O recado de Llewyn Davis para nova geração
Written by urbe, Posted in Destaque, Imagem, Música, Resenhas
foto: Alison Rosa ©2012 Long Strange Trip LLC / via página oficial do filme
Protagonista de , “Inside Llewyn Davis”, novo filme dos irmãos Cohen sobre a dura vida de um compositor de folk no início dos anos 60 em NY, a trajetória de Llewyn Davis deixa um recado para atual geração de artistas: não é só porque você sabe fazer música bem que vai viver disso.
Ao contrário do que pode parecer, não se trata de uma obra menor na filmografia dos Cohen – e o gato tem muito a ver com isso (cuidado que ambos os links contém spoilers).
Siga a leitura apenas se você já assistiu o filme ou não se importa em saber detalhes reveladores da trama. Abaixo tem detalhes do interessante uso de um roteiro não-linear. Se alguém quiser opinar ou tiver alguma teoria, compartilhe.
É intrigante tentar entender o significado das duas narrativas paralelas causadas por uma quebra de linearidade na história logo no início do filme. O mesmo Llewyn vive duas histórias diferentes, embora seja difícil entender em que ponto se dá a bifurcação ou reviravolta que levaria a dois destinos diferentes no mesmo filme. Não encontrei nada de relevante escrito a esse respeito por quem entende do riscado.
No resumo simplista das principais cenas do filme abaixo (marquei com um “***” as partes onde se dão as quebras de linearidade e/ou alterações na narrativa no roteiro) dá pra relembrar as duas narrativas apresentadas:
– O filme começa com Llewyn tocando “Hang Me, Oh Hang Me”, encerrando seu show no Gaslight. Ele fala que o público já deve ter ouvido aquela antes, conversa com dono de bar, que o avisa que tem alguém o esperando do lado de fora.
– Llewyn sai do bar e entra na porrada por conta dos gracinhas proferidos da noite anterior.
***
– Fade out/fade in e Lewyn acorda no apartamento dos amigos mais velhos que o ajudam vez ou outra. Ele não tem marcas de socos no rosto, portanto entende-se que houve uma passagem de tempo: um flashback ou um flashforward.
– Llewyn acorda com gato na sua cara, gato pula pra janela
– Ao deixar o apartamento, o gato foge. Ele bate um papo com o ascensorista no elevador
– Llewyn vai na casa do Jim & Jean e Jean conta que está grávida
– Numa noite, Llewyn destrata a mulher do casal de amigos mais velhos que eventualmente o ajuda porque ela começa a cantar junto com ele.
– Llewyn viaja pra Chicago, se dá mal numa audição com um poderoso da indústria e volta pra NY.
– Desiludido com a carreira, Llewyn tenta retomar a carreira na marinha mercante, mas até isso dá errado pois ele perdeu sua carteirinha do sindicato.
– Sem muitas opções, ele volta a casa de Jim & Jean para pedir para deixar suas coisas por lá. Jean conta que conseguiu incluí-lo numa apresentação no Gaslight na noite seguinte, que teria a presença de jornalistas.
– Na noite anterior ao seu show, Llewyn vai ao Gaslight, enche a cara e xinga a mulher que se apresenta.
– Bêbado, ele vai para casa dos amigos mais velhos, pede desculpas pela briga em sua última visita, e dorme lá.
***
– Llewyn acorda com o gato na sua cara, mas dessa vez o bichano sai pelo outro lado da cama. Todo resto da cena é idêntico. Ou seja, a cena do início do filme era mesmo um flashback, por isso Llewyn não tinha as marcas dos socos, pois ainda não havia apanhado.
– Ao sair do apartamento, dessa vez o gato não foge.
– Llewyn passa em frente a um cinema anunciando um filme da Disney estrelando um gato, “The Incredible Journey”.
– Já no Gaslight, Llewyn toca “Hang Me, Oh Hang Me” e faz a mesma piada da cena início do filme sobre já conhecerem aquela música, também com a mesma roupa.
– Só que dessa vez em vez de encerrar o show com “Hang Me, Oh Hang Me”, Llewyn ainda toca “Fare Thee Well”.
– Ele acaba aplaudido, conversa com dono de bar de vermelho que o avisa que tem um amigo aguarando-o do lado de fora.
– Llewyn sai do bar e vemos Bob Dylan começando seu show.
– Do lado de fora do bar, Llewyn apanha. É exatamente a mesma cena do início do filme, mas dessa vez sabemos porque ele está apanhando.
– Fim do filme.
Resumindo: na segunda realidade, quando o gato não foge da casa, todo o resto do filme não acontece. Da saída da casa, vamos direto para as duas noites no Gaslight (quando ele xinga a catora e quando ele apanha).
É aí que esse flashback fica bastante confuso. Por um lado, sugere que ao não perder o gato a vida de Llewyn toma um rumo diferente e bem mais simples (o que faz bastante sentido, ainda mais o gato sendo uma representação tanto dele próprio quanto do sucesso), Porém, independente dele perder ou não o gato, ele chegou aquele dia através da história que acabamos de assistir. Se ele não perde o gato e vamos direto para o Gaslight, onde estava Llewyn antes de dormir na casa dos amigos mais velhos?
