvida por um escritório brasileiro? O escritório é Francês: talvez por isso me remeta um pouco ao trabalho de gravura do Matisse – de novo. Pelo menos ninguém escaneou uma gravura do cara dessa vez (Rio 2007).
Lamento que não tenha sido escolhida pelo conjunto de notáveis do design brasileiro (e eles devem estar lamentando também o fato de não terem criado a marca), mas quem são seus clientes? Quem são as pessoas que aprovam, consomem e avaliam a maioria dos trabalhos que fazemos? Bergmiller, Wollner, o espírito do Aloísio? Então vamos com calma, vamos analisar a marca pelo que ela é e não por quem escolheu ela. Não concordo com o processo mas isso não é o que faz o projeto ser bom ou ruim (isso é um argumento post hoc hergo ante hoc: aquilo que vem depois causa o que vinha antes). Se a marca tivesse sido criada pelo grupo de ‘especialistas’ listado eu concordo, mas não foi o caso – ufa. 😉
Talvez fizesse diferente, tenho minhas questões em relação ao acabamento (refinamento) visual da marca (especialmente a parte tipográfica) mas não achei o sinal em si um equívoco completo. Épregnante, diferente, expressa questões relacionadas ao torneio… o que vocês esperavam? Uma bolinha de futebol, um papagaio, o mapa do país com microconfetes verde-amarelos transparentes (neofirulativismo)?
Taí, é uma solução, critiquem a vontade. A marca de eventos desse porte bem como de empresas que fazem parte da nossa vida são sempre vítimas de um envolvimento emocional – e isso estabelece um tipo de análise que é tão técnico quanto esse grupo de notáveis.
No intuito de articular um comentário mais técnico, podemos analisar a marca segundo os 14 parâmetros proposto por Chaves/Bellucia:
: qualidade gráfica genérica: a relação entre os elementos me parece harmoniosa. O símbolo integra bem sinal e ‘tipografia’ – existe grande coerência na construção.
: ajuste tipológico e suficiência: não vejo inadequação na criação de um elemento compacto para identificação do evento. Se a parte tipográfica fosse um pouco mais refinada poderia funcionar melhor quando isolada do sinal, permitindo uma ampliação maior das possibilidades de aplicação. Vale esperar, uma marca não responde sozinha pela identidade visual do evento.
: correção estilística: diferente da marca criada pra Londres 2012, não causa grande ruptura em relação ao universo de sinais já desenvolvidos para eventos dessa natureza.
: compatibilidade semântica e inteligibilidade: alguém não entendeu o que significa? Eu achei interessante a ideia, pois foge da mesmice do chute, do jogador e da bola. Pode melhorar ainda mais com um bom slogan, vinhetas, movimento. Pensar de maneira estática não é suficiente nos dias atuais, e isso talvez esteja expresso no partido visual adotado pro sinal.
: versatilidade: não é possível analisar profundamente esse aspecto porque não estamos vendo o projeto implantado. O sinal parece ser pouco maleável por constituir um elemento compacto, mas por serpregnante e apresentar uma leitura simples não vejo imobilidade nessa condição. É cedo.
: vigência: marca criada para um evento futuro e bastante particular: não existe ponto de comparação dentro do mesmo contexto (exato) de criação. Comparando com outros eventos esportivos não acho ruim ou inadequado.
: reprodutibilidade e legibilidade: a palavra ‘Brasil’ me pareceu um pouco problemática (baixa qualidade gráfica) mas foi suprimida nessa segunda apresentação – acredito que venham mudanças por aí sobretudo por conta do ‘Z’ na grafia internacional do nome do país. O sinal como um todo parece atender bem a esse parâmetro, e o fato da marca apresentar muitas cores (já temos 3, vem o preto deFIFA, algo para Brasil…) não costuma ser um problema em marcas oficiais de eventos esportivos (lembrando das 5 cores dos anéis olímpicos). O símbolo criado me parece ser resistente a reduções e é fácil de ser ‘lido’ nos diversos meios de impressão/projeçã o. Reforço: ajustes pontuais podem aprimorar o sinal, mas essa observação reflete um princípio projetual meu particular, influenciado pela proximidade que tenho com questões de acabamento relacionadas ao universo da tipografia. Eu meteria a mão pra ajeitar a marca, e talvez estivesse estragando ela por um outro ponto de vista.
: pregnância: ponto alto do sinal criado.
: vocatividade: o encontro das mãos e do movimento sugerido ocorre no centro de massa do elemento.
