quinta-feira

14

setembro 2006

12

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Rio em movimento

Written by , Posted in Urbanidades

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Enquanto espero para atravessar a Mena Barreto, em Botafogo, o senhor ao meu lado, com os olhos embaçados pela catarata, começa a falar sozinho. Aos poucos o volume vai aumentando, de maneira que acabo prestando atenção no que ele diz, mesmo sem querer.

Ao perceber que estava ouvindo, ele vira-se e passa a falar diretamente comigo. Começando por frase desconexas, alguns “o Senhor é nosso pai” e coisas assim, os olhos foram ficando úmidos e derramaram quando ele finalmente bateu no braço pra dizer que “o sangue que corre aqui dentro é negro! Eu tenho o peito vermelho!”.

O motivo do choro era bem simples: ele havia sido chamado de “macaco”, em Laranjeiras, algumas semanas antes e ainda doía. Um senhor, catando latinhas. De 60 e poucos anos. Sem raiva, apenas frustração, ele falou de como não entendia esse tipo de comportamento, com o qual ele teve que conviver a vida toda.

Ele não pediu nada, não foi agressivo ou rancoroso. Tudo que ele queria era desabafar com alguém. Atrasado para chegar ao cartório, que fechava dali à cinco minutos, resolvi parar e escutar.

A contrário do estereótipo do malandro sabichão (um mito que se tornou maior que a realidade) sugere, o que define os habitantes do Rio é — ou era — uma postura mais relaxada em relação à vida. Gente que não dispensa um papo, que não esquece de perceber quando o dia está lindo e outras ingenuidades tão saudáveis.

Como numa cidade pequena, povoada por pessoas que escolheram o mesmo lugar para viver por buscar estilos de vida minimamente parecidos, o Rio tem um senso de comunidade, muito mais do que de metrópole.

Obviamente, com o crescimento desordenado, esse filtro se perdeu. Embora em alguns bairros os moradores ainda se cumprimentem na rua, mesmo sem se conhecer de fato, pouco a pouco (ou muito a muito, como preferir), isso está acabando. O fim da carioquice.

No ônibus, voltando pra casa, sem ter perdido o horário do cartório, assisto uma senhora, sobrevivente de um Rio cada vez mais distante, oferecer ao trocador um saquinho de biscoitos caseiros, daqueles embrulhados em plástico transparente, com um laço pra fechar. Sem graça e surpreso, ele aceitou, guardou e explicou que comeria depois.

Ele fica enjoado quando come com o ônibus em movimento.

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  1. Lonha
  2. Rod
  3. Bruno
  4. rafa
  5. Sonia

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