Murcof e a performance na música eletrônica
Written by urbe, Posted in Destaque, Música, Resenhas
Um apresentação memorável deve se destacar em dois quesitos (ao menos): o musical, óbvio, e a performance. Ontem, Murcof sobrou na primeira parte na sua apresentação no Novas Frequências. Construções ambiente com arranjos de cordas sinteizadas, cortes, batidas tortas, é um recital de um homem só.
É aí que vem o problema. Por se tratar de apenas uma pessoa sentada de frente para o computador, a performance simplesmente não existe. É um problema recorrente quando se fala em apresentações de música eletrônica, uma reclamação que vem desde quando se começou a colocar os DJs em cima do palco, amplificado na era da música de laptop.
É como se estivesse ouvindo um disco em grupo – o que em parte é o desejo de Murcof, que queria ter se apresentado totalmente no escuro, sem aparecer. A sensibilidade ao montar os arranjos ao vivo, controlando os efeitos, entrada e saídas de cada canal, num fluxo contínuo de sons é perceptível. O que faz falta mesmo para quem assiste é ter algo para acompanhar, uma vez que é um show, não uma audição.
Talvez um telão com uma câmera mostrando o que se passa na tela (quem nunca colou vendo guitarristas ao vivo?) e o uso dos periféricos talvez enriquecesse a experiência Talvez não, apenas tirasse o foco da música, dos sons. E era com isso, e somente com isso, que Murcof estava preocupado. Essa parte ele entregou, com louvor.
disse tudo
Pra mim é a mesma coisa que ir no Municipal e assistir o Keith Jarrett ou o Philip Glass. Mal se consegue ver eles tocando. Mas, numa boa, precisa realmente ver? Precisa de mais alguma coisa do que simplesmente a música?
O mundo já está cheio de poluição visual. Precisamos aprender a ouvir mais.
assistir um artista performar é “poluição visual”?
Bastante interessante seu questionamento.
Gostaria de aproveitar e convidá-lo para assistir a uma performance do meu grupo, Arlian Ensemble, em que discutimos um pouco dessa questão na apresentação ao vivo de música experimental. Se quiser aparecer, aqui seguem as infos:
semnomeperformance.blogspot.com
abraço!
discordo completamente. para mim foi o melhor show do ano. eu disse show!
acho justamente o contrario, o que faz falta hoje é as pessoas pararem as suas vidas por 1 hora e ouvirem música. sem se preocupar com o chopp gelado, o smartphone, o flerte com a gatinha, a pirotecnia de luzes e cliches de bandas de rock perpetuados ao longo de decadas, etc…. disso o mundo ta abarrotado. achei foda o clima recital, quem tava ali tomou um banho de musica, de som, e de altissimo nivel, como ha tempos nao ouco. e lamento que o pedido do urcof nao tenho sido atendido. se fosse o show todo no breu so potenciaria o que estou dizendo…. ai seria papo do show da decada, hahahaha abs!
ué, mas a social que vc está falando não tem nada a ver com a performance.
quiz dizer que uma performance sonora se basta, ainda mais em um teatro pequeno, intimista. na minha opinião, não são necessários outros artifícios para entreter o público.
Mas quem falou em artifício? Executar as cordas ao vivo seria “artifício”? Se sim, qualquer show é mero “artifício”, basta botar um disco pra tocar.
Discordo, Bruninho.
Vi o Andy Stott e, acostumado que estou às interações multi-tudo no meu dia-a-dia, cheguei em dado momento a sentir falta de umas viagens visuais pra acompanhar. Mas depois pensei bem e cheguei a conclusão de que, sendo a visão o sentido predominante em termos de percepção, e vivendo num mundo cada vez mais imagético, é muito bom que haja um espaço onde não tenhamos a possibilidade de não fazer nada a não ser ESCUTAR música.
Ponto alto do Novas Frequências: ele te obriga a sentar na cadeira e tomar uma surra de música. Aliás, foi exatamente isto o que senti no Stott — como se um urso Grizzly estivesse apertando meus ouviodos, vez ou outra dando um “telefone”. Foda. Saí do show descacetado. Não lembro a última vez que tive uma experiência assim num show “normal”, com performance…
Abs
Vc data falando de outra apresentação, Antônio.
Mas… Vc se sente distraído vendo um musico tocar? Estou falando do suporte, que por natureza é fechado, nao permite acompanhar a ação do musico. Nao é culpa dele, é simplesmemte um fato.
Não consigo enxergar relação entre “tomar uma surra musical” com a necessidade de não se haver uma performance.
E acho também que vc se apegou a uma metáfora lateral do comentário do Chico, deixando de observar o principal na resposta dele.
Claro que assistir um artista performar não é poluição visual. Este não foi o argumento colocado — e nem poderia ser, ao menos para alguém que tenha um mínimo de noção do que seja um “show” de música.
O argumento que realmente importa é o que está no parágrafo anterior: a analogia com um pianista que se apresenta no Municipal. Quando compramos um ingresso para “ver” um Keith Jarret num Municipal, na verdade estamos apenas pagando para ouvir a música dele. Não há “performance” envolvida na fruição da experiência, pelo menos não do modo como vc coloca em sua crítica inicial ao Murcof. Tudo o que temos diante dos olhos é um homem e seu instrumento de trabalho. Suas mãos passeiam para lá e para cá, apertando teclas. Mas o que importa é a sonoridade que elas produzem. O mesmo se dá com o Murcof ou com o Andy Stott.
