terça-feira

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dezembro 2009

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Entrevista – Fabio Lopez

Written by , Posted in Urbanidades

O designer Fabio Lopez ficou conhecido em 2007, quando divulgou na internet uma de suas criações, uma polêmica adaptaçnao do jogo “War” chamada “War In Rio”, e viu seu nome aparecer em tudo quanto é jornal. São dele também os Pictogramas Cariocas Rio 2016 e a Batalha Na Vala.

Nunca havia converado com o Fabio. Autor de dois dos cartazes do hexa do Flamengo publicados por aqui. Isso até “No Sapatinho We Can” (a já clássica versão do pôster de Shepar Fairey com o técnico Andrade no lugar de Obama) ter parado na capa da Globo.com (que citou o URBe como fonte) e descobrirmos uma tonelada de amigos em comum.

Nesse papo informal por e-mail ele contou histórias dos bastidores da repercussão do “War In Rio”, assunto que ele costuma abordar em sua palestra “Minhas Idéias São Minhas Putas”.

O jogo não é novidade, porém o tema, infelizmente, continua atual. Além disso, é importante registrar o processo pelo qual o Fábio passou e a proporção que seu trabalho inesperadamente tomou. Pedi então pra publicar essa conversa e ele autorizou.

Como não foi uma entrevista propriamente dita, separei os assuntos em tópicos.

Reações ao “War in Rio”

Fábio Lopez – Ainda recebo e-mails de gente pedindo o tabuleiro ou perguntando onde encontra pra comprar. A maioria dessas mensagens ficou sem resposta, pela falta de tempo e porque eu acho que não entenderam exatamente a essência do projeto. Por outro lado, outros me contactaram elogiando a iniciativa ou contando histórias relacionadas à violência. Com essas eu troquei mensagens interessantes sobre segurança pública, sobre a função do design como instrumento de crítica social e outras iniciativas parecidas. Acompanhei opiniões em blogues e na própria página do projeto sem editar nada. Queria ver como as pessoas estava reagindo ao projeto.

A polícia e o “War in Rio”

Fábio Lopez – Teve um episódio com um soldado do BOPE que foi foda. Havia um parágrafo no texto do blogue em que eu me referia a PM e ao BOPE como ‘marginais do bem’. Então um sujeito escreveu dizendo que tinha se amarrado no projeto e tal, mas queria fazer uma observação muito séria. E começou a dizer em letras garrafais que ‘marginal do bem é o CARALHO’, que o BOPE se mete na lama pra enxugar gelo enquanto playboy que nem eu vai pra festinha fumar maconha, e encerrou assinando ‘CAVEIRA’ (!!!).

Como eu não sabia que merda ia dar aquilo tudo – isso rolou nas primeiras três horas de repercussão – fiquei bolado e removi o parágrafo, sem deixar de responder a mensagem do cara e questionar o tom dos comentários. Fiz isso também pra sacar se o cara era um combatente mesmo ou era apenas um maluco querendo dar uma escrotada.

A conversa por e-mail tomou um rumo mais civilizado, o cara passou a assinar o próprio nome e escreveu de maneira bem mais respeitosa. Eu também pude me colocar melhor em relação ao projeto e a gente seguiu trocando ideia: acabei entrando em contato com um personagem do tabuleiro a partir de um esbarrão completamente inesperado. Era um ‘caveira’ mesmo, um cara da minha idade, de classe média e mestrando que nem eu (na época), só que trabalhava no CORE combatendo marginais de 15 anos armados com fuzis de guerra e artilharia anti-aérea. Por que? Por que o cara acreditava que alguém precisava fazer isso pra barbárie não dominar a cidade do Rio de Janeiro, e aceitava o sacrifício para preservar uma sociedade na qual ele parecia estar cada vez mais desacreditado.

