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outubro 2008

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Rolling Stone, Setembro/2008

Written by , Posted in Imprensa, Música


foto: proline00

Uma análise da cobertura da imprensa britânica dos passos da Amy Winehouse, escrita para acompanhar a matéria de capa sobre a cantora. Não tenho certeza se acabou não sendo publicada.

Procura-se Amy

Seja bem vindo ao fabuloso mundo das celebridades inglesas. Conheça Lilly Allen, a jovem beberrona que não está nem aí pra nada. Divirta-se com as constantes trocas de namorado (quase sempre músicos) da ex- super modelo Kate Moss. Ferva de raiva com Heather Mills, a interesseira ex-mulher de Paul McCartney. E, finalmente, acompanhe as agruras da cantora e viciada Amy Winehouse e seu companheiro de aventuras, o garoto problema Pete Doherty.

Isso é um bom resumo do clima de circo de horrores montado pela imprensa que cobre as notícias – melhor dizendo, fofocas – do mundo do entretenimento em Londres. Mais do que noticiar, os jornais locais – ou um segmento específico deles, os tablóides – exercem um papel de entretenimento, parecido com o das novelas no Brasil.

A cada dia, a tarefa é entregar novos desdobramentos das principais histórias aos leitores, como se fossem capítulos, com uma nova revelação a cada dia e um gancho para o seguinte. Não é difícil imaginar que, nesse cenário, vários fatos sejam extrapolados (quando não, tirados de contexto), na obrigação de alimentar esse ciclo.

É curioso o fato de que em diversos cursos de jornalismo da Inglaterra, os estudantes tenham aula de como escrever roteiros de ficção. Basta ler os jornais para constatar o uso da técnica no forte uso da estrutura narrativa na forma de relatar as notícias.

Mesmo nos jornais considerados sérios, esse tipo de estrutura também é utilizado. O caso da menina Madeleine McCann é um bom exemplo. Dia após dia, as novidades (e providenciais enchimentos de lingüiça) eram liberadas a conta-gotas, prendendo a atenção dos leitores.

No jornalismo de celebridades essa estratégia é potencializada. O palco principal desse universo são os jornais gratuitos distribuídos nas entradas do metrô, todas as manhãs e tardes, um dos principais passatempos para as longas viagens.

No reino de faz de contas das celebridades, o trabalho dos artistas (ou dos poucos que realmente são artistas) pouco importa. Não interessa a música, ninguém está nem aí para o filme. Cada um deles entra no jogo – por vontade própria ou não – para desempenhar um papel pré-estabelecido.

Para Amy, coube o da jovem talentosa e drogada. Afinal, todo elenco pop que se preza, precisa ter sua diva do rock aprisionada no inferno dos tóxicos. Se isso corresponde fielmente a realidade é difícil dizer. As notícias e fotos, cuidadosamente escolhidas para parecerem o mais bizarras possível, não deixam espaço para interpretações. Cabe a Amy seguir o roteiro escrito para ela.

Seus discos estão entre os mais vendidos e suas músicas entre as mais executadas nas rádios. No entanto, pouco se lê a respeito do seu trabalho. As resenhas dos shows são um análise de seu comportamento, suas performances são medidas por seu nível de sobriedade.

A desgraça de Amy Winehouse não são seus vícios. O problema maior são os milhões de pessoas que acompanham os seus passos, secretamente desejando sua morte para saciar a curiosidade de saber o final da história.

Encurralada, Amy entrega o que dela esperam: escândalos atrás de escândalos, quem sabe imaginando que consiga aplacar o desejo insaciável por mais detalhes da sua vida.

Uma pobre coitada? De maneira nenhuma. Atitudes irresponsáveis e um estilo de vida explosivo, cedo ou tarde costumam cobrar seu preço. Triste é ver uma pessoa ser explorada dessa forma, em vez de socorrida de uma tragédia anunciada. Porém, o público pagou o ingresso, é natural que espere um espetáculo.

O maior problema da Amy talvez seja, simplesmente esse: ter um problema.

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