Entre o hype e os haters: Daft Punk, "Random Access Memories", retrofuturismo e o gosto
Written by urbe, Posted in Música, Resenhas
Pouquíssimas horas após vazar, minutos, na realidade, os vereditos sobre “Random Access Memories” começaram a pipocar na rede. Em questão de alguns posts no FB e no Twitter a discussão estava polarizada entre os que amaram (e já amaram antes de escutar, chamados de hype) e os que odiaram (e já desgostaram antes de ouvir, os haters) o novo disco do Daft Punk.
Entre os dois extremos ficou não apenas o bom senso, mas também o prazer de simplesmente se ouvir um disco pelo que ele é, acompanhar a ideia de uma outra pessoas sem tantos julgamentos, sem imagina que teria que ser outra coisa.
Os que tinham altas expectativas em relacão aos robôs (e os que se incomodaram muito com a robusta operação de marketing do pré-lançamento) ficaram, como era de se esperar, decepcionados. Como se sabe, existem poucos atalhos mais certeiros para frustração do que altas expectativas.
Os que mantiveram as esperanças baixas depois de ouvir a morna “Get Lucky” (eu), tiveram um bocado mais de sorte e – boa vontade – ao se deparar com uma produção impecável, grooves chicletudos, as muitas participações especiais tão integradas que são quase imperceptíveis, a qualidade de gravação e mixagem de uma grosseria poucas vezes vistas (mesmo em 192kbps, imagina em vinil…), e o mais importante, boas músicas. Surpresa boa.
O disco é inapelavelmente retrô desde a escalação dos músicos, baluartes da disco music como Nile Rodgers, Giorgio Moroder e John JR Robinson. Ao homenagear uma época que precedeu sua própria existência, o Daft Punk espanou o mofo numa experiência retro-futurista: aplicar referências de produção e arranjos da eletrônica na sonoridade de uma era marcada pelo trabalho de músicos de estúdio.
É uma conquista em tanto conseguir sair de trás de computadores, teclados e sequenciadores para comandar sessões de gravação com músicos desse naipe. E um barato para os fãs ver o Daft Punk interagir tão de perto com sua principal referência.
Engana-se quem pensa que não há inovação em olhar para trás. Alguém se lembra de um documentário musical no formato apresentado em “Giorgio by Moroder”, baseado numa entrevista com o lendário produtor e que se arrisca até num samba jazz. Passando dos nove minutos, é seguida de “Touch” e seus oito minutos psicodélicos.
“Lose Yourself to Dance” (com Pharrell Williams fazendo o que deveria ter feito em “Get Lucky”) é balanço pra uma noite toda, “Doin It Right” (com Panda Bear) traz programações eletrônicas e trombadas de 808, pra matar a saudade. Encerrando o disco, outro épico, “Contact” decola e leva o ouvinte rumo ao espaço.
Só até aí já são cinco músicas excelentes, o que é uma média mais alta que boa parte dos discos lançados nos últimos anos. Tem mais. As três baladas, “The Game of Love”, “Within” e “Beyond” e o tema “Motherboard” também fazem muito bonito.
Entre quem reclamou, muita gente critica outras coisas – o hype, sobretudo – que não o objeto em questão. O disco é o que é, não adianta querer que fosse outra coisa. Medir sua qualidade baseado num próprio desejo do que gostaria que ele fosse é uma abstração sem muito propósito. Foi a armadilha que o Daft Punk armou para si próprio ao forçar tanto na divulgação.
Goste, desgoste, ame, odeie. Não importa, gosto é gosto. O importante é ouvir o disco – esse ou qualquer outro – sem tantas barreiras. Do contrário, não tem nem graça.
Obs 1: provavelmente ainda volto aqui pra adicionar novas ideias.
Obs 2: como até a dupla fez um faixa-a-faixa, resolvi tuitar as impressões iniciais ao longo da primeira audição, falando mais especificamente do som. Siga abaixo.
Vazou o Daft Punk novo, ouçamos. A resenha em tempo real começa agora (@danielferro, vai dar uma volta).
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
O disco abre com “Give Life Back to Music”, como prometido, emulando “Off The Wall”, a guitarra do Nile Rodgers suingando…
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
… sobre a batera de John Robinson Jr, a grande estrela da música. De cara dá o recado: é Daft Punk tocado ao vivo. Já vale o disco.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
A balada “The Game of Love” é uma baladinha robótica de pista, pra dançar coladinho, sem perder o rebolado.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
A homenagem ao lendário produtor, “Giorgio by Moroder” pode ser a melhor coisa que o Daft Punk já fez. Bateria feroz, sintetizadores indo…
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
… do samba jazz a estrondação de pista, dando nó na orelha. É a música a ser batida nesse disco até aqui. E é só a três.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
“Within”, Gonzales brilha num recital de piano, invadido por bateria e baixo minimalistas e, claro, vocoder. 4a música, segunda balada.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
“Instant Crush”, Daft Punk + Julian Casablancas. Poderia estar no disco solo do vocal do Strokes, se tivesse sido tão bem produzido assim.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Curiosa combinação, meio fracotinha no meio do que pintou até aqui. Mas boa mesmo assim.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Com participação de Pharrell, “Lose Yourself to Dance” é um groove rodopiando no espaço, palminhas no ar e.. vocoder e a suingueira do Nile.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Prq diabos a primeira a ser lançada foi “Get Lucky”? Foi pra irritar com aquele loop em toda parte? “LYSTD” com Pharrell é uma grosseria.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
A trilha do casamento psicodélico do “Fantasma da Ópera”. Essa é “Touch”, a música mais crazy do Daft Punk de todos os tempos.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
9 minutos de “Giorgio by Moroder”, 8 de “Touch”, altas peças Daft Punkinianas.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
E lá vem… “Get Lucky”! Hahaha! Nããão! Vamos ver se no contexto melhora. E se tem algo mais do que foi lançado, a do disco tem 6 minutos.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Até “Get Lucky” cresce no contexto do disco. Com 2min a mais, o groove vai embora e segura a pista de dança imaginária sobre a qual sento
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Falou-se mto em California vibe e essa “Beyond”, com Paul Williams, tá quase gansta rap, “Regulators” style, só na maciota. Que blz de disco
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
É, minha gente, temos o disco do ano.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
10 (são 13): “Motherboad”. O disco tá cheio de viajandices, uma belezura só. Uma cama de teclados e cordas pra deitar e partir pro espaço.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Se tocassem “Fragments”, com a participação de Todd “Face to Face” Edwards, sem nenhuma info, ninguém diria que é Daft Punk. Ninguém.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
“Fragments of Time” disputa pior do disco com a do Casablancas.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Com participação do Panda Bear (tbm do Animal Collective), “Doin It Right” é a única eletrônica do disco. Não destoa e mata a sede duma 808.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
E vai acabar… “Contact”, com narração da Apollo 17 e tudo, co-produzida com DJ Falcon. Dizem que é a melhor do disco. Vamos ver.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Vamos fazer barulhooo! Chupa, Skrillex, que aula do Daft Punk em “Contact”. Que difícil deve ser produtor eletrônico e ouvir um disco desse.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Discaço do Daft Punk! Haters gonna love. Participações bem integradas, novo caminho explorado, MTA música boa. Obrigado robôs! Perfeito.
