O outro lado do Kony
Written by urbe, Posted in Destaque, Digital, Urbanidades
O documentário-missão sobre o criminoso de Guerra de Uganda, Kony, produzido pela ONG Invisible Children, lavou a internet. Em apenas três dias já passa de 44 milhões de vizualizações, somando os canais oficiais no Vimeo e no YouTube, fora as versões replicadas.
Como não poderia deixar de ser, surgem vozes contrárias ao projeto, questionando as finanças da ONG e os métodos propostos, como apoiar uma campanha militar dos EUA no país africano. Existe até um movimento contrário, o Visible Children, citado em uma reportagem do Washington Post sobre a polêmica.
Até dia 20 de abril, dia D da campanha, vem muita coisa ainda.
Indo um pouco em cima do teu último comentário no post anterior sobre o Kony.
Me assusta mesmo a idéia de cooperação com o governo de Uganda, que tem péssima reputação no que se refere a direitos humanos, vide as acusações de tentativa institucionalizar a matança de homossexuais.
http://www.youtube.com/watch?v=q32_uegzWdU
A associação com um governo corrupto ainda é explicável. O que preocupa mesmo é a acusação de ligações com o Exercito Para a Libertação do Povo do Sudão. Hoje até são um exército plenamente estabelicido com o surgimento do Sudão do Sul, mas é uma organização com um péssimo histório, e práticas dignas de Joseph Kony, vide a história do Emmanuel Jal (linkado acima).
O que me assusta (além dos fatos já mencionados) são os pressupostos por tras do projeto. lá pelos 15 minutos e pouco do video, o cara manda essa pérola: “we built the community [invisible children] around the idea of where you live shouldn’t determine whether you live”.
então tá combinado. soberania nacional my ass. vamos invadir todos os países onde as pessoas morram de forma violenta (a fome, aliás, é uma violência) e ajeitar as coisas.
o bope que se cuide; os marines vem aí.
(antes que alguém diga: “mas são coisas diferentes!”, um aviso: falo do princípio que anima a ação, não da ação em si.)
Parece-me uma interpretação um tanto forçada, Antonio, mesmo podendo ser o caso. Certamente, no entanto, toda campanha parteEDP pressuposto de que o EUA é o xerife do mundo.
Antonio acho que vc errou na mao no seu comentário..entao já que é um caso de soberania nacional q se danem os civis que sao massacrados em Uganda, Darfur,´Homs…cada um no seu quadrado e eu só cuido do meu..ahhh pelamordedeus…
acho que o príncipio que torna os EUA o xerife do mundo, é que, de uma maneira ou de outra, certo ou errado, com ou sem interesse, eles tomam a frente de determinados projetos, e acabam mobilizando a opiniao publica mundial…
mirella, permita-me discordar.
civis são massacrados em muitas partes do mundo. morrem mais pessoas no rio de janeiro por dia do que soldados americanos na guerra do vietnã (é sério). devemos receber uma intervenção militar americana por isso?
uma analogia para explicar o princípio no qual eu me baseio. se meu vizinho de porta é um porco e deixa a casa dele imunda, atraindo ratos, eu não posso simplesmente arrombar a porta dele e lançar creolina no chão todo. tenho que convocar o condominio, que pedirá uma solução; caso não seja atendida, aí sim tomamos as providencias cabíveis (uso da força). agora, se o próprio vizinho pede socorro, aí posso arrombar a porta.
voltando: há casos extremos, onde a força externa a um país se faz necessária — como em ruanda, por exemplo. mas há um procedimento para isso. não pode ser simplesmente um país, o mais forte da turma, entrando na base porrada (termo técnico para isso: ação unilateral). é preciso que a ação seja multilateral, conte com a aprovação da comunidade internacional.
e, perceba, o “certo ou errado” faz toda a diferença… pra começar, kony não está em uganda faz tempo. segundo: a iniciativa desconsidera completamente a realidade complexa do país… ( sobre isso, ver link para artigo na foreign policy no final do meu comentário)
por fim, dizer que os eua tomam a frente em “determinados projetos” é apenas ingenuidade. os eua foram o unico pais desenvolvido do mundo a não assinar a convenção do genocídio, proposta pelo advogado raphael lemkim (recusaram-se a fazer isso pq abriria a brecha para uma intervenção internacional dentro do solo americano — o que é inaceitável para eles, justamente em função da crença arraigada na soberania nacional, e também pq isso os obrigaria a reconhecer publicamente o genocídio que praticaram contra os índios americanos, o que acabaria com o mito do excepcionalismo americano). do mesmo modo, os eua se recusaram a ratificar o estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI), porque não querem que seus cidadaos, sobretudo militares e politicos, estejam sujeitos às decisões do tribunal. soldado americano que for pego torturando civis inocentes, mijando na cara de afegões, estuprando meninas iraquianas e etc, não podem ser julgados pelo tribunal.
http://blog.foreignpolicy.com/posts/2012/03/07/guest_post_joseph_kony_is_not_in_uganda_and_other_complicated_things
O que não entendo é o seguinte: onde que está dito que os EUA vão sair invadindo Uganda? A campanha traz conhecimento para causa, pede uma solução, depois disso cabe a quem decide esse tipo de coisa tomar as decisões da maneira padrão. É um protesto, não um partido político. É a mesma coisa que, sei lá, esperar que um grafiteiro peça licença para pintar um muro.
