quinta-feira

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novembro 2015

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#AgoraÉQueSãoElas, por Irina Neblina

Written by , Posted in Urbanidades

JornalistasLivresFotoIanMaenfeld
foto: Ian Maenfeld, via Jornalistas Livres

Segundo post da série ‪#‎AgoraÉQueSãoElas, movimento convocado pela Manoela Miklos. Após a repercussão da série de posts femininos #MeuPrimeiroAssédio, Manoela propôs que homens cedessem seus espaços editoriais para que mulheres ocupassem e pudessem propagar o próprio discurso.

Agora é a vez da Irina Neblina:

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Sobre sermos irmãs, não rivais
por Irina Neblina

Essa que segue é uma trama afetivo-sexual bastante banal, adolescente e burguesa. Na época, eu não conhecia a palavra “sororidade”, que eu até prefiro não usar, vou parar por aqui, pois não sou uma grande estudiosa do feminismo, e posso acabar falando merda. Mas acho que é sobre isso que eu tô falando. Vou falar da primeira vez que eu percebi que mulheres engrossavam o coro do machismo, na fala e nas ações. Lógico que não foi quando eu fui machista, mas quando vi o machismo em outra mulher, ou, no caso, menina. O que acabou abrindo meus olhos pra esse mato forte que é o machismo, que você arranca, arranca e depois vai achar crescendo noutro canto do jardim.

Uma vez comecei uma paquera com um rapaz, amigo de um amigo, e, pra encurtar a história, tivemos um lance, numas férias da faculdade, nos víamos com uma certa frequência, mas tudo muito libertário. Numa sumida que ele deu, me soltaram a bomba: namorada tinha voltado das férias. A namorada que nunca tinha existido, até ali. A indignação sobre a mentira ficou pequena perto do drama adolescente, e toca juntar os pedaços do coração. Até aí, nada de novo. Não vou falar do machismo contido na mentira e ações dele, porque não precisa, né migxs. Porque essa não é uma história sobre ele, é sobre nós.

Escuto que a garota tá fula que não pode nem ouvir falar meu nome. Até aí, tudo bem, pensei eu. Mas ele continuava com uma vida dupla, tentando fazer funcionar com ela, enquanto ficava, mentindo ou não, com outras tantas. E é daí que eu percebi, nos meses que se seguiram acompanhando-os de longe, que raiva era essa a dela, que só fez crescer com o tempo: ao invés de culpar o único culpado pelas traições que sofreu, ela escolheu culpar… todas as mulheres que ele ficou, e, por contiguidade, todas as mulheres do planeta. Essas putas, piranhas, vadias, vagabundas, piriguetes, etc que “dão em cima dele”… que é homem, logo não pode responder pelos próprios vacilos.

Só percebi que esse ódio era machismo, que a atitude dela protegia o machismo das ações dele, que esse constante slut-shaming entre mulheres reforçava a ideia de que tem mulher pra casar e pra pegar, que mulher tem que se dar o respeito, quando a piranha fui eu. (Hoje “ser a piranha” não me incomoda mais, como a Clara explicou bem). E como sempre com o machismo, quem se fode é a mulher. Com a naturalidade frente ao “boys will be boys”, fragilizamos ainda mais a soberania sobre as nossas escolhas, enfraquecemos sistematicamente o elo que nos une contra essa realidade de dois pesos e duas medidas que assola a independência feminina no mundo em que vivemos.

Mas ainda assim, muitas vezes depois dessa, engrossei o coro machista. E não há nada mais grotesco do que quando o machismo aparece na voz de uma mulher. E quando a gente acha que não tem… é aí que o perigo mora, porque deixamos de estar vigilantes.

Hora da revisão:

O gênero, a sexualidade ou o corpo da pessoa não podem ser usamos como ofensa. Não “xingue” a coleguinha de lésbica, puta, gorda, feia, velha. Xingue de ladra, babaca, canalha, calhorda.

Não “xingue” o coleguinha de viado, arrombado, bixa. Xingue de cretino, pilantra, imbecil, otário.

Não xingue nunca a mãe da pessoa xingada.

Não ria de piadas machistas, homofóbicas e racistas, e um dia elas desaparecerão!

Mande as pessoas irem caçar sapo no Egito, por exemplo, ao invés de irem tomar no cu.

Cada um faz o que quiser com o próprio cu, inclusive tomar no mesmo.

Não “ofenda” alguém mandando a criatura ir “chupar”. Chupar é uma coisa boa.

Não namore um homenzinho de merda.

Não seja um homenzinho de merda, ainda dá tempo.

Não se orgulhe de ser uma mulher que “não precisa do feminismo” (wtf?), reconheça seus privilégios e entre na dança.

Não julgue o relacionamento alheio baseado na aparência dos envolvidos.

Aprenda a elogiar uma mulher com outros adjetivos além de “linda”.

Não diga que uma mulher é o pivô de uma separação quando não foi ela que traiu.

Não fale que uma mulher é mal comida, que tal coisa é falta de rola ou que ela está de TPM.

Use a criatividade!

Hoje quando vejo alguma mulher culpando outra por alguma burrada masculina penso:

Sério miga? Sério mesmo? E quando uma mulher branca hétero cis (como eu) se cala quando o abuso é endereçado a uma mulher preta, pobre, trans ou feia, que não é como ela, virando cúmplice do seu próprio opressor. Quando vejo mães tratarem diferentemente filhas de filhos. Quando mulheres reforçam o coro homofóbico ou racista, onde gay, lésbica e negro é xingamento. Quando escutei da minha mãe (uma vez só, graças ao Unicórnio Cor-de-rosa Invisível) que era pra “ter cuidado com o que as pessoas podiam pensar de mim”. Sério mesmo?

Nos ensinaram que somos rivais. Nos ensinaram que mulher fica feliz quando uma outra leva um chifre ou é fotografada com celulite. Porque nada é pior do que ser gorda e feia ou “ficar pra titia”. Nos ensinaram que a nossa sexualidade é suja e antinatural. Que a nossa iberdade é devassa. Vamos desaprender.
Por fim, lembremos: o coletivo é masculino, defende o masculino. Não podemos ter nem ao menos uma mulher não feminista. porque nossa força de mudança está indo contra um agente muito estabelecido, enraizado, contra a maneira que as coisas sempre funcionaram. Se, ainda por cima, fomos umas contra as outras, perpetrando o machismo das pequenas coisas, criando rixas, separando eu e elas, vamos, enquanto isso, na nossa desunião, sendo empurradas pra trás, como podemos ver hoje em diversos lugares do mundo, e aqui.

Vamos expor o machismo até que ele seja — isso sim! — motivo de vergonha.

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