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abril 2004

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A volta, sem tv

Written by , Posted in Resenhas

30/07/02
Ballroom, Rio de Janeiro

O Paralamas do Sucesso está de volta. Há um ano e meio a cena parecia impossível. Depois do grave acidente de ultraleve em fevereiro de 2001, Herbert Vianna beirou a morte. Conseguiu sobreviver, porém as seqüelas foram sérias e ninguém podia afirmar se algum dia ele voltaria a ativa. Tudo indicava o fim de uma das mais expressivas bandas do rock nacional.

Isso até 5 de agosto de 2002, quando o improvável enfim aconteceu. A volta da banda, ao contrário do que pode parecer agora, não foi em nenhuma dessas apresentações ensaiadas “a volta dos Paralamas” que tem pipocado em vários canais de TV ultimamente. Foi num esquema bem informal, meio por acaso mesmo. A essa altura já foram tantos os especiais e participações do trio em shows de outros artistas que praticamente qualquer um pode falar que presenciou a volta do Paralamas. Tá bom, vá lá, esses shows também fazem parte do período de retorno da banda, vão dizer alguns. Acontece que a volta pra valer, a primeirona, foi presenciada por poucos. E pode ter certeza, nenhuma equipe de televisão estava lá. Exatamente por não existir esse registro profissional da apresentação, motivo pelo qual quase ninguém viu imagens desse show, daqui há alguns anos essa confusão só tende a piorar. Então, é bom esclarecer.

A verdade é que não foi novidade a banda tocar junta naquela noite. Esse retorno não foi um passe de mágica, como foi noticiado. Depois do acidente, com a progressiva recuperação de Herbert, o Paralamas gravou inclusive um disco novo, “Longo caminho”. Isso significa que eles vêm se encontrando e tocando juntos há um tempo. A volta aos palcos, meio sem querer e divulgada como milagrosa pela mídia em geral, foi na verdade o destaque de um processo longo e gradual. A primeira aparição pública da banda.

Ao contrário de outras bandas que ficam sem vocalista – pelos mais diversos motivos – a preocupação de João Barone e Bi Ribeiro nunca foi a continuação do Paralamas ou do seu ganha-pão, e sim a recuperação do parceiro e amigo. No período pós-acidente, ambos dedicaram-se aos seus projetos paralelos. Barone já tinha o The Silvas, banda de surf music em que toca com o produtor musical e guitarrista, Liminha, e com Nenê, ex-Incríveis, e o baixista Bi Ribeiro fundou, há um ano, o Reggae B. A superbanda, que conta ainda com Gustavo Black Alien, ex-Planet Hemp, o tecladista João Fera, o vocalista Valnei, do Negril, entre outros músicos, toca só clássicos do reggae e do dub, como Linton Kwesi Johnson e Black Uhuru. Essa foi a maneira, quase terapêutica, encontrada para suportar a ausência do amigo na fase de recuperação.

A primeira vez que Herbert pôde ser visto tocando após o acidente foi numa gravação caseira, feita quando ainda estava internado no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília. Ele tocou “Óculos” para seus companheiros de ala. Depois disso, em junho desse ano, fez uma participação no show do argentino Fito Paez no Canecão. Juntos tocaram “Trac trac”. Herbert já tinha participado numa apresentação do Reggae B – junto com Lulu Santos, mas em Barone – semanas antes do reencontro do trio. Ou seja, juntar-se novamente aos companheiros de banda era apenas questão de tempo. Não custa lembrar que o mesmo Paralamas sempre usou o artifício de shows-surpresa e pseudônimos para testar, ao vivo, material de um disco novo.

A oportunidade do Paralamas se apresentar na sua formação original surgiu por acaso, justamente em uma outra apresentação do Reggae B. A banda de Bi fazia uma temporada de um mês no Ballroom, pequena casa de shows em Botafogo, no Rio. O público desses shows era composto, principalmente, por amigos dos integrantes da banda, além de, claro, alguns fãs de reggae. Nada muito grande, um clima bem pessoal. Herbert foi à apresentação em que a banda comemorava um ano. A noite era de festa, e poucos imaginavam o fato histórico que estava por vir. Herbert assistiu ao show sentado em sua cadeira de rodas, conversando com amigos como o ex-Legião Urbana Dado Villa-Lobos. Além deles, como não podia deixar de ser, João Barone também compareceu.

Quando as pessoas perceberam que os três Paralamas estavam presentes, imediatamente começou um burburinho sobre a possibilidade daquilo se transformar no retorno da banda. O clima do show era bom, principalmente durante a participação inspirada de Nando Reis, cantando o hino “Punk reggae party”, de Bob Marley. Tudo fluía tão bem que João Barone resolveu dar uma canja. Desse momento em diante o tal burburinho virou expectativa. A expectativa se transformou em realidade quando Herbert foi anunciado. Ele entrou no palco de cadeira de rodas e começou logo atacando com “A novidade”. A platéia a essa altura urrava, subia nas mesas e cadeiras, pulava e cantava num delírio coletivo. Sonorizando a histeria, frases como “eu não acredito que eu estou aqui!”, “eles voltaram!”, e outros bordões emocionados, ecoavam de toda parte. Tinham pessoas que ficavam apenas se olhando, congelados. Nando Reis, que já tinha saído do palco, atravessou a multidão feito uma bala para ver de perto. Durante a apresentação, o ex-titã gritava: “Graças a Deus! Graças a Deus!”. No palco, os músicos foram abandonando os instrumentos um a um, até restar apenas o trio tocando. George Israel, do Kid Abelha, trocou seu saxofone por uma câmera de vídeo e registrou tudo. José Fortes, empresário da banda, chorava, acompanhado por boa parte do público.

O show durou aproximadamente 25 minutos. Eles tocaram ainda “All I wanna do” e “Cherry oh baby”, dos ingleses do UB40, voltaram ao repertório próprio tocando pela primeira vez em público a nova “Calibre” e encerraram com “Meu erro”. Foram tantos hits que parecia que estavam querendo matar as saudades da reação do público. Depois disso o Reggae B tratou de finalizar com classe a noite antológica. Era realidade, os Paralamas do Sucesso estavam de volta. Aliás, estão. E quem estava lá, como eu, pôde comprovar que não mudou muita coisa. O rock agradece.

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