Lições do debate com o prefeito Eduardo Paes sobre mobilidade
Written by urbe, Posted in Destaque, Urbanidades
Ao se despedir dos participantes do debate online sobre mobilidade ocorrido ontem, do qual fui um dos entrevistadores, Eduardo Paes chamou todos de “grandes cariocas”. Porém, ressaltou, ali só ele era o prefeito. Uma frase tão boba quanto emblemática.
O encontro foi mediado por Rodolfo Schneider (Band News) e também contou com a participação de Clarisse Linke (vice-diretora do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), Fernando MacDowell (professor de Engenharia Urbana e Ambiental da PUC-Rio) e Izabella Lentino (urbanista, arquiteta e professora da PUC).
Estava eu, na qualidade de entusiasta, interessado no assunto e alguém que já viajou bastante e conhece outras realidades (assim me foi explicado pelos organizadores quando foi feito o convite), entre especialistas na questão da mobilidade. Estava confiante que, apesar de discordar da ausência de regras e ciente de todas questões apresentadas, algo sairia dali, talvez por ser um encontro ao vivo e público. Não foi isso que aconteceu.
O encontro é um grande acerto – sobretudo para o prefeito. A iniciativa – copiada da estratégia do presidente dos EUA, Barack Obama- é louvável. Em tempos de repressão tem que aplaudir o espaço para o diálogo. O risco, porém, é calculado.
Ao se dispor a conversar com seus críticos, o prefeito exercita a democracia e sai muito bem na foto. De quebra, através das pessoas que escolhe para entrevistá-lo, ainda consegue audiência com quem normalmente não lhe daria ouvidos, conseguindo pregar para além dos convertidos (olha você lendo sobre ele aqui no URBe, por exemplo).
Mesmo estando em minoria frente a quatro entrevistadores, o prefeito está todo tempo em vantagem: nas duas horas de conversas, cada um de nós conseguiu fazer apenas três perguntas; ao responder 12 perguntas o prefeito tem um tempo de fala proporcionalmente muito maior.
Essas não são críticas a iniciativa — que repito, é muito importante e deveria ser mais copiada — são apenas observações. O jogo é esse e sabia bem as condições antes de aceitar participar. De qualquer maneira, o grande trunfo do prefeito também não está em nenhum dos pontos levantados.
Dono de uma retórica invejável, Paes é um animal político. Ele não baixa a guarda, ainda que a disfarce e sente-se plenamente confortável na condição de sabatinado. Ligado, Paes não perde uma oportunidade de tangenciar e, quando atacado, de contra-atacar.
Não sou eleitor do Paes porque discordo da sua visão, abordagem e, consequentemente, dos seus projetos, não por questionar seu talento como administrador. O problema, para mim, está exatamente nesse seu talento. Ao afastar a gestão da cidade do espectro político o máximo que pode, seu discurso aguado é provavelmente um dos grandes trunfos para o sucesso com um eleitorado que enche o peito pra dizer “não suporto política”.
A questão é que ao tocar ao Rio tal qual um síndico, simplesmente administrando o que já há, preocupado em manter a conta no verde (o que sim, é importante), nem sempre se faz o melhor pra cidade. É preciso arriscar e tomar decisões independente da lógica de mercado. Afinal, o prefeito não é um síndico ou administrador, é sim um político.
Assim, com a mesma naturalidade que diz que paga o que for para Woody Allen filmar no Rio (ótima divulgação para cidade, sem dúvida, mas não é esse o ponto aqui) ou anuncia a construção de uma pista de esqui em Madureira (nada contra o esqui ou Madureira, que merece muito mais, de novo não é esse o ponto), o prefeito diz que não há dinheiro para executar 6km cruciais para ligar o metrô ao terminal Alvorada.
Por conta dessa postura, há um abismo entre a cidade do discurso de Paes, que recebe prêmios como Smart City e convite para palestrar no TED, da que a de fato os cariocas vivem.
