quinta-feira

19

janeiro 2006

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Paradoxos

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Cidadão Instigado
foto: Joca Vidal

Já são 14 dias ininterruptos de sol no Rio. Dias lindos, sem nenhuma nuvem no céu e praia (pra quem pode). Uma leseira generalizada toma conta, devido ao calor, reduzindo o ritmo das coisas, como só acontece no verão. Nessas condições, assitir um show no final de tarde exige um esforço extra para vencer a preguiça. Ou pelo menos um bom motivo. Ontem, havia um bom motivo, chamado Cidadão Instigado. Sorte de quem se deu conta disso.

Já havia escurecido lá fora quando Fernando Catatau (voz e guitarra), Regis Damasceno (guitarra, violão), Rian Batista (baixo), Clayton Martim (bateria acústica e eletrônica) e Marcelo Jeneci (teclado) subiram ao palco do Humaitá pra Peixe. O pôr-do-sol, no entanto, aconteceria dentro do Espaço Cultural Sérgio Porto.

A melancolia das canções compostas por Fernando Catatau, somada à riqueza musical e letras de um humor bastante peculiar, criam um paradoxo. Divertem ao mesmo tempo que angustiam, seja pelos temas abordados (solidão, apatia, abandono), seja pelos arranjos, muitas vezes contrapondo as duas coisas, em músicas alegres de letras tristes (ou vice-versa). Trilha para um pôr-do-sol estranhamente depressivo e um tanto absurdo, no escuro de um teatro.

Firmando-se como um dos mais interessantes compositores de sua geração, Catatau está em toda parte. Como guitarrista, tem colaborado com a Nação Zumbi, Los Hermanos, Otto, DJ Dolores, Instituto e o que mais de bom pinta pela frente. O show é baseado nas músicas de seu segundo disco, o ótimo “Cidadão Instigado e o método túfo de experiências”, além de algumas do primeiro, “O Ciclo da Dê.Cadência”. Porém, em suas apresentações, Catatau não precisa apelar para participações especiais dos amigos famosos ou expedientes do gênero.

A reação do público, abduzido pela viagem caótica proposta pelo quinteto, confirma isso. Em vez do calor, dessa vez a leseira generalizada foi culpa de guitarras ora psicodélicas, ora rasgadas, flutando na nuvem de teclados, linhas de baixo e bateria na condução das bela canções do Cidadão Instigado.

Ao vivo, as músicas ficam ainda mais doidas e a interpretação de Catatau, se contorcendo nos solos e cantando com o coração, contribuem para isso. As música climáticas (algumas chegam a sete minutos), misturam brega, rock, reggae, ritmos nordestinos e programações eletrônicas. Influências que, listadas dessa maneira, parecem impossível funcionarem juntas. Mas funcionam. E como.

A quantidade de artistas presentes refletia a relevância do trabalho do Cidadão Instigado. Estavam lá alguns dos principais nomes da nova música brasileira, essa que anda pra frente sem se prender a tradições, que a mídia teima em chamar de “alternativa” e que ainda está lutando para ser devidamente reconhecida. Estavam lá, entre outros, Kassin, Lucas Santtana, Wado, BNegão e integrantes do Hurtmold e do Los Hermanos. O fino.

Catatau entrou mudo e saiu calado, com uma breve exceção para apresentar os integrantes da banda e agradecer a presença do público, no final do show. Ainda se escutava os aplausos quando Bruno Levinson, organizador do HPP, subiu ao palco para anunciar a próxima atração.

Enquanto isso, minutos após uma apresentação catártica e antológica, Catatau voltou ao palco com a banda, dessa vez para desmontarem eles mesmos os equipamentos, como se fosse um iniciante. Faz sentido. O Cidadão Instigado é feito de paradoxos.

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  1. Carol *
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