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abril 2007

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O Globo, 01/04/2007

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Versão original e na íntegra do texto que escrevi para matéria de capa da revista dominical do jornal O Globo.

O mapa do consumo

Jovens de 18 à 24 anos ditam as tendências do consumo mundial de todas as faixas etárias. Saiba como trabalham as empresas que pesquisam seu comportamento, mapeiam seus movimentos e descobrem, antes de você mesmo, o que você vai comprar amanhã.

Foi-se o tempo em que os únicos canais que uma empresa contava para descobrir o que o se passa na cabeça do seu público eram os 0800 dos serviços de atendimento ao consumidor (geralmente utilizados para relatar experiências frustradas) ou avaliações de mercado superficiais.

Hoje, quem dita os hábitos de consumo são os jovens. Seus hábitos são decisivos para determinar o que será consumida pelas outras faixas etárias em escala global. Com acesso às ferramentas necessárias para inverter a via de mão única da indústria cultural, a geração digital rompeu os padrões estabelecidos e transformou o mercado, ampliando o que antes podia ser considerado sub-culturas e mudou a cara do consumo global. Se para as grandes marcas isso tornou mais complicado mirar seu público-alvo, o que dirá acertá-lo.

Através de análise de campo, as empresas de pesquisa de tendência estudam detalhadamente seu comportamento, detectam tendências e ajudam a indústria a antecipar demandas, podendo lançar e moldar produtos antes mesmo delas se manifestarem em larga escala. A Box 1824 e a Voltage são dois dos principais nomes nessa área.

Numa pesquisa sobre comportamento jovem, realizada sob encomenda de uma agência de publicidade de Porto Alegre, um grupo de entrevistados contava o que gostava de fazer no final de semana. Uma menina contou que gostava de ir ao shopping, um garoto falou que curtia ensaiar com sua banda, enquanto outro menino disse simplesmente que gostava de pescar, provocando riso no resto do grupo. Intrigada com uma resposta tão fora do padrão urbano, a entrevistadora perguntou se ele fazia esse programa com os pais, arrancando mais risadas quando ele disse que preferia ir com os amigos mesmo.

No dia de apresentar o resultado do estudo para o cliente, a pesquisadora relatou, entusiasmada, ter percebido que alguns jovens estavam resgatando hábitos antigos, como pescar. Assistindo a reunião, um funcionário da área de planejamento e pesquisa da agência, Rony Rodrigues, então com 22 anos, caiu na gargalhada. “Pescar”, na gíria dos guris, significa fumar maconha.

Percebendo que o segmento jovem estava sendo mal estudado, Rony convidou o amigo (e colega de profissão) João Paulo Cavalcanti e a psicóloga Priscila Figheira para realizar pesquisas por conta própria. Logo no primeiro trabalho, para a marca de tênis Olympikus, constataram algo importante. Devido a proximidade de idade, os jovens contavam pra eles coisas que não diziam para pesquisadores mais velhos.

Após um estágio numa empresa italiana, a Radar, em Milão, Rony voltou com conceitos mais bem fundamentados sobre os métodos de análise. Nascia a Box 1824, a primeira empresa de pesquisa de tendências no Brasil.

Para descobrir os próximos movimentos culturais, as pesquisas de tendência investigam os hábitos de jovens bem informados, naturalmente ligados nas mais recentes inovações tecnológicas, artísticas e comportamentais.

Talvez você tenha um amigo assim. Um personagem algo parecido com o descrito por João Brasil no seu hit (virtual, claro), “Supercool”. É aquela pessoa que vive “ouvindo seu iPod, atualizando seu fotolog, passando músicas pro laptop / sempre muito antenado com o que não está na grande mídia.

Fundada em 2003, por Rony, 26, e João Paulo, 24, a Box 1824 tem entre seus clientes a Nokia (no Brasil, Índia, China e Tailândia), a Nike (América Latina) e Unilever (em 20 países, incluindo Inglaterra, EUA, México e África do Sul). Com uma equipe de colaboradores espalhada por diversos países, a Box 1824 é pioneira nos estudos em países em desenvolvimento e seus mercados emergentes, motivo pelo qual rapidamente conquistou clientes pelo mundo.

Tendência é um conceito comumente associado ao mercado de moda. Diferente do que se pode imaginar, o trabalho dessas empresas não é criar modismos, através de exercícios de futurologia ou adivinhação. A tarefa é identificar comportamentos sócio-culturais incipientes e definir o momento certo de lançá-los para grande massa. Surgidas no final da década de 80, nos EUA, só agora essas empresas começam a surgir no Brasil.

Segundo Rony, as empresas querem, cada vez mais, entender seus consumidores, seus anseios e preocupações. Para isso elas contratam empresas de pesquisa de tendência de consumo, para experimentar junto com o consumidor suas vivências com seus produtos e serviços.

