quarta-feira

24

março 2004

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Entrevista Pedro Doria (Observatório da Imprensa)

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A entrevista que fiz com o jornalista Pedro Dória, publicada aqui no URBe, pulou para o saite Observatório da Imprensa.

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Se Pedro Doria não tivesse trocado seu curso de Engenharia na UFRJ pelo de Comunicação, a imprensa teria perdido um ótimo jornalista. Com passagens pela Rede Globo e pelo jornal o Dia, aos 29 anos, Pedro assina uma coluna no No Mínimo.

Suas análises da política internacional, sempre na mosca (algo difícil nos tempos atuais), são uma das melhores fontes para entender o que se passa pelo mundo.

Nessa conversa com o URBe, Pedro explica seu modo de trabalhar, fala sobre escrever entre bambas e ainda avalia os possíveis resultados da eleição dos EUA.

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Como você começou a escrever na No Mínimo?

A NoMínimo nasceu de um grupo de jornalistas que trabalhava na NO., um site bem maior que fechou por conta da crise das ponto-com. Lá, eu era editor de Internacional e assinava uma coluna diária, misto do que hoje são o Weblog e a minha coluna.

É muita responsabilidade estar no meio dessa turma toda?

Sou o caçula, faço 30 este ano. Olha, não tem universidade que ensine o que eu aprendo todo dia lá. Clichê, não é? Pois é, só que no caso é isso. É nas sutilezas que o processo acontece. Alguém mexe no seu texto, inclui uma vírgula e faz toda a diferença. E é mais que isso. São as conversas: uma troca de idéias constante, quando você para pra ver, não é numa ou noutra idéia que você está aprendendo: é na maneira que o raciocinio se organiza, ali onde as dúvidas surgem, na sacada que você não teve e alguém com várias décadas de experiência mais que você têm. É na maneira que voce vê as pessoas discutindo idéias e depois vê o texto delas pronto, escrito numa elegância, numa organização. Só então você percebe como o raciocínio se formou e como o trabalho final ficou. Esses caras eram meus ídolos quando pensei em ser jornalista. Vale cada segundo.

O que vc lê diariamente, quais são suas referências?

Sou mau leitor de jornal, passo os olhos na Folha e no Globo, principalmente na parte de internacional — para saber o que eles destacaram, consideraram importante, o que estão noticiando. Têm sempre aquelas figuras que, não importa sobre o que estão escrevendo, gosto de ler. Elio Gaspari, Clovis Rossi, isso para não falar da turma do site.

Não dirijo, em geral vou de ônibus para a redação, o que acaba tomando uns 40 minutos de ida e de volta. Gasto esse tempo com livros, principalmente, não-ficção, história contemporânea, escrita por jornalistas ou historiadores. Pode ser coisa muito específica — agora, estou lendo um chamado ‘The Bill Clinton Story’, de um veterano jornalista chamado John Hohenberg, que presidiu muitos anos o prêmio Pulitzer, e que conta a história da eleição presidencial de 1992, nos EUA.

Quando o dinheiro permite, gosto de ler algumas revistas também, principalmente The Economist, The New Yorker, Atlantic Monthly, Wired, para citar as mais usuais.

Quais são seus sites obrigatórios, aqueles que você não deixa de ler nenhum dia? Você lê sites e blogs pessoais, que não sejam de grandes veículos de comunicação?

Meu guia é minha Startpage. Ela está sempre aberta; não leio tudo ali todo dia, claro que não; nem a metade. Às vezes clico ao léu, às vezes vou à cata de algum jornal de um país específico. Mas claro que isso é limitado pelas línguas que você fala — meu francês é ruim, então acabo evitando os franceses. É limitador, principalmente neste caso, porque muito do escrito sobre o Oriente Médio de bom é em francês. Gosto um bocado do Blue Bus.

Leio muitos blogs, em alguns dou uma olhada quase diária: Daily Kos, Scripting News, Metafilter, Eros Blog, Romenesko’s Media News, InternETC… o critério é informação ou bom texto. Nos dois você lucra.

Acontece um fato grande, importante. Como você faz, da análise dos fatos até publicar o texto?

