O Globo, 17/09/2004
Written by urbe, Posted in Imprensa
Matéria sobre viagem à Inglaterra, para filmar o documentário “Dub Echoes”, que escrevi para o Rio Fanzine (O Globo).
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Maior viagem de eco
Após a bem sucedida passagem pela Jamaica, a Inglaterra era o destino lógico para a equipe do “Dub Echoes”, na verdade, uma dupla formada com o pesquisador e roteirista Chico “dub” Linhares. Num país apavorado com a possibilidade de um ataque terrorista e onde até as lixeiras do metrô foram substituídas por sacos plásticos transparentes, protestos pacifistas na porta do Parlamento não são o suficiente pra trazer o bem estar de volta. No “Verão da Psicodelia”, como foi apelidado pela revista Mixmag, os cogumelos alucinógenos aparecem como solução para escapar da realidade.
Desde que foi encontrada uma brecha na lei permitindo o cultivo e o comércio, os cogumelos estão por toda parte em Londres, vendidos livremente nas ruas e feiras como se fosse shitake. Os junkies de Brixton, praticamente uma atração turística da cidade, que se cuidem. Seus dias podem estar contados. Com os ingleses precisando desesperadamente relaxar, dub parecia mesmo o assunto perfeito.
O documentário pretende mostrar a importância do dub no desenvolvimento da música eletrônica e do hip hop. Para isso, depois de entrevistas com ícones do reggae dos anos 70, como o produtor Bunny Lee, o baterista Sly Dunbar e o cantor U-Roy, faltava falar com o outro lado da história, nomes atuais conscientes da influência dos experimentos jamaicanos nos seus trabalhos. Com o apoio da American Airlines, acreditando num projeto totalmente independente, e a ajuda de alguns amigos cedendo um cantinho na sala, mais rápido do que se possa dizer dubwise, a equipe cruzou o Atlântico em direção à ilha onde a libra corrói o bolso.
À caminho da Europa, uma passagem estratégica por Nova York e Los Angeles pra falar com três jamaicanos: os expatriados Scientist e Bullwackie e o visitante King Jammy. Scientist e Jammy foram aprendizes de ninguém menos que King Tubby. Além de entrevistas com Ticklah, produtor do “Dub Side of the Moon”, e Thievery Corporation, em Washington. E o caldo estava só começando a engrossar.
Logo na primeira entrevista na terra da rainha mãe, Mad Professor começou a turvar a água dizendo que, ao contrário do que se acredita, não há uma cena de dub e reggae na Inglaterra, o que existe são eventos isolados. A estranha afirmação, repetida algumas vezes por outros entrevistados, parecia querer se confirmar quando o festival Reggae in the Park foi cancelado. O motivo oficial foi a recente publicidade negativa em torno do reggae, tornando impossível encontrar um lugar disposto a correr o suposto risco de abrigar os shows de Sizzla, Gregory Isaacs, Freddie McGregor e Barrington Levy. Veio o final de semana e com ele o carnaval de Notting Hill, festança caribenha de dois dias que domina a cidade. Certamente deve ser uma questão de parâmetros, porque um lugar que tem uma festa dessas (sem falar nas muitas outras, nas lojas de disco especializadas, etc.) tem que ter uma cena forte.
Entre muitos trios elétricos de calipso, soca e salsa, os sound systems jamaicanos se destacavam. Apesar da festa originalmente ser de Trinidad e Tobago, pouco a pouco a Jamaica vai tomando conta, espalhando suas equipes de som por pontos estratégicos e colorindo a festa com as cores rasta. É espantoso o número de pessoas com camisetas, casacos, tênis e acessórios fazendo referência à ilha. Geralmente os sound systems mais disputados são os do Jah Shaka, que esse ano não tocou, e do Aba Shanti I, que quebrou logo no início. Restou correr para o Channel One, sem nenhuma relação com o lendário estúdio, pra curtir freqüências graves de engasgar. O grande problema é conseguir ir de um ponto ao outro. Com mais de um milhão de pessoas nas ruas, atravessar a massa de gente não é mole.
Em paralelo, em Liverpool, acontecia o Creamfields, evento que aterrisa no Brasil em novembro, só em São Paulo. Mesmo sendo um dos maiores festivais do mundo, a escalação desse ano estava mais caprichada que o normal: Plump DJs, Audio Bullys, Scissor Sisters (fraco…), Deep Dish, decepcionando com um set reto e sem groove, FC Kahuna, Scratch Perverts, Mark Farina, Josh Wink, Jeff Mills, Layo & Bushwacka, Dave Clarke, estavam todos lá.
