terça-feira

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julho 2004

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Nessa sexta-feira estréia Farenheit 9/11, o novo filme de Michael Moore. Enquanto isso, Antonio Engelke manda a letra sobre os métodos de guerrilha do cineasta.

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O suburbano do Kentucky

Os críticos brasileiros torcem o nariz para Michael Moore. Em geral, o resumo dos artigos sobre ele é o seguinte: respeita-se o sucesso de seus filmes, mete-se o pau em seu método. Acusam-no de panfletário, fanfarrão, manipulador e superficial — com alguma razão, aliás. Mas os críticos se esquecem de que o público-alvo de seus documentários não é a elite brasileira ou européia: é o americano médio. E o americano médio não prima pela inteligência.

Michael Moore é panfletário, fanfarrão, manipulador e superficial — e também dono do humor mais corrosivo e certeiro da atualidade — porque sabe que só assim vai conseguir colar sua mensagem na “América”. É só isto que lhe importa. Moore não tem um compromisso com o cinema, ou maiores preocupações artísticas. Ele é um “cineasta de ação”, um idealista megalomaníaco e puro (mas não ingênuo). Acredita realmente que seus filmes possam ter impacto social. Ou pelo menos alguma influência nas intenções de voto do eleitorado norte-americano, o que não é pouca coisa.

E daí que ele é o rei da auto-promoção? Num país que prioriza a imagem em detrimento do conteúdo e onde quem não comanda o show business é engolido por ele, adotar uma postura de popstar não me soa uma questão de escolha, e sim de necessidade profissional. É preciso mais do que um bom roteiro para tirar de casa um sujeito que mora no subúrbio do Kentucky e levá-lo ao cinema para ver um filme que não seja blockbuster. Moore sabe disso. Suas aparições na mídia, e o bafafá que se arma ao entorno delas, cumprem a difícil tarefa de levar este sujeito não apenas ao cinema, mas ao cinema para assistir a um documentário que pretende analisar as patologias sociais e políticas de seu país. Além do mais, é justo que Michael Moore seja notícia. Ele é o homem que ousa morder o cachorro.

Mas, para os entendidos de cinema no Brasil, isso não tem muita importância. O fato de que, sob intensa patrulha ideológica de uma mentalidade provinciana e repressora, um cineasta tenha a coragem de denunciar os efeitos perversos da tirania do sistema financeiro (em “Roger & Me”), de apontar a natureza ao mesmo tempo violenta e amedrontada de sua cultura (em “Tiros em Columbine”) e esmiuçar as relações um tanto suspeitas entre a família do presidente da nação e a de seu principal inimigo (em “Fahrenheit 9/11”), não parece ser, por si só, suficiente. É preciso que se faça tudo isso de maneira artisticamente impecável, intelectualmente refinada e, se possível, com alguma elegância.

Michael Moore está certíssimo em fazer o que faz, do jeito que faz. Seu método se justifica pelo caráter popular de seu discurso, pela coragem de peitar o império de Bush e o establishment americano, pela eficácia em levantar questões e suscitar polêmica — e a polêmica às vezes é o primeiro estágio da conscientização. Na perspectiva do suburbano do Kentucky, ele é “gente como a gente” que, ainda por cima, “fala a nossa língua”. Este é seu maior defeito e trunfo. Abrir mão disso seria suicídio, mas é justamente o que ele teria que fazer para ganhar a admiração dos críticos brasileiros.

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