enquanto estratégia de comunicação o que me deixa com um pouco de pé atrás é o approach extremamente emocional que, apesar de funcionar bem pra caramba, é meio emburrecedor e totalitário. no sentido de que não é assim que eu acredito que se deva fazer política. o elemento emocional é muito importante para mover as pessoas, mas acho que poderia ter sido dosado melhor nesse caso.
outro aspecto que me incomodou um pouco é: como esse diretor gosta de aparecer, hein?! entendi que ele é o centro da narrativa, mas rolou um certo exagero. vai ser o bono hipster dos anos 10.
ainda assim não acho que é o caso de desmerecer totalmente a iniciativa, mas não botei muita fé, não.
Bruninho, quando vc diz “onde que está dito que os EUA vão sair invadindo Uganda?”, fica parecendo uma invasão a la Iraque. Claro que não é isso — e vc sabe. Portanto, vale a pena usar as palavras certas para descrever a situação. (Evitar a escolha adequada de palavras é fazer aquilo que os anglo-saxões chamam de “spin”, que é torcer o sentido da afirmação de alguém para em seguida criticá-la justamente por este sentido torto).
Não é “sair invadindo”. É uma intervenção militar. E em se tratando de EUA, nunca sabemos se isso será feito da maneira padrão — multilateralmente, em conjunto com foprças internacionais, com o aval da ONU. Há motivos de sobra para ceticismo quando juntamos “intervenção militar” e “EUA” na mesma frase, vc há de convir.
Claro que é um protesto. Mas é um protesto que, ao fim e ao cabo, pretende desembocar numa ação política — é este seu objetivo final.
E well, honestamente, a analogia com o grafite não fez sentido algum para mim — sequer a consegui entender. Juro.
abs
ps – ah sim: a citação que abre o filme “nada tem tanto poder quanto a força de uma ideia cujo tempo chegou”, ou algo assim, é do victor hugo. os caras fariam bem em dar o devido crédito…
Pra mim, continua na mesma: nada disso desmerece a ação. Iniciou uma discussão, agora que os responsáveis por cada área cuidem para não sair dos trilhos. O objetivo do filme é esse, iniciar a discussão e isso foi feito.
Quanto ao grafite, foi uma comparação elástica. O que quero dizer é: o cara já levantou da cadeira e fez algo, chamou atenção para um problema (e, por consequência, diversos outros na África, que agora começam a ser apontados), natural que tenha “falhas”. Se ele só pudesse sair pra rua com TUDO resolvido, não sairia nunca (como grafiteiros esperando autorização pra sua arte existir – jamais teríamos o grafite). É mto melhor, para mim, que o vídeo tenha existido.
obs: sim, deveriam ter creditado, mas é exatamente disso que falo, é procurar defeito em qualquer brecha, né? prq isso nem de longe é relevante pra discussão. e além disso, ninguém é creditado no filme, nem a equipe técnica, o que de certa forma diminui esse problema, pra mim.
teremos que concordar em discordar (como sempre, my friend).
visibilidade é bom, claro. mas não é tudo. e pode inclusive vir a ser algo ruim, se acompanhado do bom e velho imperialismo. a pretexto de se fazer uma boa ação (que é boa, indiscutivelmente: salvar crianças), perpetua-se uma mentalidade equivocada, arrogante, que reduz os subalternos a uma posição de inferioridade, definindo-os pela ausência.
na minha opinião, qualquer um que pense em resolver problemas na áfrica e não discuta o perdão da dívida dos países africanos já começa mal. mas suponho que fazer mobilização por isso não dê tanto views no youtube.
abs
Pois é. Um passo de cada vez. Foi ma otima forma de chamar atencao. Quem sabe agora não prestam atencao em outras causas?
Boa noite,
agradeço pelo compartilhamento de reflexões de todos que escreveram sobre o assunto, mas principalmente gostaria de saber do Antonio e do Artur se um de vcs continuou esta reflexão em algum outro site ou texto, pois gostaria de ler mais sobre o assunto no sentido que escreveram. Obrigada. virnagrafia@hotmail.com
Usar o filho como fez esse sujeito no documentário realmente é nojento! Já desconfio muito de sujeitos que usam a manipulação e emocionalismos baratos para angariar apoio a uma causa. Achar que as guerras na África se resumem aos “bons” contra os “maus” é de uma simplificação atroz. E os ugandenses são tratados como bebês que devem ser tutelados pelos “caras bons”, no caso – os EUA representados pelo próprio cineasta e seu exército de hipsters bem-intencionados mas ingênuos. Hoje em dia é preciso desconfiar muito das boas-intenções de causas humanitária$. E não devemos esquecer que o inferno está cheio de boas intenções.
bruninho, aposto meu rim direito que a mobilização pelo kony não vai fazer as pessoas prestarem atenção em outras causas. talvez até o oposto: as pessoas vão respirar aliviadas, afinal, já fizeram sua boa ação…
arthur: concordo contigo. há motivos de sobra para o ceticismo, nesse caso…
abs
Como diria Bob Marley, “Time will tell”. Fico na corrente dos otimistas.
/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.
falaurbe [@] gmail.com
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