quinta-feira

23

novembro 2006

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Entrevista – Dr. Eduardo Senna

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No dia 17 de outubro de 2006, numa entrevista coletiva no hotel Copacabana Palace, a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) anunciou que iniciou 20 ações cíveis contra usuários de internet que fazem troca ilegal de música na rede.

Nada de especial foi estabelecido no evento. O encontro foi apenas para anunciar algo praticado há muito tempo pelos altos executivos da área, marcando oficialmente o início desse tipo de ações no país.

O URBe conversou com o Dr. Eduardo Senna, especialista em propriedade intelectual, mestre pela universidade Valladolid e sócio do KCP advogados, para entender melhor quais mudanças estão por vir na relação entre a indústria e os consumidores no Brasil.

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O que está acontecendo com a indústria? Combater seus próprios consumidores parece uma atitude equivocada.

Uma teoria que tenho é de que o movimento pendular da história está puxando o mercado da música de volta às suas origens.

Todas as majors do mercado fonográfico (exceto a Warner) foram criadas por fabricantes de aparatos eletrônicos. A Polygram foi criada pela Phillips; a RCA, que virou BMG e agora é Sony-BMG, foi criada pela AT&T e a GE, incorporando em 1929 a Victor Talking Machine, principal produtora de tocadores de disco (vitrolas) da época; EMI é a sigla originada por Eletric and Music Industries Ltda; o caso da Sony, grande fabricante de eletrônicos, nem preciso mencionar.

A indústria de discos nasceu da necessidade de produzir conteúdo para gerar demanda por produtos muito mais caros e de muito valor agregado: rádios e tocadores de disco. Nasceu como um apêndice da indústria de aparelhos eletrônicos. Em um determinado momento a industria de discos começou a dar dinheiro e ganhou vida própria. Hoje a indústria sofre com a facilidade de cópia e distribuição.

Vejo uma tendência de a produção e distribuição de música e conteúdo em geral ser cada vez mais financiada pelos produtores de aparatos e prestadores de serviço que ganham em cima da distribuição de conteúdo (Apple, empresas de telefonia, Nokia, Motorola, TV digital, etc). Ressalto que essa é uma teoria baseada na observação do mercado e impressões pessoais.

Seria uma lógica de mercado que casaria muito bem com os fenômenos já constatados do barateamento da produção de conteúdo, simplicidade e eficiência na distribuição e proliferação dos mercados de nicho.

O mercado mudou?

A tendência é que se produza muito mais coisas com menos custo. Madona e Rolling Stones são alguns dos últimos exemplos de uma momento onde um número enorme de pessoas desenvolviam gostos parecidos, porque escutavam as mesmas rádios e viam os mesmos programas de televisão. Era a lógica da comunicação de um para muitos.

A lógica hoje é mais dispersa, é de comunicação de muitos para muitos. Mesmo os canais de TV (e IPTV) e rádios (e rádio IP e podcast) são em número muito maior e de perfis muito mais variados do que antes. Isso se traduz em muitos nichos a serem aproveitados, porém todos com uma margem de lucro e de volume muito mais baixa que os grandes sucessos de antes, com seus enormes custos de marketing e propaganda massiva.

Diante dessa lógica, utilizar uma tática que implique em fixar uma imagem negativa e de antipatia na cabeça dos consumidores, que têm a sua disposição uma série de mecanismos para burlar com sucesso qualquer esforço que a indústria faça para impedir o uso indevido de obras intelectuais, pode não ser o mais sensato.

A indústria pode e deve zelar pelo respeito aos seus direitos. No entanto, a falta de sensibilidade, a pouca compreensão das nuances do novo mercado e, acima de tudo, dos hábitos de consumo da nova geração, pode cobrar um preço ainda mais caro no futuro.

Este preço pode ser, até, uma volta ao passado. A indústria de discos poderia voltar a ser um apêndice da indústria de aparatos eletrônicos, o que seria uma grande perda para a sociedade e para a cultura.

Quem disponibiliza links para baixar discos na rede, como os blogues de MP3, mesmo que não tenha sido o responsável pelo upload, pode ter problemas legais?

Esse usuário pode ficar tranqüilo, por enquanto. Mesmo em tese, teriam que fazer força para enquadrar esse usuário em distribuição (pirataria). Na prática, o pior que poderia acontecer é receber uma notificação. A perseguição vai se concentrar, pelo menos de início, nos uploaders, que são as pessoas que estão disponibilizando arquivos desde sua própria máquina.

Como um usuário, efetivamente, é envolvido num processo desses?

Esse assunto é meio cinzento. Pelo texto da lei, eles podem processar qualquer um que distribua arquivos. O problema é que em um sistema P2P (person to person) todo mundo que baixa, também distribui.

O fato é que eles vão atrás de gente que disponibiliza muita coisa, como por exemplo, o cara que coloca um monte de DVDs no bit torrent. O usuário “normal”, em tese, não está ameaçado. Em tese, porque, para um acabar caindo de gaiato não é muito difícil. Esse é o terror que a industria quer difundir, deixando as pessoas com medo de baixar coisa da internet.

O grande problema é que essa tática deu certo nos EUA e por isso estão replicando em outros países. Mas ninguém está levando em conta as diferenças sociais e culturais.

Pirataria comercial (camelô) nos EUA representa menos de 6% do mercado, no Brasil esse número chega a 50%. O grau de inclusão digital nos EUA é altíssimo, no Brasil não chega a 20% da população.

