quarta-feira

28

fevereiro 2007

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Nosso maior crime

Written by , Posted in Urbanidades

Passados alguns dias do crime que horrorizou o país, o URBe convidou o antropólogo Antonio Engelke para escrever um texto sobre a exigência de maiores punições que aflora na sociedade logo após casos como esse.

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montagem pescada no Pensar enlouquece.

Nosso maior crime
por Antonio Engelke

A morte do menino João Hélio reacendeu o debate sobre a ineficiência do sistema penal brasileiro. A opinião pública pede a redução da maioridade penal e a criação de leis mais rigorosas, como a pena de morte. Afirma-se, com alguma razão, que a impunidade estimula o crime, que um rapaz com idade para exercer sua cidadania e escolher seus representantes deveria, por coerência de princípios, ter o dever de responder legalmente por seus atos. Tais protestos, inflamados pela dramaticidade do episódio, são necessários e oportunos. Contudo, eu gostaria de lhes adicionar alguns elementos, não para sugerir um remédio, mas para iluminar questões até agora pouco observadas.

A razão utilitária não basta para explicar a criminalidade atual. Se os bandidos sabem que o excesso e a brutalidade só tendem a lhes ser prejudiciais, posto que atraem a atenção da mídia e da polícia, por que agem desta forma? Certamente não é apenas porque tenham a certeza de impunidade. Há algo mais aí: o descaso para com a vida humana, a ausência de sensibilidade a alguns dos valores fundamentais que nos distinguem enquanto homens civilizados. Mas – e este é o ponto – tal dessensibilização para questões referentes à vida humana não é exclusividade deles, marginais. É também e sobretudo nossa. É parte deste caldo individualista de cultura no qual estamos todos mergulhados. Vemos seus reflexos toda vez que um “pitboy” espanca alguém numa boate, ou quando um empresário sai de casa para trabalhar numa empresa que degrada os rios de Minas Gerais ou numa multinacional que compra mão-de-obra quase escrava num país distante qualquer.

Não quero desviar o foco da discussão, tampouco “passar a mão na cabeça” dos bandidos que mataram João Hélio. Peço ao leitor paciência, e que acompanhe meu raciocínio. Se fiz questão de lembrar que a banalização da violência não é exclusividade de certos indivíduos, mas sintoma de uma crise mais abrangente, foi para destacar uma verdade amiúde esquecida em momentos de grande comoção como este: que o crime é também uma construção social, e não apenas um desvio individual. Isto é importante na medida em que tem implicações diretas na organização do debate sobre as maneiras de lidar com a criminalidade.

Se o crime é encarado como um desvio individual, a discussão gira em torno da maneira mais eficaz de vigiar e punir. Se, por outro lado, presta-se atenção também às dinâmicas sociais que o estruturam, a discussão ganha contornos políticos. Simplificando bastante, podemos afirmar que os Estados Unidos são um exemplo do primeiro caso, e a França, do segundo. Não quer isto dizer que não existam nos EUA leis específicas de cunho social com impacto nas taxas de criminalidade, e muito menos que a França seja o modelo perfeito a ser imitado. Ambas as alternativas têm seus méritos e limitações.

Mas é no meio-termo que reside o desafio. O atual debate sobre a legislação é bem-vindo, de fato; os sistemas penal e carcerário necessitam de reformas urgentes. No entanto, a atenção exclusiva à dimensão individual do crime nos cega para seu contexto social – o que não é pouca coisa em se tratando de Brasil, o segundo país mais desigual do mundo. Pode parecer paradoxal, mas se nos limitarmos somente a pedir mais leis e mais cadeias estaremos ajudando a despolitizar o debate. A conseqüência mais perversa desta despolitização é depositar somente na esfera jurídica a esperança de resolver um problema cujas raízes só podem ser tocadas pela ação política.

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