— O mercado percebeu a necessidade de se tentar antecipar os movimentos culturais e descobrir, através de uma verbalização ou de uma experiência de consumo, uma idéia que sirva pra criar um novo produto ou serviço.

Com apenas um ano e meio de vida, a Voltage atende Nívea, Del Valle, Grupo Estado, Coca-Cola, ABN Amro, entre outros. O diretor-geral, Paulo Al-Assal, 36, complementa.

— Não é simplesmente falar que o próximo tênis será verde, mas interpretar e estudar essa tendência. Essa informação pode ser utilizada para inovar um produto, embalagem e a comunicação.

Apesar do imperialismo cultural, por se tratar de realidades econômicas completamente diferentes, não basta tentar replicar o que está acontecendo na Europa e nos EUA.

O método utilizado nas pesquisas, apesar de variar em cada empresa, é elaborado e específico para cada cliente. Em comum, a importância de compreender o comportamento jovem para se atingir resultados satisfatórios.

— Os jovens de 12 à 17 anos aspiram ter entre 18 e 24 anos e viver as vantagens dessa idade. Os mais velhos, de 25 pra cima, se inspiram nessa faixa etária, para se reciclar — explica Rony, ao mesmo tempo que traduz o nome de sua empresa, Box 1824.

A geração nascida após a Segunda Guerra, os baby boomers, revolucionou o comportamento, a moda e a arte, conquistando seu espaço e o poder de consumo, inexistentes na década de 50. Na década de 80, o jovem adquiriu a chave do quarto, do carro e o direito à privacidade, de se isolar no próprio universo.

Nos anos 90, com televisão, aparelho de som e computador, eles se trancam no quarto não mais pra se distanciar, e sim pra conectar-se com o mundo exterior. A geração zapping, dos multi-meios, aprendeu a ler e escrever ao mesmo tempo em que acessava a internet, utilizando uma linguagem não-linear, em camadas de hyper textos.

Tanto a Box quanto a Voltage, trabalham sobre variações do esquema traçado por Everett M. Rogers em sua teoria da difusão da inovação (“Diffusion of Innovations”, 1962). O estudo foi o primeiro a classificar indivíduos de acordo com seu papel na cadeia de disseminação de novidades. São eles os “inovadores” (cerca de 3% da população), os “usuários pioneiros” (17%) e a “grande massa” (80%).

— A Box segmentou esse conceito, pois a pessoa pode até ser uma inovadora ou disseminadora de música, mas não sei se entende de xampu. Não dividimos os grupos apenas por classe social ou faixa etária, mas por alfas, betas e mainstream.

Alfas são os inovadores, pessoas que tem o comportamento totalmente individual em relação a determinado produto ou serviço. Betas são os disseminadores, é quem olha pro mercado, pras mídias editoriais e pro alfa, mastiga e leva pro mainstream. E o mainstream é a base dessa pirâmide, a massa. A maioria dos estudos utiliza os betas como fonte. O alfa é consultado quando se quer gerar um produto novo.

Encontrar essas pessoas exige paciência. Se o assunto for música, busca-se em lugares relacionados ao consumo (boates, loja de discos). Lá, pode-se fazer uma pergunta como “quem mais entende de música no Rio?”. Se o indivíduo responde exigindo especificações, como “no Rio?”, deve se tratar de um alfa ou um beta. Outro indicativo dessa condição, é quando o mesmo nome é citado por vários entrevistados.

Depois de se identificar os alfas e betas do tema em questão, passa-se 45 dias convivendo e analisando, com a consultoria de sociólogos e antropólogos, os hábitos de um grupo de 8 a 16 pessoas (determinados estudos chegam a dois mil entrevistados), utilizando técnicas como a invasão de cenários, onde se transforma pessoas do próprio grupo em observadores.

— Nesses casos, o entrevistador é igual ao entrevistado. Se formos pesquisar executivos, nós vamos chamar outro executivo para conduzir essa entrevista. Não é espionagem, as pessoas sabem que estão sendo observadas, numa relação franca. Nenhuma empresa no mundo trabalha diferente — diz João Paulo, da Box.

Os resultados muitas vezes são sutis. Numa pesquisa para pasta de dente Close-up Ice & Fire, a Box descobriu que os jovens estavam muito mais interessados em uma solução para o mau-hálito do que para anti-placas ou anti-tártaro. Com essa informação em mãos, fez-se a vontade do consumidor.

Os observadores recrutados pela Box recebem de 500 reais a 20 mil reais pelo trabalho, dependendo do seu perfil e do tamanho da empreitada.