: singularidade: o sinal é diferente e escapa de maneira inteligente dos clichês futebolísticos: chute-chuteira- bola-jogador ou nacionais: natureza-folk-samba-tropical.
: declinabilidade: vale esperar mais um pouco para ver o sinal associado a outros elementos dentro do programa de identidade da marca. Ver se será feito alguns ajuste na parte tipográfica da marca e que tipografia vai ser definida para complementar o projeto.
Conclusão: acho a marca interessante. Minha crítica fica por conta do refinamento visual do sinal, tanto em relação a parte tipográfica quanto em relação aos elementos que integram a marca. Acho que as curvas estão mal construídas, mas não a ponto de assumir a degeneração da forma como um partido visual consistente. Mas isso é uma decisão de projeto que ainda pode sofrer melhorias: me incomoda, mas eu respeito se não tiver sido acidental – e seria inocente da minha parte achar que foi.
Quanto aos notáveis: não vi as outras marcas pra saber se a escolha foi boa ou lamentável. Questiono a ausência de um profissional da área com mais tarimba (pela minha régua) que Hans Donner, mas isso não qualifica automaticamente a marca como sendo ruim. De uma discussão técnica podemos extrair alguma coisa, da implicância apenas uma ou outra piada bem colocada.
Atualmente eu me recuso a julgar algo como ‘feio’ ou ‘péssimo’ pelo conjunto de valores que elegi como alicerces de um conceito tão complexo como qualidade. Por conta disso eu me senti livre pra admirar uma dezena de profissionais que fazem coisas que eu jamais faria, e escolhem cores e fontes que eu jamais poria em meus trabalhos. Me senti a vontade inclusive para olhar o ‘feio’ e acha-lo interessante também, justamente por ser complementar e visualmente estimulante.
Essa ‘liberação’ decorreu dentre outras coisas de uma investigação paralela realizada durante o meu mestrado, a respeito da influência da ferramenta no processo de criação, que culminou numa apresentação que batizei de ‘os campos morfogenéticos e os atratores tecnológicos’.
A matemática – expressa através do contorno vetorial – é uma força poderosa que converge o desenho no ambiente digital na direção de um tipo de acabamento que eu talvez julgue como sendo bom, melhor ou adequado. É um atrator que determina não só a minha percepção da forma, como por consequencia minha atuação nesse ambiente de criação também. E já se vai uma década estudando tipografia e analisando o mundo sob esse filtro particular, difícil fugir.
Mas isso me fez rever um pouco o que eu considerava como sendo qualidade visual, buscando liberar meu olhar da precisão vetorial que muitas vezes me impedia de ir além da questão do acabamento. Por que isso é tão importante a ponto de determinar que a marca é ruim? Na análise que fiz eu listei características de projeto, não qualidades visuais. Posso estar enganado em relação a diversos aspectos, mas é ali que eu sei trabalhar. Não trabalho com imagens, trabalho com projetos, com relações entre forma e conteúdo.
Como diria Paul Rand: ‘Estética é um livro de mais de 1000 páginas do Hegel’ – não é dizer se algo é feio ou bonito.
Já essa tal ‘escolha dos notáveis’ é pura jogada de marketing, pescaria de bobo: eu arrisco meu braço direito como isso nem aconteceu ou se rolou foi uma mera formalidade. E discordo de quem acha que é um tiro que sai pela culatra: sai pra uma pequena classe de profissionais e uma fatia mínima de bem informados, o resto vai achar legal o fato da escolha ter sido endossada pelo fulano de tal (ainda mais lá fora, que nego conhece essas pessoas por uma faceta glamourizada).
É uma pena, mas o design brasileiro ainda precisa comer muito capim mesmo, verdade seja dita. O ambiente por aqui ainda é muito pouco profissional: veja essa gritaria ridícula que marcou a reação dos profissionais brasileiros diante de um trabalho grosseiramente abandonado na internet sem uma linha de defesa: emotiva, agressiva, superficial e vazia. Os designers provam sempre ser a pior classe de clientes, e depois reclamam quando isso acontece nas suas apresentações e relações profissionais. Por que o designer age sempre como leigo na hora de criticar o projeto alheio?
“A marca é feia”… Porra, feio é pé de mendigo! Que trabalho vcs já apresentaram pra 200 milhões de clientes dessa maneira que foi aprovado com louvor?
Beleza. Mas que é mal acabada, ah, é sim.
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/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.