O assunto é longo e solução concreta para o problema ninguém tem. Do ponto de vista legal você não deveria baixar nada, do ponto de vista pragmático você deve prestar atenção, mas não precisa ficar aterrorizado, podendo manter hábitos “normais” na internet.

Gostaria de saber como alguém é descoberto trocando arquivos. Através do endereço IP (os endereços individuais de cada computador conectado à internet)? Um belo dia batem na porta da sua casa, dizendo “é a polícia”?

O sistema é mais ou menos assim: Eles identificam a pessoa que está “violando direito autoral” junto ao servidor através de uma ordem judicial e entram com uma ação de reparação de danos por violação de direito autoral. Se a pessoa realmente disponibilizou muita coisa e muita gente baixou, a indústria pode usar esses números para pedir indenizações altíssimas.

O provedor pode ser obrigado judicialmente a prestar essas informações. Ninguém usa máscara de IP (TOR, por exemplo) para trocar arquivo P2P. Um dia chega à sua porta uma citação onde você é réu de um processo judicial que te cobra uma grana preta por “violação de direito autoral”.

Não tem processo criminal, não envolve polícia. Nos EUA sim, tem gente presa e tudo. Aqui, isso, de momento, não vai acontecer.

A lei está do lado de quem?

O fato é que a lei está do lado da indústria, mas a tecnologia e os fatos nem tanto. A base legal para processar é legítima.

Tudo começou com o Napster. No julgamento o Napster perdeu a briga muito mais pelo fato de sua propaganda induzir as pessoas a trocar conteúdo protegido por direito autoral do que pela utilização da tecnologia P2P. Há um célebre julgado da suprema corte americana que diz, em síntese, que qualquer tecnologia que possa ter um uso legítimo não pode ser banida por conta de seus usos ilegítimos.

Outras ações da mesma natureza proposta pela industria contra sites deste tipo, como Grotsker nos EUA, Kazaa na Australia e Kuro em Taiwan, entre outros, tiveram também um desfecho favorável para a industria.

Até agora, nada disso acabou com a troca de arquivos.

Tendo prejuízo com a troca de arquivos, a indústria americana começou a processar usuários, mandando alguns, como disse, à cadeia. E fez efeito. As pessoas realmente ficaram com medo e índice de troca de arquivos nos EUA caiu.

O fato é que os sites de troca de arquivo P2P não vão acabar e nem todos podem ser perseguidos, pois os que aparecem já vêm com uma cosciência maior das questões legais e tornam mais difícil o trabalho dos advogados da indústria de tirá-los do ar.

Qualquer pessoa que viole propriedade intelectual pode ser processada por isso, da mesma maneira que alguém que arrebente o seu carro, sua casa ou qualquer propriedade sua, também pode. Mas quando a propriedade é imaterial a coisa é mais complicada.

Essa tática pode funcionar no Brasil?

Pessoalmente, acho um tiro n’água a industria fazer isso no Brasil. Pelo menos da maneira como foi feito. A indústria tem o direito de defender sua atividade econômica e está utilizando os instrumentos que a lei dá para isso, mas em um país onde a pirataria comercial é de mais de 50% e o número de pessoas com acesso a internet de banda larga é muito pequeno, parece gastar tempo, dinheiro e energia em um foco de resultado duvidoso.

O outro lado disso é a prejuízo de imagem para a indústria. Essas iniciativas são extremamente impopulares, em especial com o público jovem, que é a grande força de consumo presente e futuro de qualquer mercado, em especial o de música.

Gerar esse tipo de animosidade quando não há outra saída é uma coisa. Deliberadamente fixar uma imagem antipática junto aos seus consumidores para solucionar um problema que na verdade não é o problema (a questão aqui é pirataria comercial, não de internet), é outro jogo.

Como você vê essa disputa no futuro? Quais as possíveis soluções, tanto para o mercado quanto para o consumidor? Emprestar discos para amigos é um hábito inerente a fazer a coleção…

O futuro é incerto ainda, mas vejo sinais bastante claros em alguns sentidos.

No ponto específico da troca de arquivos, o que preocupa a industria é o volume. Você só pode emprestar seu disco físico para um amigo de cada vez, mas se vc coloca no torrent pode compartilhar com milhares de pessoas ao mesmo tempo. E todas elas fazem uma cópia. A intenção é coibir a disponibilização massiva de conteúdo, mas do ponto de vista prático é muito difícil.

O futuro da música, como mercado global, é a distribuição sem suporte. CDs, físicos, com encarte, embalagem, custos de produção, distribuição, estoque etc, vão continuar existindo, mas vão ceder espaço cada vez maior para a distribuição sem suporte. O desafio é cobrar por isso.

Há casos de sucesso como o iTunes, mas na América Latina a compra on line de música ainda não decolou. Mesmo na Europa, exceto por Reino Unido e Alemanha, também está engatinhado. A telefonia celular, por sua vez, está de vento em popa com o mercado de distribuição de conteúdo.

Mercados de nicho também são um fator muito importante. Enquanto um aficionado em determinados produtos que não sejam de massa tem grande dificuldade de encontrar os produtos que procura no mundo físico, no mundo virtual isso não é um problema. A capacidade de tornar rentáveis produtos que no mundo físico não chegariam aos seus potenciais consumidores, e portanto seriam descartados pela lógica da cadeia de produção, é dos principais criadores de novos mercados de conteúdo para distribuição virtual.

O próprio relatório anual da IFPI aponta a distribuição por telefonia celular como “menina dos olhos” da indústria fonográfica. Muitos números interessantes podem ser encontrados nesse relatório.

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  1. ACM
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