Nas duas reuniões com a equipe do prefeito que antecederam o debate e nos emails e mensagens de whatsapp que se seguiram, um ponto era martelado: “vocês estão participando desse bate-papo como integrantes da sociedade civil”. O objetivo, claro, era despolitizar a discussão, o que nem seria de todo ruim e poderia ajudar a focar no assunto proposto, mobilidade.
O grande erro foi acreditar que o hangout era de fato um bate-papo, quando era um debate político em que a ausência de regras privilegiou o prefeito (“é pra ser um bate-papo”, diziam quando reclamei que sem regras isso se transformaria num palanque, o que de fato aconteceu).
Foi meu terceiro encontro com o prefeito, dois deles nas condição de entrevistador. No segundo, longe das câmeras e microfones, a conversa foi bem mais franca e objetiva, ainda que nada de concreto tenha saído dela.
O que vi ontem foi o Paes do primeiro encontro, político, fugindo das perguntas com o que já considero uma cortina de fumaça clássica do seu repertório, um simples e direto “você tem razão” (“mas continuarei fazendo o que estou fazendo”, poderia complementar) e as utilizando para promover suas plataformas (chegando ao extremo de fazer anúncios para “imprensa que estivesse assistindo” durante as respostas).
Para se conseguir alguma resposta efetiva teria que ser adotar uma tática do jornalista inglês Jeremy Paxman, que não cabia no formato de debate proposto. Consegui fazer três perguntas:
1) sobre o método utilizado para calcular o aumento das tarifas de ônibus, uma conta que considera as despesas declaradas pela própria empresa + 8% de margem de lucro (que ele explicou como estava tentando melhorar a transparência desses dados, mas não respondeu sobre mudar o método para algo mais realista em relação as regras de mercado);
2) sobre a opinião pessoal dele sobre a composição da CPI dos ônibus, presidida por quem votou contra sua instituição (que ele não respondeu, mesmo quando insisti);
3) sobre a obsessão de medir o sucesso das ciclovias através da quilometragem da malha, sem discutir as condições das mesmas (como o fato de grande parte ser simplesmente trechos de calçadas pintadas de vermelho, quando tanto) e, sobretudo, o foco em bicicleta como lazer e não transporte, que é para o que se dispõe boa parte dessa malha (após essa pergunta o prefeito sugeriu que minha opinião era a de quem “anda de bicicleta pela Zona Sul”, como se isso fosse algum demérito).
É importante ressaltar que as críticas que fiz não são baseadas apenas em minha experiência pessoal, diversas reportagens recentes não falam nada bem do estado das ciclovias da Zona Oeste, parte do projeto do próprio prefeito, citado elogiosamente por ele mesmo em sua resposta).
Nessa, pontos importantes levantados na entrevista sobre bicicletas que realizei com o prefeito ano passado continuam sem resposta ou solução (migrar bicicletas da pasta de meio ambiente para a de transporte; campanhas de educação e conscientização; organização do fluxo e respeito a leis de trânsito, como carros manterem distância de 1,5 metro dos ciclistas).
Também foram apresentados dados que comprovam que por mais que a prefeitura diga que é contra o carro, não executa medidas nesse sentido, pelo contrário. O próprio prefeito chamou ônibus de “quentão” e disse que não os utilizaria, entendendo o transporte público como uma opção ao carro.
Mesmo com o saldo total de três perguntas sem resposta, ainda assim continuo disposto a continuar participando, debatendo e colaborando. É a única maneira de se avançar, quem sabe até conseguir fazer com que Paes reveja algumas coisas, o que seria muito importante para cidade.
A pouco, havia começado a ver o hangout. Tive que parar e agora entrou esse seu post, dando uma geral no assunto. Já fechei a janela do YTB e li as suas observações. Mais do mesmo e vamos seguindo na merda, em relação a mobilidade urbana e transporte público. Obrigado!
