quarta-feira

30

novembro 2016

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Entrevista: Chico Dub e o festival Novas Frequências 2016

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chicodub

Chega dezembro e com ele mais uma edição do festival Novas Frequências. Conversei com o idealizador e curador, Chico Dub, pra entender melhor a versão 2016 do maior encontro de música avançada do Brasil. A programação completa você confere na página do NF.

Como você avalia a evolução do festival até aqui?

Chico Dub – O Novas Frequências conseguiu em 2016 manter o seu tamanho em relação a edição do ano passado e, o que é mais crucial, sua essência, em um ambiente totalmente desfavorável política e economicamente. Se está difícil pra todo mundo, imagina pra gente, que trabalha com artistas totalmente desconhecidos do público… Complicado saber o que vai acontecer ano que vem, o cenário não parece nada bom…

De qualquer forma, acho que o festival já deixou um claro legado no país. E mesmo sendo uma raridade no cenário de eventos deste tipo no Brasil, não estamos sozinhos – o que não só é excelente, como vital para a nossa continuidade e expansão. A nossa importância está no fato de promovermos uma programação interessada apenas na qualidade e inovação artística. Somos um festival de arte, não estamos envolvidos com entretenimento.

Através do Novas Frequências e de nossos parceiros, conseguimos impulsionar artistas locais e fomentar uma nova cena que está surgindo. Ao mesmo tempo, a nossa visibilidade internacional, consegue, mesmo que de forma tímida, colocar o Rio e o país no mapa global de eventos relacionados.

Como suas viagens por festivais similares pelo mundo impactaram a concepção do Novas Frequências? Como você define o festival hoje em dia?

Chico Dub – Minhas viagens, não tenho nenhum problema em falar isso, influenciaram 100% a concepção do Novas Frequências. É óbvio que pinçando aqui e ali, sempre houveram atrações no Brasil cuja pegada dialogava com os conceitos do NF. De um Aphex Twin e John Zorn no Free Jazz/Tim Festival ao Carsten Nicolai e Pansonic no Sónar SP 2004; de um Wolf Eyes e Fennesz no 4Hype a um William Basinski e Ryoji Ikeda no ON_OFF; de um Deadbeat e Monolake no Eletronika a um Mouse On Mars e Hildur Gudnadottir no Hildur Guðnadóttir no NOVA Música Contemporânea. Mas um festival 100% dedicado a explorações sonoras, do jeito que fazemos, nunca havia rolado.

Aliás, eu defino o Novas Frequências desta forma: um festival de explorações sonoras. O propósito do festival é bem claro: chacoalhar com o status quo dos festivais nacionais ao realizar uma curadoria que está muito além de botar um monte de nomes bacanas tocando num palco; aproximar os universos da música experimental e da arte contemporânea; só trabalhar com o ineditismo; abraçar o Rio de Janeiro de todas as formas possíveis.

Fale um pouco do formato atual? Quais as vantagens e dificuldades de uma programação tão espalhada em termos de datas e lugares?

Chico Dub – O formato do NF é descentralizado, repete o modelo adotado em 2013 e aperfeiçoado em 2014. Essa ideia começou depois que o festival começou a crescer e consequentemente a precisar de outros espaços. Mas daí surgiu a seguinte questão: para onde ir? Porque o Rio de Janeiro não tem muito o lugar do meio, sabe? Parece que as coisas aqui, ou são para poucas pessoas, ou para muitas. Espaços para 200-400 pessoas, infelizmente, são bem escassos.

Ao mesmo tempo, acredito muito que uma variedade de ambientes, lugares, moods e arquiteturas (pelo menos num evento com as nossas características) amplia, e muito, as possibilidades artísticas. O palco de uma casa de show hoje é apenas 1 dentre 1.000 formatos possíveis para uma apresentação ao vivo, seja ela qual for. Na minha opinião, as melhores casas de show do Rio são o Circo Voador, a Audio Rebel e o Oi Futuro Ipanema. Mas nem tudo funciona nesses lugares, saca? Quantas festas, por exemplo, você já viu funcionarem no Circo? Quanto mais espaços diferentes, maior a chance de experimentar novas linguagens e conceitos.

Além de tudo isso que eu falei relacionado a performance, também estamos cada vez mais ligados ao universo da arte sonora/arte contemporânea. Então espaços em galerias e museus fazem muito sentido pra gente.

Em 2016, as novidades referentes aos nossos venues dizem respeito a ocupação no Galpão Gamboa e no Leão Etíope do Méier. Nunca fizemos nada parecido com elas. No primeiro caso, uma programação de 16 horas (com 14 delas abertas ao público) com shows, festa, instalações, lives, rodada de negócios e performances sonoras ligadas a outras formas artísticas. Maratona perde. Já o Leão marca não só a primeira vez que a gente faz evento em praça pública, como a nossa estreia na Zona Norte.

Como foram feitas as escolhas para escalação desse ano?