Complicado, vamos lá. No início de tudo você recebe a notícia. Explodiram trens em Madri. Alguém liga e avisa, você ouve no rádio, alguém comenta no bar. Nesse momento, ligo para algum amigo, meu pai, que é media junkie, algum colega de redação, para saber o que está acontecendo. Neste meio tempo, já estou a caminho ou da redação ou de casa. Aí, a primeira coisa que faço é ligar a televisão, ou GloboNews ou algum dos canais jornalísticos estrangeiros, CNN, BBC, FoxNews, no caso espanhol, TVE da Espanha. A tv me serve como ruído de fundo, cada nova informação relevante, conforme vai aparecendo, ouço ali.

Análise nao é opiniao, análise é informação cruzada. Para isso, você depende das perguntas que faz. Explodiram trens em Madri, a pergunta começa com foi a Al Qaeda, foi o ETA? Naquele dia, escrevi uma coluna sobre as duas possibilidades quando a tv veiculou que a Al Qaeda tinha assumido o atentado para um jornal árabe de Londres, o al-Quds al-Arabi — ficou claro que tinha sido a Al Qaeda, porque eles sempre se comunicam através de lá. Depois de um tempo cobrindo isso, você aprende esses macetes.

Tento ficar de olho no que comentaristas que respeito estão dizendo, mas muitas vezes só é possível no dia seguinte. Lendo comentário dos outros você aprende um bocado, principalmente em como, com as mesmas informações que você tinha, chegaram a outras conclusões. O trabalho, basicamente, é este: reunir informação. Enquanto a tv está ligada, você cai na web, monitorando sites como o GoogleNews para filtrar, pelos títulos, tudo o que esta sendo publicado sobre um assunto. Então você cruza informações com buscas pelo Google. O truque está em saber que perguntas você quer respondidas. Não se satisfazer com o que a maior parte das notícias te dão. Você vê, o exército paquistanes estava cercando um sujeito que parecia ser o Ayman al-Zawahiri, lugar-tenente do bin Laden. O noticiário vai te dizer isso: planejou o 11 de setembro, é braço direito de bin Laden, alguns se aprofundam um pouco mais. O que você quer saber?

Bem, o que você quer saber é como fica a al-Qaeda sem esse sujeito. Que tipo de pessoa ele é. E você começa a mergulhar na biografia dele a procura de respostas. No fim, resta seu feeling. A análise serve para ajudar o leitor a entender porque uma coisa é importante, dar uma idéia de o que pode acontecer. Você tem de contar com um leitor inteligente que saiba que você está abrindo uma porta, buscando caminhos, mas que de maneira alguma você é infalível. Você é apenas alguém pago para se preocupar exclusivamente com o que está acontecendo no mundo para ajudar o leitor, concentrando em pouco espaço o que você gastou o dia — ou a semana, o mês, o ano, a vida… — apurando.

Você tem feito uma boa cobertura da corrida presidencial nos EUA, contextualizando fatos e explicando muitas das confusões inerentes. Consegue prever o que vem por aí? Descreva brevemente (se é que dá…) os dois cenários possíveis.

É claro que não consigo prever nada — eu achava que o Howard Dean ia ser o candidato. A velocidade com que ele sumiu foi estonteante. Por outro lado, ele foi importante, tirou dos Democratas o medo de bater no Bush. É mais provável a eleição do Bush do que a do Kerry, mas nao é de forma alguma impossível a eleição do Kerry. Hoje, eu diria, 60/40.

Bush, dois cenários: ele percebe que os neo-conservadores prepararam várias armadilhas pra ele, tudo que prometeram que aconteceria não aconteceu e os demite no dia seguinte à posse; não pode fazer antes porque demonstra fraqueza. Se isso acontecer, ele chama de volta a turma que esteve com seu pai no governo, gente como James Baker. Teremos um governo menos belicista, mais pragmático, tentando remendar o estrago, aproximar-se da Europa para conseguir ajuda no Iraque. Outro cenário: Bush continua neo-conservador. Escolha o seu: Irã, Síria. Acho que vão pra Siria, Irã é complicado demais.

Kerry vence. Bem, será um governo parecido com o de Bush sem os neo-conservadores, aproxima-se da Europa, tenta remendar relações para conseguir ajuda no Iraque. Mas será diferente de qualquer Bush no sentido de que haverá o retorno do investimento em pesquisa científica, menos religioso em sua visão de mundo. Ambos serão mais protecionistas economicamente. É profundamente difícil imaginar um governo Kerry porque a última vez que este braço do Partido Democrata esteve no poder foi quando o Kennedy era presidente — vamos ver. Tudo é chute essas alturas… muito cedo para avaliar de fato.”

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