Duvido muito que seja um buraco no roteiro, mesmo porque seria muito grosseiro. Difícil é entender onde a história se bifurca. E fica a certeza que os Cohen não dão mole nem quando usam um clichê tão batido quanto um flashback.
O disco do cantor original, inside dave van ronk, é muito bom. Eu tenho o disco, mas não achei na internet.
Nao sei até que ponto interessa saber a ordem das coisas ou se o filme se passa em realidades paralelas, acho mais jogo colocar o cara dentro de um Groundhog Day (Feitiço do Tempo).
O filme é uma roadtrip pra lugar nenhum. Ele sai de NY e acaba em NY. Ele começa no Gaslight e acaba no Gaslight. A vida do cara é um eterno loop e o motivo principal é pq ele começa como um cretino e acaba como cretino.
A minha pergunta é a seguinte: existe mesmo uma “segunda realidade”?
O que vemos após o primeiro corte, quando o gato aparece acordando o protagonista, é o início da linha temporal do filme.
No final, quando entendemos o que as primeiras cenas significam, estamos vendo, na verdade, um outro dia na vida de Llewyn, posterior ao dia em que o gato foge. Isso fica claro justamente pelas sutis diferenças que existem entre um dia e outro, como, por exemplo, o gato ir para uma outra direção ao acordar Llewyn, ou não ter conseguido fugir dessa vez (um pequeno alívio cômico).
Lá pela metade do filme, quando os Gorfeins convidam Llewyn para jantar eles deixam claro que sempre que não há mais alternativa, Llewyn os procura, para ter um sofá para dormir. É isso que acontece no final do filme, uma repetição de um dia medíocre na vida de um cara medíocre.
Não vejo espaço para realidades paralelas ou coisas do gênero. Não cabe na proposta do filme, de apresentar a história do folk pela visão de um fracassado, e não de um vencedor.
Além do que, não acho que tem muito a cara dos Coen. Enfim…
e o fato dele apanhar duas vezes, do mesmo cara, com os mesmos diálogos tanto no bar antes de sair, quanto durante a briga?
Ele não apanha duas vezes. Apanha uma vez só.
As cenas do início e do fim do filme retratam o mesmo dia, o dia em que o gato não fugiu. Esse é um dia posterior ao dia em que o gato fugiu.
O dia em que o gato foge é o primeiro dia da história dele. O dia em que o gato não foge e ele se apresenta no bar é o último.
só pra martelar um ponto furado nessa explicação: e os diálogos idênticos?
Os diálogos são idênticos porque a cena é a mesma. Repetida. Alongada, é verdade. Com detalhes que não haviam sido mostrados, como a apresentação do Bob Dylan. Mas, ainda sim, a mesma cena.
vc não acabou de falar que sao dois dias diferentes?
Eu disse que as cenas do início e fim do filme se referem ao mesmo dia e que esse dia é diferente do dia em que o gato foge.
ah tá. desculpa. faz sentido.
vc consegue listar entao como ficaria a ordem então? fiquei curioso.
Não precisa do sarcasmo, cara. Só estamos conversando. Eu acho.
Me apropriando do seu texto, a sequência de eventos ignorando a quebra de linearidade, na minha humilde opinião:
– Fade out/fade in e Lewyn acorda no apartamento dos amigos mais velhos que o ajudam vez ou outra.
– Llewyn acorda com gato na sua cara, gato pula pra janela
– Ao deixar o apartamento, o gato foge. Ele bate um papo com o ascensorista no elevador
-Todos os outros acontecimentos
– Na noite anterior ao seu show, Llewyn vai ao Gaslight, enche a cara e xinga a mulher que se apresenta.
– Bêbado, ele vai para casa dos amigos mais velhos, pede desculpas pela briga em sua última visita, e dorme lá.
– Llewyn acorda, no dia seguinte, com o gato na sua cara, mas dessa vez o bichano sai pelo outro lado da cama. É mais um dia ordinário na vida do cara comum. Por isso tudo é semelhante, não idêntico.
– Ao sair do apartamento, dessa vez o gato não foge.
-Ele vai para o show no bar. A mesma cena do início do filme, apenas mais detahada, mostrando, por exemplo, a última música do show, que não havia sido mostrada. A câmera continua rodando e vemos os detalhes: a última música, bob dylan tocando etc.
– Do lado de fora do bar, Llewyn apanha. É exatamente a mesma cena do início do filme, mas dessa vez sabemos porque ele está apanhando.
Foi mal aí, pelo comentário gigante.
não estou sendo sarcástico não, fiquei curioso mesmo!
boa, faz sentido assim sim, como se a cena final fosse mera ampliação da cena inicial. ainda não sei bem pra que esse nó, mas faz sentido assim e agora posso dormir sem pensar nessa parada.
Valeu! Abs.
/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.
falaurbe [@] gmail.com
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