No momento em que me escreveu eu simbolizava pra ele um sujeito criativo, mas pertencente a raça de hipócritas pelos quais seus companheiros morriam gratuitamente (ele estava transtornado por ter perdido um parceiro alvejado num helicóptero na semana anterior). Depois viu que eu era um cara politizado, consciente e que estava usando o projeto pra discutir um assunto importante. Teve a hombridade de reconhecer o exagero, e desejou que eu continuasse, à minha maneira, lutando pelo que acreditava. Desejei o mesmo. Volta e meia releio aquelas mensagens e respiro fundo, refletindo sobre a brutalidade daquele cotidiano de guerra e sobre as palavras de apoio que trocamos.

Confesso que fiz bem em tirar esse trecho sobre as milícias, por que havia incluído as MILÍCIAS como ‘marginais do bem’ e umas três pessoas questionaram essa afirmação. Eu concordei com elas. É que na época havia pouca informação sobre a atividade marginal das milícias – que estourou junto com a violência nos dois anos seguintes. Por isso a ‘censura’ acabou servindo pra preservar o texto do projeto de um equívoco verdadeiro.

Responsabilidade surgidas com o projeto

Fábio Lopez – A ideia inicial do projeto era um questionamento social profundo? Não, não era. Mas a ideia era atingir as pessoas em cheio, e estava acontecendo. O projeto nasceu, cresceu e virou um monstro, e eu fui obrigado a assumir um papel diferente como autor. Não comercializar, não distribuir, não tratar como brincadeira o que era uma realidade escrota pra muitos – e a paródia acabou virando um manifesto de verdade.

Conhecendo o tabuleiro

Fábio Lopez – Outro episódio marcante foi quando apresentei o projeto numa mini-palestra na escola de artes visuais Kabum! Uma amiga trabalhava lá na época (Mariana Aurélio) e me chamou pra apresentar o projeto pros alunos. Porra, eu sabia que ela dava aula pra uma molecada vinda de comunidade carente, e achei que ela estava me desafiando. Algo do tipo: quero ver se tu tem coragem de trazer essa merda pra cá ou se tua parada é fazer piadinha pra televisão (o projeto mexeu muito comigo, e eu fiquei muito tocado pelas questões morais que envolvia). Então eu tinha que ir, ou seria um rato pra mim mesmo – mas foi foda.

Na Kabum! eles trabalham com garotos indicados por outros programas sociais (uma garotada que manda bem, se destaca e ganha a oportunidade de aprender mais) e com uma galera que eles chamam de borderlines, cuja participação simboliza a ultima chance de reintegrar meninos que estão a um passo da marginalidade. (Eu conhecia a escola, mas não conhecia esse detalhe). Então lá fui eu, com o desafio de apresentar um projeto que trazia representado no mapa a casa de quase todos ali.

A primeira reação dos meninos foi achar divertido encontrar o nome de suas comunidades no tabuleiro. Achei isso muito estranho: eu tava falando de guerra, mas eles ficaram felizes simplesmente por existir no mapa. Entendi o sentido humano da expressão ‘comunidade carente’, e tive alguma ideia do que é morar num lugar ignorado pelo Estado.

Então comecei a falar de design gráfico, de projetos pessoais, explicar porque eu tinha feito aquilo, quais os meus motivos, qual a minha revolta… Aos poucos eles foram baixando a guarda (não era um playboy zoando com a gente) e comecei a escutar as histórias deles também: de um BOPE que entra na favela metendo o pé na porta, de policial fazendo merda, de parente executado, de tiroteio na hora da escola… Viver no front é um inferno que a gente não faz ideia.

A turma sentava meio dividida, e levou mais tempo pra metade ‘borderline’ confiar em mim: ali ninguém tinha visto porra nenhuma na internet, não conhecia War, blogue e o escambau. Foi tenso, mas acho que no final eu consegui romper uma barreira social óbvia que nos separava, e acho que eles ganharam alguma coisa com as minhas palavras também.