— Bruno Natal (@URBe) May 13, 2013
Sensatez é o que define esta resenha. Em tempos em que a maioria das resenhas de discos só imprimem a opinião pessoal do, “gosto ou não gosto” dos críticos é bom ver uma resenha que analisa o disco como um todo/como produção e o que este disco representa (em um pedacinho) da historia da musica. 😉
O problema disso é o discurso da “authenticity”, dessa venda megalomaníaca de algo que já existiu muito antes do Daft Punk. Eles estão querendo se apoderar de uma história muito mais complexa do que essa que eles estão vendendo num jogo de marketing ridículo.
Obviamente o público alvo é o novo “EDM”: estão usando o Nile Rogers pra se apresentar como avós da música eletrônica. Todos os “movimentos” musicais que usaram o equipamento pra se justificar foram sem falta retrógrados, desde o Prog até o Solo De Guitarra Gratuito. O punk, o hip-hop e até mesmo o EDM-laptop foram democráticos e disseram que *qualquer um pode fazer música*. Essa estória de que tem que “tocar” é porque eles estão querendo esfregar a grana deles na cara das pessoas. Gastaram uma grana absurda que óbviamente é inacessível a qualquer pessoa isolada num quarto. Não se esqueçam que grandes singles desde “Warm Leatherette” até “Sweet Dreams” do Eurythmics foram gravações caseiras. A música eletrônica teve fruto porque se tornou acessível aos produtores caseiros.
O mais grave disso pra mim é a “limpeza” da estória da Disco music tornando-a uma coisa frat-boy, hétero. A estória da Dance music sempre esteve ligada `as “minorias” de NYC e aos clubes underground. A completa apagada dos vocais femininos, por exemplo, tão forte da música disco, é mais uma tentativa de testeronizar essa estória para vender num pacote sem memória para maioria branca americana do midwest. Muitos dos pioneiros da disco music se foram com a Aids e não estão aqui para continuar a história já repaginada no marketing do Daft Punk.
E finalmente alguém faz uma crítica além do “não gostei”.
Mandou mto bem!
Concordo 100% que o marketing desse disco já matou ele. Pelo menos pra mim.
Não foi bem isso que falei não, Victor. Achei um discaço e ignorei esse marketing todo na hora de ouvir.
Daft Punk vs. The Clash – Give Life Back to Casbah: http://snd.sc/11BSvnc
“Modernizar o passado é uma evolução musical. … Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos” já dizia o mestre Chico
acho que vou pegara essas aspas do chico e transformar no novo título.
Eu sempre falo do Chico, basta soar bem aos ouvidos mata tudo, detratores do funk, salvadores do rock, hipster, enfim. Ao avn, só o lembrete, as ferramentas servem ao criador, se ele é ruim, será com tecnologia de ponta ou caseira. A produção sair de casa e entrar em estúdio, com time de veteranos, é para pouquíssimos. Em tempos de pro-tools, poucos bateristas conseguem gravar no ritmo, cantores cantar afinado etc. Achei o disco excelente, independente de ser Daft Punk. Porque tem alma. E acho que é esse o discurso que o Dave Grohl que foi mal interpretado. O ser humano ali vem antes.
Bom o link com o discurso do D. Grohl. Acho que é por aí tb.
Qual link?
Preciso me recuperar das expectativas. É que desde que ouvi o Discovery eu espero um Daft Punk agressivo e sempre mais e mais e mais rápido, sujo e pesado. Bom ou ruim, preciso primeiro desconstruir esse ideal interno e admitir que eles podem e sabem muito bem serem diversificados. Nesse olhar mais aberto, o disco é bom, inegável. Como disseram uns amigos, dá pra colocar epra tocar em casa e ouvir do começo ao fim, sem que isso signifique mera música ambiente, tem sentimento na parada. Não d´apra ouvir Giorgio By Moroder sem dar atenção ao que o cara tá dizendo ali. E essa resenha realmente ajudou a dar um contexto mais adequado.
Ah, só acho exagero dizer que seja o disco do ano. Ainda tem muitos meses pela frente.
/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.
falaurbe [@] gmail.com
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