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julho 2004

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O Globo, 09/07/2004

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Matéria sobre viagem à Jamaica, para filmar o documentário “Dub Echoes”, que escrevi para o Rio Fanzine (O Globo).

Improvisando na Jamaica

A Jamaica é um lugar imprevisível. A comunicação é dificultada pelo inglês de sotaque carregado e salpicado de patois . Qualquer tentativa de agendar compromissos é praticamente inútil. Negociar dinheiro, então, nem se fala: os táxis nem taxímetro têm. Ainda assim, essa confusa informalidade não significa que nada esteja acontecendo. Muito pelo contrário. A produção na ilha permanece tão grande e com tanto trabalho que ninguém consegue marcar nada com antecedência.

Dentro desse esquema caótico — na realidade, a essência do lugar — quando você menos espera é apresentado ao Lone Ranger numa loja de discos em downtown , esbarra com o Elephant Man no trânsito, troca uma idéia com o irmão do Tappa Zukie ou do Dennis Brown, descobre segredos como a reabertura do lendário estúdio Channel One (em novo endereço) ou passa a tarde na casa da viúva do King Tubby, vendo o álbum de fotos do funeral do homem que inventou o dub.

Os sound systems, apesar de poucos, ainda são as grandes atrações de Kingston. O Passa Passa, um dos melhores hoje em dia, transforma a Spanish Town Road (nas redondezas de Trenchtown e Tivoli Gardens, duas regiões barras-pesadas da cidade) num lugar aparentemente tranqüilo, com várias figuras sacolejando ao som da seleção musical caprichada de nu roots e dancehall.

O evento só começa a lotar às 3h e permanece cheio até depois do amanhecer. O segredo da rapaziada local pra agüentar tanto tempo são os seguintes combustíveis: cerveja quente, roots drink (bebida energética feita de raízes) e uns galhos verdes vendidos por ambulantes.

Engana-se quem pensa que a trilha dessas festas são clássicos do reggae dos anos 70. Quem vai pra Kingston esperando ouvir esse tipo de som tem grandes chances de voltar decepcionado. Até dá pra escutar um Bob Marley aqui e ali, principalmente quando eles percebem que tem gringo na parada, mas o som que toma conta da Jamaica ultimamente é outro.

Desde o começo dos anos 1990, o dancehall e o ragga dominam as rádios, lojas de disco e os sound systems da ilha. Os nomes mais falados são Bounty Killer, Vybz Kartel, Beenie Man e, claro, Sean Paul e Elephant Man. A exceção fica por conta do Sizzla. Eclético, o cantor lança tanto discos de dancehall quanto de roots, garantindo presença constante nas caixas de som em toda parte. Os selectors (na Jamaica, DJ é o que chamamos de MC) não tocam só uma música dele, tocam logo seis.

Pra experimentar um autêntico baile de dancehall, o Stone Love é a melhor pedida. A festa do principal sound system da cidade é repleta de jovens vestidos a caráter e dançando de maneira quase pornográfica. As músicas são notadamente mais comerciais e um tanto tensas, parte delas com uma sonoridade próxima demais do hip hop dos EUA. Um retrato fiel de boa parte da produção musical atual. Alguns selectors utilizam um Gameboy plugado na mesa em seus sets. Ligado no banco de sons de um cartucho como “Street fighter”, eles disparam sons de pistolas de raio laser, cabangs e outros ruídos. Só assim para disfarçar a troca frenética de discos; nenhum compacto chega a ficar dois minutos rodando.

Rae Town é outro sound system de rua que vale a visita. Focado nos clássicos das décadas de 60 e 70, atrai um público mais velho e sossegado que o Stone Love. É um dos poucos lugares onde dá pra escutar clássicos do Barrington Levy, Horace Andy e Delroy Wilson.

Na Jamaica, de acaso em acaso, de desencontro em desencontro, tudo vai fluindo. Resta fazer como os jamaicanos — submeter-se ao ritmo e dizer: “ no problem, man! ”

Box 1
Gorillaz
Até onde se sabe, o Gorillaz acabou depois do último show em Lisboa, em julho de 2002, certo? Só que não era isso o que estava se falando no estúdio Gee Jam, o preferido dos artistas internacionais que resolvem gravar na Jamaica e onde o Cidade Negra mixou seu novo disco. Situado em Port Antonio, no lado leste da ilha, e cercado de praias paradisíacas, o estúdio já serviu de palco para gravações do No Doubt e do próprio Gorillaz. Lá também foi produzido o ainda inédito “Two culture clash”, um encontro entre a dance music e o dancehall jamaicanos, com a participação de Roni Size, Howie B, Big Youth, Horace Andy e Junior Reid. O papo no Gee Jam era que Damon Albarn e sua trupe já têm datas reservadas no estúdio para gravar um novo disco.

Box 2
Surf Rastas
Seguindo a tradição jamaicana de produzir docudramas, como o clássico “Rockers”, o diretor Rick Elgood está fazendo “Surf rastas”. Elgood também dirigiu “One love” e “Dancehall queen”, este último um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema jamaicano.

Misturando realidade e ficção, “Surf rastas” pretende mostrar o desenvolvimento do esporte ainda incipiente no país, utilizando como cenário a viagem aos jogos mundiais no Equador dos três principais surfistas da equipe nacional: os irmãos Icah e Ini Wilmot e Luke Williams. Além disso, muitas cenas foram filmadas em Kingston e arredores.

Box 3

Não deixe de fazer na Jamaica:

– Comer ital food (o vegetariano rasta) e jerk chicken (um churrasco apimentado)

– Pirar vendo os locais dançando

– Tomar várias Red Stripe (a cerveja local)

– Entrar em qualquer birosca só pra ouvir o que está tocando

– Visitar pelo menos uma de suas praias

Evite fazer na Jamaica:

– Discutir preço (nem adianta tentar)

– Sair com alguém e não pagar as bebidas

– Dividir a bebida com alguém

– Sair à noite sem a companhia de um local

– Dirigir

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