Na verdade, a metáfora da “poluição visual” apontava para um segundo argumento, que parece igualmente ter te escapado: o fato de que, num mundo cada vez mais saturado — seja do que for: imagens, diáologos, informações, interações — voltar ao bom e velho “basicão” pode ter o seu valor. É isto que o Chico quiz fazer: um retorno ao bom e velho “vamos ouvir música — nada além”. Isto é parte da proposta do Novas Frequências.
O que, diga-se de passagem, é uma puta duma ousadia, um lance arriscado. Porque se a música for ruim, fodeu. Não há para onde correr. Não há nada que se possa fazer para desviar a atenção, um lugar outro onde ancorar a percepção. Não tem luz piscando, visual bacana pra encher os olhos (e nem, por outro lado, socialzinha rolando, uhuu gatinha dando mole). Mas se a música for boa, aí meu caro…
Entendi sim, Antonio. Nada disso me escapou. Apenas discordo. Se nao há performance, bom, que se assuma isso entao.
Ah, e a “metáfora lateral do comentário” a qual me “apeguei” no comentário não era do Chico, era do Lucas – e no comentário dele, essa observação é tudo menos lateral.
Adendos:
O primeiro em relação ao Stott. O que se viu foi um set, que poderia ter rolado em qualquer noitada dubwise de Londres, como a Dublime, da Fabric. Tivesse sido um set, num clube, também não haveria suporte visual – mas haveria uma pista de dança, o que teria sido mais apropriado para as cacetadas 4×4 do sujeito. É muito interessante ver um set deslocado de uma pista, porém o grande “impeditivo” é não poder dançar.
Interessante vc citar o piano, Antonio, pois esse foi um dos primeiros instrumentos a serem criticados por sua “praticidade mecânica”, das notas “prontas” ao “pressionar de uma tecla”. Ainda assim, quando se vê um recital de piano a performance é sim parte do espetáculo (ou alguém não acha emocionante VER o Nelson Freire tocar?), tanto é que o piano fica de lado ou enviezado, para que a plateia possa ASSISTIR.
No caso do Murcof, não. O som dele não é pra pista, é para se ouvir e pode-se ouvir sentado em casa, com um bom aparelho de som ou com o próprio fazendo as misturas na sua frente. O que pega é que, uma vez que resolve-se transformar aquela proposta numa apresentação, seria muito bom (para o MEU gosto) que se pensasse dessa forma: como uma apresentação.
Vejamos o caso do Com Truise, que tocou no dia seguinte. O sujeito abre as faixas das suas músicas e solta algumas coisas programadas e constrói outras ao vivo (sintetizadores, mpc, controlador), trazendo um frescor que se fosse clicando as tracks num laptop, não teria. Mais que isso, ele substitui as batidas programadas por uma baterista ao vivo (ainda que continue tendo programação por cima).
O Murcof faz um trabalho complexo, no qual vário elementos poderiam ser executados ao vivo, como as cordas ou os sintetizadores. Ah, sim, tem a questão dos custos. Mas isso não é a questão aqui. O que estou dizendo é que poderia ser uma apresentação muito mais rica, que se justificasse ainda mais ser ao vivo do que simplesmente assisti-lo mixando os sons pré-gravados.
Em nenhum momento disse que a MÚSICA foi ruim. A apresentação sim, foi econômica demais. Aquele som propicia formatos infinitamente muito mais interessantes do que um preguiçoso laptop. E sentado.
cara, pensei em escrever um comentário grandão, ponto por ponto. mas tá tarde, e o sono bate.
resumindo, o que estamos a debater é o ponto de onde vc bruninho parte: “Um apresentação memorável deve se destacar em dois quesitos (ao menos): o musical, óbvio, e a performance.” não creio que uma apresentação, para ser memorável, tenha que se destacar nestes quesitos. em minha opinião (e na do chico e tb do lucas, ao que parece), uma apresentação pode ser memorável mesmo sem se destacar no quesito performance. pq no fim das contas o que realmente importa é a música.
abs
o meu comentário segue a mesma linha do chico e do antonio. e acredito que vc entendeu desde o começo. aceito a sua opiniao, mas como disse discordo completamente dela. e tambem nao ha nenhum problema em estarmos dicordando aqui.
eu nao senti a menor falta de preformance no show do murcof. como disse e repito, adoraria que o show fosse totalmente no escuro, inclusive fiz um video de 30 segundos com uma camera simulando uma lente dos anos 20, que deixou praticamente a imagem do show no breu, e fez todo o sentido.
acho que todos os pontos foram levantados e compreendidos por todos.
faco minhas as palavras do antonio, festival de alto risco e que o chico mandou muito bem.
chico mandou bem demais. achei o som bom do murcof demais, caso não tenha ficado claro. sei tbm que vcs entenderam o que quis dizer com performance.
nao fui nesses dois casos citados, mas no com truise e no sun araw achei foda ver os musicos tocando instrumentos ao vivo e adoraria ter uma camera filmando os controladores do com truise. senti falta disso.
isso nao afetou em nada o clima viajante da apresentacao e fiquei amarradao no som.
exatamente pelo que falaram do nelson freire, faz toda a diferenca conseguir ver as maos dele num angulo bom, e te faz sentir estar vendo algo especial e feito ali naquela hora.
o risco das apresentacoes citadas no texto é cair na mesma piada que chemical brothers, daft punk e justice ja cairam; a especulacao que nada daquilo é feito ao vivo, apenas pre gravado. por isso a necessidade dos visuais espetaculares.
alem disso, o formato que foi discutido, impede os artistas de irem alem de teatros para menos de 200 pessoas…
mas nada disso diminui o festival. foi foda e tem que repetir!
/URBe
por Bruno Natal
Cultura digital, música, urbanidades, documentários e jornalismo.
Não foi exatamente assim que começou, lá em 2003, e ainda deve mudar muito. A graça é essa.
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