Mas assista, prq é bom conhecer os pontos, mesmo que o prefeito não responda as perguntas.
Beleza, vou assistir sim!
sabe se o 1º Hangout está disponível tb?
abs
Sim, está, na mesma conta que hospeda esse, http://www.youtube.com/riosemprepresente
Bruno
Foi abordado em algum momento o modelo de rodízio de automóveis que já existe em São Paulo?
Belo texto sobre o debate, parabéns
Felipe – uma das minhas perguntas ao Prefeito foi sobre medidas restritivas ao uso do automóvel. Falei da política de estacionamento em vias públicas, mínimos de vagas para edificação, e perguntei se ele tem como objetivo implementar algum instrumento de restrição, seja com foco no estacionamento ou na circulação (como o rodízio).
Abs, Clarisse
Tem quatro entrevistadores, né. Normal ele falar mais.
Cara, sobre a sua reclamação de que o prefeito falou muito mais do que os entrevistadores, era o que eu esperava de uma entrevista. Prefiro isso ao estilo Jô Soares (em que o entrevistado é mais uma escada pro entrevistador).
Thiago, tratava-se de um DEBATE político, não de uma ENTREVISTA de entretenimento. Há uma diferença abissal aí.
Não sou partidário do Paes, mas por incrível que pareça, o Eduardo Paes foi o mais coerente e técnico junto com o Macdowel no debate. Os demais, simplesmente representaram a pequena burguesia que acham que o Rio é Zona-Sul/Lapa e ignoram o resto da cidade.
As pessoas tem que parar com essa demonização do carro e oferecer sistema de conforto e qualidade. A partir daí, o caminho do abandono do carro como modal de transporte é natural. Digo por mim mesmo, que dirijo 100km por dia e adoraria ter a opção de sentar minha bunda num meio de transporte decente e ler meu livro ao invés de vir dirigindo.
O histórico que temos com essas medidas restritivas como forma de dissuasão é de que se pune e não se oferecem os meios dignos. No Brasil, pra se ter o crédito, o caminho tem que ser o inverso: primeiro se crie a opção viável pra depois se restringir por medidas coibitivas a utilização daquilo que se constitui no problema de fato.
[]s
O Carioca
Então acho que vc não prestou atenção ao debate, O Carioca. Prq é justamente isso que se cobra, alternativas. Não há demonização do carro.
Demonstra que ele esta apenas interessado num modelo de cidade com maquiagens, obras populistas e com intenção de manter essa politica escludente de transporte….ele não e administrador e sim um politico daqueles mau caráter…. usa dinheiro para comprar parcerias não e a toa que ganhou de lavada as ultimas eleições com apoio de milicianos etc…. todos a favor dessa politica das bolhas cariocas ,comuma cidade para os ricos andarem em suas bolhas , enquanto a população pobre e expulsa da “cidade olimpica” sinceramente como ciclista que sou (ando todas as zonas) desanimo novamente do Rio e me vejo em pouco tempo na Roça novamente onde a ganâacia ainda não alcançou o estagio carioca….
Cara, quando ele falou que a sua opinião é de alguém que anda de bicicleta na Zona Sul você tinha que ter perguntado pra ele por que na propaganda dele sobre o “Rio capital da bicicleta” não aparece ninguém andando de bicicleta fora da Zona Sul.
Pois é. Pra ser sincero, fiquei meio atordoado com a falta de educação dele, ao vivo. Sim, pedalo na ZS, isso não é um demérito, é minha realidade e estava lá pra dar a minha visão. Não preciso pedalar em todas ciclovias da cidade pra ter direito a uma opinião (mas ainda assim, pesquiso). E se até na ZS é ruim… Ele, pra variar, tangenciou pra fugir da questão: não existe planejamento pra bicicleta como meio de transporte. O que estou com vontade de fazer é visitar as tais maravilhas da ZO que ele tanto falou, fazer um filme pra ver se é realmente tão bom assim.
/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.
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