— Cada vez que sai uma matéria, recebemos uns 40 e-mails. É um trabalho muito específico, de observação, não de crítica. A escolha da equipe é muito criteriosa, não é tão simples — fala Rony.

A Voltage trabalha com uma rede fixa de consultores no Brasil. Formada por 200 participantes entre 18 e 28 anos, constantemente renovados, mais outros 2.500 na Europa e 60 espalhados pela América Latina, fruto de uma parceria com empresas estrangeiras, como The Future Laboratory e Signs of the Times.

Chamados experts e connectors, esses jovens são recrutados por uma psicóloga no que Paulo Al-Assal considera “celeiros de antenados”.

— Algumas profissões naturalmente obrigam que se esteja sempre bem informado, caso dos DJs, estilistas ou jornalistas. Eles não são formadores de opinião, simplesmente estudam para exercer seus trabalhos e são early adopters [usuários pioneiros], disseminando tendências.

Nenhum dos colaboradores da rede da Voltage é pago. Sua missão é, através de um site, fornecer informações sobre o que acha atraente, inspirador ou promissor, por meio de uma foto e um breve texto. Os dados são então analisados por um conselho acadêmico, formado por antropólogos, sociólogos, psicólogos, teólogos, psicanalistas e especialistas em semiótica, e cruzados com os interesses do cliente.

— Nossos colaboradores vêem isso como uma oportunidade de trocar idéias com pessoas que pensam parecido e uma chance de acessar os resultados. Pago apenas quando uso essa rede pra fazer pesquisas, responder perguntas ou testar um produto.

O resultado dessas pesquisas pode determinar o sucesso ou fracasso de um produto e, portanto, são valiosos. Dependendo da complexidade, uma pesquisa da Box 1824 pode custar entre 150 mil e 2 milhões de reais. As da Voltage variam entre 40 e 400 mil reais.

Percebendo seu potencial como disseminador de tendências, alguns betas/connectors com perfil empreendedor, montam suas próprias empresas de consultoria e curadoria. É um trabalho diferente do que faz a Box 1824 e a Voltage, ou mesmo do cool hunting, outra atividade recorrentemente confundida com pesquisa de tendência.

Foi apostando na capacidade de filtrar informações que a jornalista Jô Hallack (falta a idade dela) e a executiva de marketing Adriana Penna (também) abriram a Predileta. No caso delas, o cliente não busca dados técnicos, mas sim um olhar.

— Somos mais artesanais, não é uma mega empresa. É trazer esse universo onde a gente cresceu, nossa vivência, e transformar em informação. Não é bom gosto nem gosto pessoal, é o que se encaixa para determinado cliente — diferencia Jô.

A Predileta fez a curadoria musical de eventos da Red Bull e Vivo Open Air, além de prestar consultoria para a produtora Lado B, responsável por administrar as carreiras de Zeca Pagodinho, Lenine e Vanessa da Mata.

Em alguns casos, essa análise de consumo futuro acelera processos, ou até cria demandas, interferindo na escolha das pessoas, algo que está na essência da publicidade. Naturalmente, há respostas para a incessante busca pela próxima tendência.

Criado em Buenos Aires e levando ao extremo a resposta do pintor surrealista Salvador à pergunta sobre o que tem potencial para se tornar moda (“tudo que está fora de moda”), o site “The uncool hunter” privilegia o bizarro e o kitsch, declarando-se anti-modas. O que, paradoxalmente, pode caracterizar uma maneira de se antecipar tendências.

Preocupados com os limites éticos da profissão que exercem, Rony e João fazem planos para um futuro consciente. Além de ser uma das primeiras empresas a aderir a onda carbon free (que significa neutralizar todas as emissões de carbono produzidas por seu trabalho com o replantio de árvores), a Box patrocinou artistas (os grafiteiros Os Gêmeos e o artista plástico Bruno Novelli) e videoclipes (“Entre nós dois”, do Tom Bloch, dirigido por Augusto Canani).

Os planos são mais audaciosos. Ano que vem a empresa pretende fazer um estudo mapeando o jovem do século XXI, em 20 países e sem fins lucrativos, para entregar para ONU.

— Nosso objetivo é deixar um legado, deixar um papel social e humano para sociedade. Não temos escritório, saite ou cartão de visita, evitamos utilizar papel e trabalhamos com um lucro presumido de 20%, a diferença nós devolvemos para sociedade ou para os funcionários — fala Rony.

O trabalho está longe de acabar.

— Daqui a pouco vamos viver outra grande revolução. Estamos passando por muitas mudanças sociais, com a expectativa de vida aumentando. No futuro, as pessoas acima de 40 anos vão ser um novo ponto de influência, mais um referencial a se somar aos jovens — prevê João Paulo.

Pelo visto, a renovação não pára, o que garante muito mercado pela frente. Bom pra eles.

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