Conversei com a Mariana, e ela disse que não tinha me chamado por desafio nenhum – e eu percebi que precisava descansar daquela história. Eu tava sendo consumido por todas as questões que o projeto arrastava: saí e tive vontade de tacar o jogo no canal do mangue, como se isso fosse resolver alguma coisa.

Os desafios morais

Fábio Lopez – A maioria das pessoas que lembra do “War in Rio” associa o projeto ao oba-oba, a fama repentina, e ao sucesso de um jogo que circulava loucamente pela internet. Mas as pessoas não tem muita ideia do quanto foi difícil manter a integridade moral diante de tanta merda que eu podia ter feito ou falado com aquele projeto debaixo do braço. Eu tive a sorte de ser escutado naquele momento e precisei assumir a responsabilidade de passar uma mensagem positiva: era isso ou ficar marcado pra sempre como ‘o babaca do War in Rio’.

Relação com a imprensa

Além dessas histórias, leve em consideração o caos pessoal de um dia estar em casa na encolha, e no dia seguinte estar sendo solicitado por todas as emissoras de TV aberta, seis jornais, revistas e etc.

Por sorte, na época, eu namorava uma menina que era do meio jornalístico, e ela sugeriu que eu me preparasse pra ser intensamente consumido pela notícia e logo depois descartado. Para que me preparasse psicologicamente pra esse abismo. A fama instantânea traz prestígio, mas isso some com a mesma rapidez. Ela também me orientou a tratar os jornalistas com educação e muita paciência, mesmo se fizessem as perguntas mais idiotas do mundo – e fizeram – pois no dia seguinte a palavra final é deles. Para tomar cuidado com tudo que eu dissesse, e mesmo assim eu vi entrevista editada e foto substituída pra moldar meu perfil de acordo com a repercussão do projeto.

Vi editor de jornal grande ir atrás das autoridades de segurança do Estado com o microfone na mão, pra captar opiniões absurdas em relação a notícia que eles haviam publicado. Acordei com a manchete ‘Autoridades abrem fogo contra War Tropa de Elite’ e tive medo. Um repórter da TV perguntou se eu queria algum efeito de distorção na minha cara: eu disse que não tinha feito nada de errado e não tinha porque me esconder. Mas nessa manhã eu achei que estava perdendo o controle da situação e desmarquei uma entrevista já dentro do carro da emissora. Percebi que a ideia da jornalista era fazer piada com a parada, e depois quem ia levar fumo era eu. Expliquei isso pra equipe e eles mudaram a pauta, na hora e literalmente nas coxas da repórter.

Ainda assim, me recusei a sorrir nas fotos e nas gravações com medo de virar alvo fácil de patrulheiros morais – a ponto da minha vó de 90 anos reclamar que eu estava sério demais, rs… Dei uma entrevista ao vivo pra uma rádio agachado embaixo de uma mesa na redação da RedeTV (por conta do barulho), e todas as perguntas diziam respeito apenas aos comentários do secretário de Segurança do Estado. Não dei entrevista em casa pra ninguém mostrar que eu não morava na favela, e tive que tomar cuidado pra ninguém me filmar ou fotografar com a carta ‘eliminar o Comando Vermelho da cidade do Rio de Janeiro’, por que minha mãe sonha um dia em ter netos, rs…

Recebi e-mail de apoio de gente que eu admirava pra caralho, e de gente que resolveu dar uma surfada na onda pra se promover com o jogo. Vi advogado conceituado escrevendo artigo sugerindo que eu processasse o secretário Beltrame por ter me acusado de estar fazendo apologia à violência, e também ouvi o Chefe da Polícia Civil dizendo que nunca tinha jogado War na vida. Dei entrevista ao jornal da Globo com uma camisa da Esdi, e recebi a ligação carinhosa do diretor da escola. 🙂

Resultados profissionais

Não ganhei um centavo direto com esse projeto: sabia das questões legais que isto envolveria e não quis assumir o passivo moral de vender um jogo que banalizava o problema da violência na cidade – isso era exatamente o que eu NÃO queria fazer. A outra questão é que eu jamais poderia imaginar o que estava por vir, e não tinha como estar preparado para o interesse comercial que o trabalho despertou. Era pra ser daquele jeito.

