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segunda-feira

16

julho 2012

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Gal é nóis

Written by , Posted in Destaque, Música, Resenhas

Existem muitos caminhos para um artista se atualizar musicalmente. Algumas delas: agarrar novidades e forçar a barra em modernices; colar em alguém (um produtor, músicos) que consiga fazer isso por você; ou cair dentro, misturar-se a produtores e músicos novos, aproximar-se das novidades, envolver-se e criar algo original.

Das opções listadas, a terceira é sem dúvida a que exige mais e também a que dá melhores resultados. Por mais óbvio que seja, nem sempre esse é o caminho listado. Não tem nada a ver com idade ou geração, está mais relacionado a postura artística. Exatamente por isso não é surpresa ver que Gal Costa – ao contrário de tantas cantorinhas da nova geração – escolheu o caminho mais difícil.

Pelo mais puro merecimento, cantando igual uma menina, voz intacta, Gal (res?)surge em “Recanto” como se o tempo não tivesse passado – ou não tivesse deixado que o tempo tenha passado por ela, no que pese os poperô cafona/maduro entre essa Gal e a dos anos 70. Quem cresceu nos anos 80 pode não ter lá as melhores lembranças; um disco e show como esses fazem o favor de ajustar as contas.

Concebido e escrito por Caetano Veloso, o eletrônico “Recanto” surpreendeu mais do que chocou no lançamento, ano passado. Surpreendeu pelo inesperado – Gal sobre bases eletrônicas do Kassin, Duplexx – causando estranheza. Ainda que alguns momentos trip hop tenham nascido datados, ao menos datam uma sonoridade boa. Mais que isso, sublinham a coragem de experimentar de Gal.

Acompanhada por Pedro Baby (violão/guitarra), Bruno Di Lullo (baixo/guitarra) e Rafael Rocha (MPC/bateria), ao vivo a viagem eletrônica de Gal funciona muito melhor. Conta muito para isso a esquentada que dá ver os músicos executando os temas, a bonita iluminação e, sobretudo, a presença magnética de Gal. E a voz, intacta (já falei isso?), atingindo as notas em clássicos cantados no tom original (a “mara-voz”, ela bem sabe).

Não vem à mente diva nenhum arriscando algo parecido no mundo, transgredindo de maneira expontânea, sem ser através de participações em projetos dos outros. Dando um passo além, Gal trouxe clássicos do seu repertório para a estética proposta, facilitando o entendimento para um público distante dessas sonoridades, pegando os fãs pela mão para conhecer outros sons.

As novas “Neguinho”, “Miami Maculelê”, “Tudo Dói”, “Recanto Escuro” ou “Autotune Autoerótico” são intercaladas com “Força Estranha”, “Vapor Barato”, “Baby”, “Barato Total”, “Dom de Iludir”, “Folhetim”, “Meu Bem, Meu Mal” ou “Modinha Para Gabriela”, ora as antigas transformadas pelo novos arranjos, ora em voz e violão, para dar uma moleza pra plateia. Ponto pra ela.

Emulando seu dueto com Tim em “Dia de Domingo”, fazendo os graves da voz do síndico, ou cantando neguinho é nós em “Neguinho”, cantando sozinha sobre um arranjo de violão e bateria minimalista ou sobre uma base de baile funk, Gal está sobrando.

Quem gosta de música sonha com momentos assim (ainda mais no Brasil, quando medalhões costumam ir por caminhos bem estranhos e caretas com a idade), poder ver um show de um artista importante que não tenha parado no tempo, sido modernizado na marra ou sofrido com uma falsa sofisticação dos arranjos. Gal, com a banda certa, cantando clássicos sem mofo, num dos shows do ano. Que presente.