Chico Dub – Temos este ano uma parceria bem significativa (qualidade & quantidade) com a plataforma europeia SHAPE. Sigla para Sound Heterogenous Art and Performance In Europe, o SHAPE é formado por 16 festivais e centros de arte da Europa. São nomes cascudos do porte do CTM de Berlim, o Les Siestes Eletroniques de Toulouse, o Nemo de Paris, o Unsound da Cracóvia e o TodaysArt de Haia. Essa parceria surgiu em função do SHAPE, que é uma plataforma com financiamento do programa Creative Europe da União Europeia, ser um projeto nascido a partir da rede de festivais ICAS, do qual o Novas Frequências é membro.

Tive acessos aos artistas indicados para trabalhar com o SHAPE em 2017 e consegui pinçar 13 deles de um total de 48. Esse foi o ponto de partida da curadoria deste ano. No exato momento em que eu consegui viabilizar esses artistas, comecei a pensar no resto, nos complementos. Se eu tinha de um lado muita gente ligada a club music e a arte sonora, trouxe um pouco de improvisação, noise e rock de outro lado.

Ao mesmo tempo, quiz, como no ano anterior, que mais ou menos 50% da programação fosse nacional. O foco escolhido acabou tendo uma veia mais geográfica. Resolvi botar São Paulo no holofote porque acho que a cidade vive uma fase musical muito boa. Temos 14 artistas paulistanos no NF este ano.

Faça três roteiros para o festival para esses três perfis buscando: experiências sonoras, experiências visuais e primeiros contatos com o festival.

Chico Dub – Lá vai:

Experiências Sonoras

Sphæræ: CUBE – Mike Rijnierse & Rob Bothof from iii on Vimeo.

Mike Rijnierse é um holandês que traz para o festival a inédita instalação “Relief”, que é menos uma instalação sonora e mais uma instalação sobre eco – a partir de caixas de ultrassom e uma parede reflexiva. Recomendo também “Hecker”, uma peça sonora para 3 lenhadores escrita pelo austríaco Andreas Trobollowitch (que conta com ele e os “lenhadores” cariocas Leo Monteiro e Gil Fortes, ambos da banda IN-SONE). De acordo com o tipo de machado, de lenha e, claro, do corte, se obtém sons diferentes. Impossível não comentar sobre a performance vocal da Stine Janvin Motland, norueguesa que, em “Fake Synthetic Music”, emula com a própria voz algumas das primeiras peças compostas para sintetizador nos anos 60 e 70. Destaco ainda a “33 blast blast beat beat”, peça composta pelo artista sonoro Gustavo Torres para dois bateristas de grindcore e o português Gil Delindro, uma espécie de sonoplasta da natureza, que amplifica, via microfones especiais, o confronto de pedras e outros objetos crus e que trabalha com elementos como fogo, água e gelo.

Experiências Visuais

Antes de entrar em detalhes, é importante mencionar que mesmo as experiências visuais do Novas Frequências (ou pelo menos 90% delas) tem o som como ponto de partida criativa. O norte-americano Rob Mazurek, na inédita instalação “Psychotropic Electric Eel Dreams”, conecta sons/choques emitidos por enguias elétricas do Rio Negro do Amazonas com 100 tubos fluorescentes de LED. Em Destruction Derby, Thiago Miazzo cria ao vivo uma trilha alternativa pro joguinho de Playstation 1 “Destruction Derby”. Isso enquanto a plateia joga o game! Outra experiência muito legal é de “Cosmogonia”, um live cinema com imagens captadas ao redor do globo pelos antropólogo-cineastas franceses Vincent Moon e Priscilla Telmon que mesclam o som direto das filmagens com intervenções ao vivo do libanês Rabih Beaini. Finalizo com “Full Zero” do alemão Ulf Langheinrich, uma performance de dança, via vídeo, que também explora frequências subgraves.

Primeiros contatos com o festival (ou dicas pra quem não saca muito sobre o universo da música avançada-experimental)

Nem tudo é extremo no NF. Há muita música divertida nesta edição, sons feitos pra dançar sem compromisso, sabe? É absolutamente imperdível a festa dia 03/12 no Galpão Gamboa. Simplesmente estamos reuníndo 3 (dos talvez 6 ou 7) coletivos internacionais que estão reformulando a música de pista global: Staycore da Suécia (com Toxe e Mechatok), NAAFI do México (com Fausto Bahía e Mexican Jihad) e Salviatek do Uruguai (com os brasileiros Pininga e Superfície). Esses três coletivos mesclam tudo quanto é tipo de som urbano – reggaeton, cumbia, tribal guarachero, jersey, grime, funk carioca. São ao mesmo tempo pop e vanguardistas. Há ainda, na mesma festa, Elysia Crampton, uma americana de origens bolivianas, que funde tudo isso que eu falei em produções originais que são das mais legais da atualidade.

O #NF2016 também é um prato cheio pra quem gosta do lado mais alternativo e underground do rock. Xiu Xiu e Rakta, por exemplo, estão aí para comprovarem isso.

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