Profissionalmente o retorno foi bastante positivo. Com os colegas designers a repercussão foi bem mais duradoura e consistente, como se eu tivesse conquistado uma pontinha de admiração eterna – e isso é muito melhor que escutar um elogio desconhecido de qualquer autoridade.

Também tive medo de virar apenas o ‘cara do War In Rio’, mas depois aprendi a lidar com esse ‘fantasma’ positivamente. Tenho uma atuação profissional diversificada, e os colegas de profissão me conhecem por outros projetos (curso de tipografia, estampas, textos). Mas “War in Rio” é um patrimônio do qual eu também não tenho porque me envergonhar. Virou um cartão de visita interessante, e um tema divertido para palestras e rodas de bate-papo – apesar de eu sentir um pouco de vergonha pra falar do projeto (eu me empolgo, melhor desconversar).

O projeto hoje em dia é uma espécie de ponto turístico da internet e ainda recebe umas 2.000 visitas mensais e e-mails, mesmo eu não tendo postado nada no blog desde novembro de 2007. Em 2009 o jogo (objeto físico) participou de duas exposições em São Paulo: uma de design e uma de arte contemporânea.

Joguei “War in Rio” uma vez no fim de 2007 pra experimentar o tabuleiro, e vi que o mapa diferente atrapalha um pouco a dinâmica do jogo. Nas duas primeiras rodadas era curioso: ‘Três contra dois da Rocinha pro Vidigal’. Aí foi perdendo a graça, por que toda piada de mau gosto sempre desce um pouco atravessada. No final não foi divertido, e nunca mais usei o projeto.

“War in Rio” em números

• 70.000 acessos ao blog nos três primeiros dias de projeto – hoje a visitação total do projeto gira em torno de 160.000 visitantes;
• 2.200 mensagens eletrônicas (a maioria interessada na compra do projeto);
• Capa de cinco jornais de grande circulação: Extra (por 2 dias), Diário de São Paulo, Destak, Estado de São Paulo e Metro. Matéria interna em outros 3 grandes jornais: O Globo, Folha de São Paulo – caderno Folhateen e Jornal do Comércio (PE);
• Entrevistas concedidas a sete emissoras de televisão e duas de rádio: Globo (Jornal da Noite), Band Rio, RedeTV!, TV Record, GloboNews,TV Brasil (programa Recorte Cultural) e PlayTV (grupo Band); rádio Paradiso e Band FM;
• Publicado em 5 revistas: IstoÉ, Revista da Semana, Computer Arts, Jungle Drums (ING) e Tabu (jornal Sol – POR). Noticiado em versões digitais de outras cinco revistas: Cult, Trip, Galileu, Rolling Stones e Mac Magazine;
• Entrevistas concedidas para diversos jornais na internet: Globo, Folha, Extra e Estadão on line. Noticiado em portais de notícia: G1, MSN Notícias, iG, Yahoo e Terra Notícias, Agência AFP, Agência Estado e Observatório da Imprensa. Entrevistado pelo portal DesignBrasil.org.br;
• Apresentado na escola Kabum! de artes visuais;
• Noticiado em mais de 120 saites e blogs, como: Designers Justiceiros, Pedro Dória, Sydney Resende, São Paulo Fashion Week, Omelete, Nice to meet you (US), Banco Real, Computer Love, Coletivo Mobile, Design Gráfico e outros;
• Participação do projeto em dua exposições: 9ª Bienal de Design Gráfico da ADG 2009, e exposição “Outros Passatempos”, organizada pelo SESC da Vila Mariana em SP, março de 2009

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