Numa estratégia pra conseguir espalhar o público de 40 mil pessoas pelo espaço, as três principais atrações entraram em cena simultaneamente, no auge da noite: Darren Emerson, Sasha e o Chemical Brothers. Tom Rowlands e Ed Simmons fizeram uma apresentação avassaladora, irretocável. Sendo fã ou não da dupla, esqueça tudo que falaram de mal sobre a última passagem dos químicos por aqui e comece a juntar dinheiro pra ir pra São Paulo (de novo?! alô, alô, produtores cariocas!) em outubro pra conferir de perto. Papo sério.
Em meio a tanta coisa, a lista de entrevistados continuava crescendo. Simon Ratcliffe (Basement Jaxx), Adam Freeland, Audio Bullys, Congo Natty, Dennis Bovell, Dr. Das (Asian Dub Foundation), Dreadzone, Glyn Bush (Rockers Hi Fi), Groove Corporation, Kode 9 (do coletivo Dubstep), LTJ Bukem, Roots Manuva. Impressionante o que dá pra se conseguir apenas enviando o e-mail certo para os lugares corretos. Some a isso duas palavrinhas mágicas, Brasil e dub, e de uma hora pra outra você pode estar tomando um chá na casa de alguns dos artistas mais arredios a entrevistas de que se tem notícia.
Londres não pára. Um final de semana qualquer na cidade pode guardar uma escalação de djs digna de um grande festival, transformar a sexta e o sábado em uma verdadeira peregrinação a procura da batida perfeita. Na quinta você está na Movement conferindo o Artificial Intelligence, Flight, Ill Logic & Raf e Addiction, na sexta está na Fabric, curtindo a festa de lançamento do “Two Culture Clash” (já resenhado aqui no RF) com boa parte dos produtores que participaram do projeto (Howie B, Jon Carter, Kid 606, Switch, General Degree) botando som enquanto na pista ao lado, Randall, High Contrast, Fabio e Grooverider se revezam nas batidas quebradas.
Falando em batidas quebradas, mas não as do drum and bass, o onipresente breakbeat é sem dúvidas o estilo da vez. No mesmo sábado, Barry Ashworth (do Dub Pistols) e Matt Cantor (do Freestylers) bagunçavam a Rythm Factory praticamente na mesma hora em que Adam “We want your soul” Freeland sacudia a Fabric. É preciso se virar em dois pra conseguir acompanhar tudo.
Após quase 30 entrevistas, as malas voltaram mais pesadas. Chicodub ganhou mais de 100 discos, fora a pilha de CDs recebidas ao longo do caminho, incluindo 3/4 do catálogo da Blood & Fire. Ossos do ofício.
Box 1
Bizarrices
– O gente boa Dennis Bovell interrompeu a entrevista duas vezes para vomitar. A culpa foi do presente dado por sua mãe na noite anterior: uma garrafa de rum de Barbados
– Já Congo Natty ficou bem à vontade; só de cueca e camiseta.
– Depois da gravação o figuraça Howie B fez um set particular. Destaque para as músicas do “Last Bingo em Paris”, seu projeto paralelo, lançado apenas na França.
– Simon Ratcliffe, do Basement Jaxx, vai para Hong Kong com seu sound system de reggae, o Hometown Hi Fi, nome em homenagem ao ss do King Tubby
– O Thievery Corporation está com estúdio novo. O lugar parece uma casa mal assombrada.
Box 2
No forno
– O próximo disco do Thievery Corporation sai em fevereiro de 2005. Entre as participações, Sister “Bam bam” Nancy, Perry Farrel e Flaming Lips.
– Dando seqüência a série “Dubplates from the Elephant House”, o G-Corp prepara o terceiro volume, dessa vez com uma banda ao vivo, a “The Mighty Three”
– O Asian Dub Foundation também vai entrar em estúdio. Cada integrante produziu faixas individualmente e agora as idéias vão ser filtradas. Dr. Das está numa onda breakbeat.
– O Audio Bullys começou a gravar o sucessor de “Ego War”. Ao que parece vai tender ainda mais pro hip hop.
– Gorillaz, Chemical Brothers e Roni Size também estão trancados finalizando os novos trabalhos.
Box 3
Ingla is a bitch
– Libra 6 x 1 Real
– no país da noitadas, o transporte público pára as 0h
– tanta coisa pra fazer que sempre se perde alguma boa
Box 4
God save the queen
– mais discos de reggae do que na Jamaica
– o povo prestativo não te deixa se perder
– tanta coisa pra fazer que é difícil se meter em roubada